Carla Borriello: ela largou o mercado financeiro para produzir o azeite preferido dos chefs brasileiros

Oferecido em hotéis como Copacabana Palace e restaurantes estrelados como Evvai, o azeite de Carla Borriello vive seu auge na gastronomia
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Carla Borriello, criadora do Azeite Borriello, é uma das dez brasileiras que fazem parte do grupo Women in Olive Oil (Foto: Divulgação)

Na mitologia grega, acredita-se que a oliveira, árvore que dá origem às azeitonas, foi criada durante uma disputa entre Atena, deusa grega da sabedoria, e Poseidon, o deus dos mares. Ao vencer, Atena teria presenteado a humanidade com o fruto, que representa paz, sabedoria, prosperidade, esperança e união entre os povos. A presença feminina está ligada à origem da iguaria por conta dessa história, mas as mulheres do século 21 fazem questão de honrar a narrativa com suas conquistas e avanços no mercado do azeite. 

Seja por uma aproximação natural com o tema ou por pura coincidência do destino, nos últimos anos as mulheres têm ganhado cada vez mais destaque com suas produções. O movimento é tão forte que, em 2020, em meio à pandemia de Covid-19, a sommelière e empresária norte-americana Jill Myers decidiu criar o grupo Women in Olive Oil (WIOO), que reúne cerca de 2 mil participantes de mais de 40 países que impactam, de alguma forma, a indústria mundial de azeite – seja como chef ou como agricultora. Carla Borriello, criadora do Azeite Borriello, é uma das dez brasileiras que fazem parte do coletivo. 

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Hoje, sua marca de azeite está presente em hotéis como Palácio Tangará, Copacabana Palace, Fasano, Emiliano e Hilton, além de restaurantes de alta gastronomia, como Tujuína, do chef Ivan Ralston, e Evvai, de Luiz Filipe Souza. O produto também foi destaque oficial nos jantares de premiação do Guia Michelin no Brasil em 2018 e 2019. Mas, embora esteja vivendo um momento de grandes conquistas e reconhecimentos, Carla não é uma recém-chegada ao mercado de olivicultura. Na realidade, a produtora é responsável por criar uma das primeiras marcas de azeite nacional – tudo isso sem nem imaginar que, um dia, trabalharia em meio a plantações e colheitas. 

Especialista no mercado financeiro, Carla trabalhou na área de investimentos por 25 anos, com uma longa passagem pelo Citibank. Em 2013, no entanto, as coisas começaram a desandar. “Houve uma crise nos Estados Unidos e o governo norte-americano precisou socorrer diversas instituições, o que fez com que os clientes começassem a ficar desconfortáveis e inseguros em investir, diminuindo nossa captação”, recorda. Em paralelo à questão política e econômica, ela não estava mais se sentindo tão realizada na área, que gerava momentos de ansiedade e estresse. 

Na época, sua válvula de escape era visitar a fazenda da família em Andradas, no sul de Minas Gerais, sempre que podia. O local, com mais de 200 hectares, oferecia um estilo de vida muito diferente. Lá, Carla e o marido plantavam para consumo pessoal e aproveitavam o terreno para explorar novos cultivos. Seis anos antes, em 2007, eles haviam plantado 700 árvores de oliveiras que ganharam da fazenda Maria da Fé, pioneira no plantio de mudas do tipo na região. Em 2013, em uma dessas visitas, o casal deu de cara com as primeiras azeitonas da plantação. “Fiquei encantada”, conta a produtora. 

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Na casa de um amigo mineiro que produzia cervejas artesanais e tinha uma máquina de extração de azeite, Carla fez o seu primeiro exemplar de azeite. “Esse amigo experimentou e disse que estava incrível. Eu não entendia nada do assunto, mas acreditei e comecei a levar o meu próprio azeite para todos os lados.” Uma vez, Carla levou o produto até ao banco onde trabalhava, para mostrar aos colegas. “Eu mostrei toda orgulhosa e disse que ia largar tudo para vender azeite. Achavam que eu estava maluca, mas acabou acontecendo de verdade”, diz, entre risadas. No mesmo ano, deixou seu emprego no mercado financeiro e passou por uns meses sabáticos, pensando no que fazer da vida. 

No início de 2014, quando foi para a fazenda novamente e viu as oliveiras carregadas de azeitonas, a ideia tomou conta da sua cabeça: ia mesmo começar a produzir e vender azeite. “Nesse meio tempo, eu recebi uma proposta de outro banco e aceitei, mas fiquei apenas 15 dias até perceber que minha vida não estava mais ligada ao mercado financeiro”, revela. A primeira colheita foi de oito toneladas, e a estratégia foi conversar com empórios e feiras gastronômicas sobre o novo rótulo. “O primeiro local onde eu divulguei o Azeite Borriello foi na frente de uma queijaria na Vila Madalena. Fiquei sentada lá na porta com um pãozinho italiano oferecendo o produto para que as pessoas experimentassem. Quando elas ouviam que era um azeite nacional, do sul de Minas, ficavam claramente chocadas.” 

UM AZEITE BEM BRASILEIRO

No Brasil, a introdução da olivicultura ocorreu no período colonial. No entanto, com medo de que a cultura se tornasse forte no país – o que representaria uma concorrência para Portugal -, a coroa portuguesa ordenou que os olivais fossem cortados e proibiu a continuidade do negócio. Por um longo período, mesmo depois da colonização, a cultura foi desprezada no Brasil. Alguns acreditavam que a produção não seria lucrativa, enquanto outros sequer sabiam da possibilidade de uma colheita de qualidade em solo nacional. “Ficamos afastados do mercado por uma questão histórica, mas temos terras propícias para o plantio. A única necessidade é ser um lugar com altitude, que tenha um equilíbrio de dias quentes e noites frias. A oliveira adora isso”, explica. 

Na fazenda da produtora, que está localizada na cratera de um vulcão, a 1.400 metros de altitude, o terroir é o paraíso das oliveiras. “Se você tentar em um local plano em São Paulo, provavelmente a árvore não vai dar fruto, mas o cenário não é o mesmo para o Brasil inteiro.” Mas o conhecimento popular – e até mesmo do governo – não estavam atualizados sobre essas questões em 2014.

Após participar de algumas feiras, Carla começou a ficar conhecida e recebeu um convite para distribuir o seu azeite para o Restaurante Tujuína, do chef Ivan Ralston. “Era a chancela que eu precisava para alcançar novos clientes.” Para emitir nota e vender de forma certificada, no entanto, era preciso conquistar uma aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – um processo burocrático e ainda novo para o mercado nacional. Foram três meses de espera. “Nem a Anvisa sabia como me orientar. Não tinha legislação direito. Foi um parto na montanha. Fiquei todo esse tempo entregando o azeite sem receber, já que não podia perder a oportunidade. Mas valeu a pena.” 

Em 2015, a fazenda familiar já contava com máquinas próprias de extração de azeite e uma plantação cada vez maior. Era, oficialmente, o começo do Azeite Borriello. 

NOVOS PLANTIOS

Amado pelos chefs brasileiros, o Azeite Borriello se destaca – segundo a produtora – por seu frescor. “Ele não foi extraído um ano atrás, não viajou de navio e nem passou pela mudança de clima durante um longo trajeto. Fazemos a colheita e, em no máximo duas horas, as azeitonas já vão para a máquina”, explica. Além disso, Carla destaca o seu esforço para se especializar no setor como um dos segredos do sucesso. “Assim que comecei a vender para grandes restaurantes, fui para a Itália fazer um curso de sommelier de azeites em Impéria, berço da olivicultura no país. Queria entender os parâmetros de um rótulo de boa qualidade. Também fiz gastronomia no Senac para saber como entregar o melhor produto.” 

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Os novos aprendizados, no entanto, não se limitaram aos estudos acadêmicos e práticos. A vida pessoal de Carla também foi marcada pela olivicultura. “Precisamos esperar uma média de cinco a sete anos para obter frutos de uma oliveira. São 10 quilos de azeitona para fazer um litro de azeite. Nossa produção precisa ser paciente e cuidadosa”, conta. “No mercado financeiro, você precisa bater metas. Você vive no limite. Quando se depende da natureza, isso não existe. Sou uma pessoa muito mais calma depois que aprendi isso.” 

Com cerca de 10 mil oliveiras plantadas e uma produção anual de 4 mil litros de azeite, Carla aproveita o tempo em que espera pelos frutos explorando novos plantios. A pedido dos próprios chefs, começou a produzir alcachofras Castraure, aspargos franceses, feijões brancos italianos e manjericão. “Já fornecemos alguns lotes desses produtos para restaurantes, mas ainda estamos testando para ampliar a produção e começar a vender em alguns empórios, assim como os azeites.” 

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Como se não bastasse, a fazenda também trabalha com gado leiteiro, produzindo, em média, 1.500 litros de leite por dia – tudo vendido para a Danone. O objetivo, agora, é investir em um e-commerce e transformar a fazenda em um espaço completamente orgânico.  “Nossas oliveiras já são orgânicas. Não usamos nenhuma forma de defensivo. É assim que queremos fazer com todos os nossos produtos.” 

Para Carla, saber que sua trajetória abre portas para novos olivicultores no Brasil é gratificante – tanto quanto ver uma muda crescer. “Quando eu larguei o salto alto e os terninhos para vestir tênis e colocar a mochila nas costas, foi uma virada de chave essencial para mim. Colher os frutos de uma planta que você viu nascer é mágico”, conclui.

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