De Belém a Berlim: como a diversidade cultural fez da amazônida Sarah Brito uma especialista em pluralidade corporativa

Há cerca de seis anos, a pesquisadora atende grandes marcas para ajudar em estratégias e programas de diversidade
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Nascida e criada em Belém, Sarah Brito é especialista em pluralidade e busca mostrar as riquezas do Brasil profundo (Foto: Divulgação)

Muitas vezes, quando as coisas acontecem fora das bolhas cultural e econômica brasileiras – ou, mais especificamente, além do eixo Rio-São Paulo -, as pessoas acabam por considerá-las inusitadas. O conceito “convencional” é relativo, e isso ficou claro na vida de Sarah Brito muito cedo, ainda na infância. 

Para começar, Sarah se descreve como fruto do matriarcado – realmente uma fuga dos padrões da tradicional família brasileira. Com exceção de alguns tios ela não teve muitas figuras paternas e masculinas enquanto crescia. Suas professoras ao longo da vida foram mulheres: mãe, avó e tias. 

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No entanto, até os poucos homens da família Brito tinham uma forte conexão com o feminino. O avô de Sarah, que ela não chegou a conhecer, tinha algumas exigências comuns a todos os filhos, fossem meninos ou meninas: eles precisavam estudar, aprender a tocar instrumentos, falar um outro idioma e saber se defender. Todas as mulheres da família fizeram karatê. “Fomos criadas para sermos fortes e autônomas”, resume Sarah. Esse estímulo ao conhecimento fez com que todos os integrantes do clã crescessem sem medo do mundo. Sua mãe, Martha, apaixonou-se pelos instrumentos e se tornou musicista. 

Com gana pela vida, não se deixou imobilizar pelas regras da sociedade convencional. Mesmo com uma filha pequena, foi para a Europa participar de turnês e levar sua música para além das fronteiras brasileiras. E foi nessa época, em que Sarah começou a viver entre o Brasil e a Alemanha, que a pluralidade surgiu em sua vida. Na casa de sua avó, na periferia de Belém, capital paraense, ela aprendia sobre a potência nacional. Já em Berlim, quando ia visitar a mãe, observava as diferenças culturais e se apaixonava – cada vez mais – por gente. 

“Eu a visitei pela primeira vez após a queda do muro de Berlim [1989] e, por mais que a minha criação não tenha sido lá muito tradicional, assistir aquele modo de viver da minha mãe só me trouxe alegrias. Ela era hippie, então eu tive muitas lições sobre como ser uma pessoa livre”, recorda. Naquele meio tempo, Sarah ganhou um irmão, que nasceu na Alemanha e vive lá até hoje. Aos 14 anos, no entanto, precisou lidar com a perda. Sua mãe faleceu muito jovem, deixando a sua visão de mundo como herança para a filha – um legado que ela soube aproveitar. 

“Eu sou da Amazônia, e isso já me dá um olhar diferente. Mas a forma como a minha mãe vivia e os momentos que passei com ela na Alemanha também tiveram muito impacto naquilo que sou hoje.” Se Sarah quisesse, poderia ter construído uma vida no exterior. Além dos contatos na Alemanha, ela tem muitos parentes ao redor do mundo. “Eu diria que somos uma família de nômades”, brinca. “Mas eu escolhi o Brasil. Minha felicidade está aqui. Eu acompanho a cultura norte-americana, não sou alheia ao que é internacional, mas realmente vejo no nosso país um terreno muito fértil de potencialidade. Um jeito poético e sábio de ver o mundo.” 

SURFISTAS NEGROS E CORPOS DIVERSOS

Formada em administração pelo Cesupa (Centro Universitário do Estado do Pará), Sarah se especializou em gestão cultural e começou a atender marcas desenvolvendo estratégias internas e campanhas publicitárias. Para ela, lidar com os vieses culturais era honrar a sabedoria nacional. “Valorizamos o pensamento sistêmico japonês e as sabedorias holísticas do Butão, mas tem muita riqueza aqui do nosso lado. Você vai a um desfile de bois e encontra uma metodologia de gestão surreal. Nós, que não estamos no Brasil profundo, podemos aprender muito com isso”, explica. Seis anos atrás, essa crença começou a fazer ainda mais sentido em sua vida. 

“Eu acompanhei o pesquisador Gustavo Nogueira enquanto ele montava seu curso sobre o futuro do mercado da comunicação. Comecei a aprender muito nesse processo e a entender que o potencial criativo do Brasil ia muito além do que eu estava vendo.” Como já trabalhava em parceria com algumas marcas em projetos culturais, Sarah começou a redirecionar sua atuação para a pluralidade. Em um projeto publicitário para uma importante marca automotiva, por exemplo, o foco era falar sobre o surf. Para fugir do estereótipo de surfistas loiros e nórdicos, a especialista montou uma campanha com uma família negra que praticava o esporte, um árbitro também negro e um grupo de mulheres com corpos diversos – magras, gordas, asiáticas, negras e brancas. “Comecei a inserir a pluralidade em todos os meus projetos.” 

No início, muitos não entendiam o seu posicionamento. “Você é muito sonhadora. O mercado não é assim.” Essas foram algumas das frases que ela mais ouviu naquela época. Nos últimos anos, no entanto, Sarah acredita que o mercado entendeu que faz parte da sociedade – e não o contrário. “O tema da diversidade já estava crescendo, mas teve um boom ainda maior após a morte do George Floyd. Comecei a participar de projetos de empresas como Sallve, Pantys e Google, para ajudar a furar as bolhas. A pluralidade vai além da diversidade e da inclusão. Eu recrutei pessoas diversas, agora como faço para que elas trabalhem juntas?”, perguntava-se. 

COMO FURAR BOLHAS 

O Brasil tem 8.516.000 km² e está entre os cinco maiores países do mundo em extensão territorial. São 26 estados, mais o Distrito Federal, numa estrutura que faz com que seja impossível tratar o país como se todas as suas partes fossem iguais. São Paulo não é como Manaus, assim como o Rio Grande do Sul não é semelhante à Bahia. Sendo assim, Sarah explica que não há como enxergar e tratar as vivências da mesma forma em todos os cantos do país. “A experiência LGBTQIAP+, por exemplo, não é a mesma para todos os brasileiros. Precisamos nos atentar a isso e começar a quebrar essa bolha do eixo sudeste que existe dentro das empresas. As pessoas precisam conhecer o Brasil profundo.”

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Outro exemplo, para a especialista, são as pesquisas que dizem avaliar o comportamento dos brasileiros mas, na realidade, só contemplam cidadãos do eixo Rio-São Paulo. O resultado, segundo ela, é uma perda para o país, que deixa de aproveitar sua diversidade. “No momento de crise, meu caminho de fuga é o mergulho no que há de mais profundo do país. Eu adoro essa frase. Nossas crises só serão solucionadas se trabalharmos coletivamente.” Há quatro anos, Sarah estruturou uma metodologia de trabalho para falar sobre pluralidade nas empresas. Pesquisadora, ela entende tendências e continua fazendo estratégias de campanha e de comunicação interna, mas com uma visão mais ampla – assim como sua mãe a ensinou. 

O foco no momento, no entanto, é começar a se comunicar diretamente com as pessoas, não apenas por intermédio das marcas. “Vejo que tem muita gente interessada em ampliar a visão, mas não sabe como. Por isso, estou lançando um curso sobre como furar bolhas, que vai sair no projeto Brava SP, um espaço de conexão para mulheres e pessoas trans”, conta. “Quero construir um futuro que, na verdade, é ancestral. Não vivemos dizendo que o Brasil é o país do empreendedorismo? E é mesmo. Se a periferia tiver oportunidades, vamos descobrir a quantidade de talentos escondidos que temos.”

Prestes a completar 40 anos, Sarah vive em Belém, mas viaja muito para São Paulo para realizar alguns trabalhos presencialmente. Em determinado momento, sua vida até se direcionou para o Sudeste, mas ela não quer, de forma alguma, passar a impressão de que é preciso mudar para o principal centro financeiro do país para ter uma vida de qualidade. “Por isso eu ainda estou em Belém. Mas, claro, ainda fico em uma ponte entre as capitais paulista e paraense. Coisa de geminiana: quero estar em dois lugares ao mesmo tempo”, brinca, lembrando de seus tempos de Belém – Berlim. 

O objetivo final de tudo isso é fazer com que a cadeia produtiva do Brasil seja compartilhada. “Distribuir grana para o resto do país”, resume. Assim como tudo em sua vida, Sarah tem uma trajetória profissional que não é convencional – ainda bem. Dez anos atrás, sua abordagem era vista como utopia. Hoje, é uma necessidade cada vez mais presente. “Eu não tenho mestrado em Harvard, mas eu tenho vivência. Sei o que preciso fazer.”

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