“São muitos dias de luta e poucos de glória”, diz Fernanda Ribeiro, cofundadora da Conta Black, sobre o empreendedorismo

Ao lado do marido, Sergio All, ela criou a fintech para desburocratizar o acesso aos serviços financeiros e impedir que o dinheiro circule apenas entre brancos no Brasil
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Fernanda Ribeiro (Foto: Divulgação)

“Preto e dinheiro são palavras rivais?”, diz um trecho da música “Vida Lôka”, dos Racionais MC’s, uma das inspirações da empreendedora Fernanda Ribeiro, 36 anos, cofundadora da Conta Black. Há três anos no mercado, a fintech foi criada para desburocratizar o acesso aos serviços financeiros no Brasil. Pensada inicialmente para ser uma conta digital, o negócio ganhou corpo ao longo de 2021 e agora é um hub de serviços financeiros e de consumo.

Ao lado do sócio e também marido, Sergio All, Fernanda decidiu empreender no mercado financeiro após largar o emprego em uma companhia aérea. A ideia inicial era migrar de carreira, mesmo sem saber para onde iria. Ela sentia falta de um propósito social. A paulistana, que é a quinta filha de uma família de sete mulheres, é formada em turismo e tem especialização na área de comunicação corporativa. 

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“Eu tinha um emprego muito estável no ramo da aviação, mas à medida que fui subindo de cargo, eu via cada vez mais menos propósito, menos pessoas como eu. Sentia falta dos meus pares, principalmente mulheres negras”, conta. 

Com a pressão diária, competitividade e uma rotina intensa no antigo trabalho, a empreendedora teve episódios de Burnout. Foi a partir disso que começou de vez o planejamento para abandonar o emprego. “As pessoas me achavam louca por trocar aquela realidade, que me permitia viajar pra Europa por R$ 200. Não foi do dia para a noite, eu me programei financeiramente para ter um ano sabático, mas depois de alguns meses, encontrei o meu primeiro propósito.”

Em 2015, Fernanda fundou a Associação AfroBUsiness, iniciativa que tinha o objetivo de gerar conexões entre empreendedores negros, promovendo a sustentabilidade desses negócios e a movimentação econômica. “Minha primeira relação com finanças nasceu ali, porque o nosso foco era gerar trabalho e renda para pessoas pretas, tendo uma ferramenta para materializar o nosso desejo. Três meses depois da fundação, o negócio já era finalista de uma premiação global e teve uma grande repercussão na mídia, o que ajudou a crescer ainda mais”, diz ela, que hoje é presidente da entidade.

Inquietação

Após o lançamento do projeto, Fernanda percebeu que conectar esses trabalhadores às grandes empresas não era tão simples. Isso porque muitos negros e moradores da periferia não conseguiam abrir uma conta nas instituições financeiras mais tradicionais. “Naquela época, não existiam as contas digitais que temos hoje. Ao chegar no banco, quando finalmente conseguiam passar pela porta giratória, a frustração era inevitável. O gerente se negava e a burocracia só aumentava.”

Além de terem as contas negadas, os profissinais negros também não conseguiam ter acesso a crédito. “Como muitos não tinham capital de giro, acabavam perdendo grandes oportunidades.” 

Foi por isso que, em 2018, surgiu a Conta Black. “Nós vimos que a conta digital seria o meio e não o fim. Então, a partir deste ano, começamos a nos posicionar como um hub de produtos e serviços financeiros alocados em uma conta digital. Hoje temos um aplicativo, cartão virtual e, nos próximos meses, vamos ter o cartão físico.”

Motivo de orgulho para Fernanda, o negócio tem mais de 18 mil clientes em todo Brasil, com 74% do público preto ou pardo. Além disso, o negócio já movimentou R$ 2 milhões no último semestre e mais de R$ 1,5 milhão de fundo para microcrédito. 

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A empreendedora destaca que foi exatamente isso que a levou ao mercado financeiro. “Eu tinha e ainda tenho a inquietação de ver um sistema elitista, racista e muito machista. O dinheiro não pode circular só entre os brancos. Não queremos que o preto seja inimigo do dinheiro, não pode ser assim”, afirma.

A preocupação da COO da Conta Black encontra embasamento nos números. Na pandemia da Covid-19, por exemplo, os empreendedores negros foram os que mais tiveram crédito negado, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV). O relatório mostrou que cerca de 44% dos negros conseguiram acesso ao pedido de empréstimo, ante 57% dos brancos.

Um outro levantamento, desta vez do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que 55,8% da população brasileira em 2018 se declarou preta ou parda. Mas, na camada dos 10% com maior rendimento per capita, os brancos representavam 70,6%, enquanto os negros eram 27,7%. Entre os 10% de menor rendimento, os números apontam 75,2% de negros e 23,7% de brancos.

“A gente vive em um país capitalista, mas enquanto a galera preta não se apropriar dos códigos e hackear o sistema, não veremos muita diferença”, avalia Fernanda.

Racismo estrutural e falta de diversidade

Em novembro, mês da consciência negra, muito se fala sobre o racismo estrutural e velado no Brasil. Fernanda considera que avanços no combate ao preconceito racial foram feitos, tanto no debate público, quanto na prática, mas lamenta ainda ser pouco.

Sobre a falta de diversidade nos altos cargos, ela tem propriedade para falar. “Eu sempre digo que sou um contraponto. No mercado financeiro, na maioria das mesas que sento, do outro lado estão homens mais velhos e brancos. Eles estão acostumados com os seus semelhantes, então acaba sendo uma surpresa. Eu sou uma mulher, negra, com aparência jovem. Teve uma vez que a gente estava em uma reunião com um grande player financeiro e ele falou que nos admirava por trabalharmos com a ‘lama’, referindo-se aos pobres.”

Meses depois, ela lembra que abriu o aplicativo do negócio desse mesmo homem e a capa era uma pessoa preta. “Vemos muita hipocrisia nesse mercado e isso acaba gerando uma revolta. É como se muitos dos nossos estivessem ali apenas como fantoches do processo.”

Empreender com propósito social

Desde que se tornou empreendedora, Fernanda percebe que os projetos são como uma montanha-russa e é comum ter questionamentos próprios sobre os rumos da sua vida.

“Como uma pessoa preta, sempre tenho o preciosismo de querer entregar mais, o dobro, é como se nunca estivesse bom. Quando me perguntam se eu considero que a Conta Black democratiza o acesso aos serviços financeiros, eu costumo dizer que depende. Sempre acho que podemos melhorar como negócio. Mas falando de projeto, a nossa base é muito diversa e, talvez por isso, eu concorde que houve sim uma democratização dentro de todo o cenário de jornada empreendedora, com muitos obstáculos.”

Ela considera que o empreendedorismo não é romântico e, muito menos, passa pelo controle do próprio salário e horário. “São muitos dias de luta para ter um de glória”, brinca. Apesar disso, diz que não se arrepende da transição de carreira  e gosta do impacto que causa na vida das pessoas.

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A empreendedora prefere não dizer o montante inicial, do próprio bolso, investido na Conta Black. Mas revela, sem detalhar números, que também recebeu um investimento-anjo em 2019 para estruturar a tecnologia do negócio. 

Em janeiro de 2022, a COO destaca que o grupo vai lançar novos produtos personalizados para o público-alvo, como securitização, investimentos, crédito e fidelização. “Hoje, a Conta Black é um negócio feito por pessoas negras, como foco na nossa comunidade, mas é uma fintech disponível para qualquer um, até porque precisamos ter sustentabilidade financeira, apesar da nossa base de clientes ser maioria preta e parda.”

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