Maria Marcada

Entre o desapreço pelo nome, traição e abusos sexuais, Maria Cristina, mãe de três filhos, tem sua vida e memória marcada pelas relações vividas
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Maria Marcada
Cris sofreu um grande trauma em sua infância: ela foi assediada sexualmente por seu vizinho de 17 anos, filho de Dona Isabel, uma amiga próxima da família

Este perfil faz parte da reportagem especial “Maria, Maria: um retrato sociocultural da mulher brasileira”. Para acessar a série completa, clique aqui

Maria Cristina, 60 anos, gerente de recursos humanos

Nascida em 1960, na capital de São Paulo, Maria Cristina, que não gosta de ser chamada de Maria, é uma mãe e avó dedicada que há nove anos trabalha em uma grande organização de inteligência de mídia, no departamento de recursos humanos. Porém, por trás desta mulher de costumes “comuns” há uma grande história de superação

Quando tinha por volta de seis anos de idade, mudou-se com sua família para o bairro Vila Nova York, na capital de São Paulo, onde seu pai havia conseguido uma casa maior. Lá, Cris sofreu o grande trauma de sua infância, quando foi assediada sexualmente por seu vizinho de 17 anos, filho de Dona Isabel, uma amiga próxima da família. “Uma vizinha muito querida, me dava roupas e sempre pedia para a minha mãe que me deixasse dormir em sua casa para brincar com sua filha que também se chamava Maria. Chegou até a ser minha madrinha de Crisma”, disse Cristina. Foi em uma dessas noites, na casa de Isabel, que a fatalidade aconteceu. Maria foi acordada com a mão do adolescente tirando seu pijama. “Por um longo tempo esta cena se repetia. Eu chorava, mas o maldito me ameaçava e me molestava sempre que tinha oportunidade”. O pesadelo só passou quando Cris e sua família se mudaram: “Só o vi depois disso no velório de sua mãe. Já estava casado e com duas filhas. Nojento! Nunca mais tinha ouvido falar dele, para mim, era como se tivesse morrido”. 

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Cris guardou isto por muitos anos. Conseguiu falar sobre o assunto apenas com sua família, quando se tornou mãe, com o incentivo de instruir seus filhos para caso passassem por algo parecido, contassem com a mãe e não repetissem seu silêncio. “Minha mãe até questionou o porquê eu não contei antes. Mas como eu falei, o medo trava a gente”.

Inevitavelmente, o episódio a abalou e gerou bloqueios em suas relações interpessoais. Na adolescência, teve alguns relacionamentos e namoros, mas nenhum deles ultrapassou afetos além dos abraços e beijos. Por conta das memórias, Maria casou virgem e teve sua primeira relação sexual consentida com seu marido Marcelo. O casal se conheceu em um supermercado, onde trabalhavam juntos. Marcelo era um homem rígido e autoritário, inclusive com seus filhos. 

Com isso, começa uma nova fase em sua vida. A primeira gravidez aconteceu meio ano após o casamento. A gestação corria tranquila e ela desempenhava um trabalho menos pesado. Porém, quando já estava no sétimo mês, Maria sofreu uma queda e pariu prematuramente Rafael Aparecido — sobrenome este dado pela mãe de Marcelo, em promessa a Nossa Senhora Aparecida pela preocupação com o nascimento do neto. “Foi um susto, tivemos que preparar tudo rápido — berço, carrinho. Foi doloroso vir embora e deixar meu bebê no hospital. Mas como ele nasceu saudável, ficou só um dia a mais hospitalizado. Tudo muito novo pra nós. Um bebê tão pequenino requer uma atenção redobrada”.

Por um descuido, Cris engravidou um pouco antes de Rafael completar um ano, e precisou parar de amamentá-lo e recorrer a uma prima para suprir a necessidade do primeiro filho. “Na época, a Marli tinha acabado de ter sua filha. Eu levava o Rafa para ela amamentar. Fiz isso por mais de 30 dias e fui desmamando ele aos poucos”. Enquanto isso, Bruno nascia normalmente com 4.740kg e 52 centímetros. 

“Acho que na vida não existe o acaso, carregamos histórias tristes e alegres. O bom é saber que existe a chance de viver o próximo capítulo.”

A terceira gravidez de Cris foi complicada. Ela precisou recorrer à ajuda de sua irmã mais nova, Silvana, de 16 anos. A adolescente se mudou para a casa do casal. Mas, mesmo diante da necessidade, Marcelo questionava quando Silvana iria embora. 

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Após o parto, já em casa, Cris amamentava seu filho quando seu marido foi se banhar. Logo em seguida, sua irmã também se deslocou para o andar de cima. Cris suspeitou e os flagrou em um momento de intimidade. “Foi uma cena horrível! Ele entrou na minha vida adulto, não conhecia nada sobre aquele homem. Mas ela não, eu a vi nascer, crescer, cuidei dela. Nunca imaginei que ela pudesse fazer aquilo comigo”. 

Com o tempo, Cris absorveu suas experiências como lições de vida e superação. Ela perdoou sua irmã caçula, ao contrário de Marcelo que decidiu ir embora e começar outro casamento. Hoje ela tem uma boa relação com a nova esposa do pai de seus filhos. “Acho que na vida não existe o acaso, carregamos histórias tristes e alegres. O bom é saber que existe a chance de viver o próximo capítulo. Eu fui a dona do meu tempo e soube a hora de mudar minha história.” E finaliza: “É preciso ter sabedoria para poder tirar proveito de todas as situações que passamos para nos tornarmos fortes, seguros e confiantes. Hoje sou uma mulher realizada. Sou grata pela família que tenho, amigos, trabalho e o melhor: “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.

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