Mudança de carreira, maternidade e crise dos 40: a trajetória de Daniela Lopes, CEO da Blue EdTech

Ao unir o sonho de deixar um legado com o gap no mercado de tecnologia, empreendedora quer capacitar brasileiros em programação
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Mudança de carreira, maternidade e crise dos 40: a trajetória de Daniela Lopes, CEO da Blue EdTech
Daniela Lopes é fundadora da Blue EdTech e da Red Consulting (Foto: Divulgação)

Momentos antes de realizar uma cesária para o nascimento do primeiro filho, Daniela Lopes pediu alguns minutos aos enfermeiros e aos médicos que a acompanhavam. A executiva sacou o celular e acertou alguns detalhes com um de seus clientes antes de entrar no centro cirúrgico. Depois de conversar com a CEO e fundadora da Blue EdTech, uma escola de tecnologia da informação que oferece cursos de programação Income Share Agreement (ISA) – modalidade na qual os alunos só pagam a mensalidade depois de empregados -, fica mais fácil imaginar a cena.

A trajetória profissional de Daniela começou muito antes da fundação da Blue. A empreendedora, que é filha de mãe cientista e professora e pai engenheiro civil, foi criada de forma muito diferente das amigas e meninas da mesma geração: o objetivo era moldar uma mulher capaz de assumir uma posição de liderança: “Desde criança eu assistia aqueles filmes com mulheres executivas e empreendedoras e ficava admirando. Eu almejava ser assim um dia, ter um papel significativo na sociedade como elas”, conta.

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Primeiros passos

Formada em engenharia de produção pela Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, Daniela começou sua carreira como estagiária na Whirlpool, fabricante mundial de eletrodomésticos dona das marcas Brastemp e Consul, e estagiou na Alemanha por um ano e meio. 

Depois de formada, trocou de setor de atuação ao aceitar um convite para trabalhar na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). “Eu tinha a ideia de que trabalharia junto ao governo, ao Ministério de Minas e Energia e, assim, conseguiria mudar as coisas, ter um papel relevante.” Na nova empresa, porém, a tão sonhada influência ainda era bastante limitada. Por isso, a jovem executiva encarou um novo desafio, desta vez para atuar na busca de talentos, ou seja, uma espécie de headhunter, algo com o qual ela já havia lidado durante o estágio no velho continente.

“Eu fiquei quatro anos em uma consultoria e, quando percebi que não tinha mais como evoluir, decidi montar minha própria empresa”, conta. A Red Consulting, uma boutique de recrutamento e seleção, nasceu voltada para o mercado de engenharia em 2011, um ano extremamente conturbado – de um jeito bom – para Daniela. 

“Logo que eu e meus sócios montamos a agência, descobri que estava grávida”, relembra. Em 365 dias, a empresária acompanhou a obra da sua nova casa e do escritório da Red, abriu e contratou os funcionários da nova empresa e organizou seu casamento, tudo isso com um recém-nascido no colo. “Depois de parir, continuei trabalhando no hospital. Eu lembro de estar amamentando com um braço e digitando com o outro.”

Atuar durante a gravidez e até imediatamente após o parto não era apenas uma questão de determinação da parte de Daniela. A verdade, ela conta, é que deixar de trabalhar a deixava entediada. “Não conseguia ficar em casa sem fazer nada enquanto o mundo acontecia lá fora.” Ainda assim, em 2017, com a segunda gravidez, Daniela deu a si mesma um tempo para ficar com a filha. “Mas, de novo, eu trabalhei enquanto estava grávida, só não deitei na maca alinhando perfil”, brinca.

De fato, a maternidade e o mercado de trabalho podem ter uma relação ainda não muito amigável. Diferentemente de Daniela, que não parou de trabalhar durante suas gestações, as mulheres deixam o mercado de trabalho cinco vezes mais do que os homens depois da chegada dos filhos, segundo pesquisa da Catho. 

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Além disso, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas pouco mais da metade (54,6%) das mães entre 25 e 49 anos que têm crianças de até três anos em casa estão empregadas. Ainda que Daniela tenha passado longe das estatísticas – ao menos dessas -, ela conta que omitiu a gravidez dos clientes “Tinha medo de acharem que não daria atenção a eles e ao meu trabalho.”

Um propósito + um gap de mercado

Mudança de carreira, maternidade e crise dos 40: a trajetória de Daniela Lopes, CEO da Blue EdTech
Com o sonho de fazer algo impactante pela sociedade, empresária capacita alunos em programação ao redor do Brasil (Foto: Divulgação)

Um ano depois do nascimento de Luiza, sua segunda filha, Daniela voltou a repensar seus próximos passos. Àquela altura, com sete anos de mercado, a Red já estava consolidada, mas a empreendedora não queria abrir mão da característica de boutique e não via sentido em aumentar a consultoria. 

Foi também nessa época que Daniela vivenciou uma experiência muito temida pelas mulheres: a crise dos 40 anos. Às vésperas de atingir a idade, só conseguia pensar que estava chegando à metade da vida. Começou, então, a questionar se havia feito algo realmente impactante para a sociedade e até que ponto tinha melhorado a vida das pessoas. “Sempre achei a posição de headhunter muito bacana, mas ainda assim o meu impacto era muito pontual na vida de alguém”, explica. 

Mas foi justamente por trabalhar na busca de profissionais que Daniela detectou uma tendência em movimento. “Eu percebi que as pessoas não aproveitavam de forma plena a sua formação. Além disso, observamos, na consultoria, o boom da carreira de tecnologia ao mesmo tempo em que existe uma escassez de mão de obra qualificada no país”, relata. De fato, essa não é apenas uma percepção. Segundo dados da Brasscom, o Brasil tem 53 mil pessoas formadas por ano em cursos de perfil tecnológico para uma demanda média anual de 159 mil profissionais de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação).

Além disso, a empreendedora percebeu que, do outro lado do balcão, havia muita gente desempregada, sacrificando-se para pagar um curso que não necessariamente traria o retorno esperado. Daniela entendeu que o mercado estava mudando e que o ensino técnico poderia fazer a diferença. “Então, até na contramão do que aprendi em casa – de que a universidade era imprescindível -, eu vi que o mercado de trabalho estava passando por uma transformação. É claro que o curso superior é muito importante, mas o próprio setor de tecnologia clamava por uma formação tão atualizada e exponencial quanto ele próprio”, explica. “Na agência, a gente nem olhava mais onde o candidato havia se graduado, mas sim se ele havia realmente aproveitado o ensino oferecido.” 

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Foi dessa mistura do sonho de fazer a diferença com um mercado de trabalho deficitário na tecnologia que Daniela fundou a Blue EdTech, em janeiro de 2021. Ainda assim, a iniciativa começou no “susto”, ainda em 2019, quando ela comentou da ideia com a organização não-governamental Gerando Falcões, que implementa ações de educação, desenvolvimento econômico e cidadania nas favelas brasileiras. “Eu falei sobre a Blue como se ela já existisse e eles toparam uma parceria. Corri pra Natália Marques, minha sócia na Red, e pedi a ela que buscássemos um time de marketing e criássemos uma logomarca. Foi com o puxão dessa primeira parceira que começamos, de fato, a edtech.”

Mas veio a pandemia, e um projeto que era pra ser offline teve que se reprogramar e migrar para o universo online. “Essa foi uma das barreiras enfrentadas, afinal nossos alunos, que são principalmente da classe D e E, não possuem computador. Mas conseguimos adequar tudo isso e driblar as dificuldades ao longo do ano. Em janeiro de 2021 lançamos, de fato, o site e a empresa.”

Programadoras

No ano passado, a Blue abriu 373 vagas em cinco cursos, todos de programação, com um aporte de R$ 5 milhões. Em 2022, serão abertas mais de 1.200 vagas, já tem uma equipe de 45 pessoas, cinco conselheiros, previsão de faturamento de R$ 2 milhões e um público muito diverso. “Temos alunos do sertão da Bahia à capital paulista. São ex-advogados, ex-engenheiros, ex-professores, pessoas que querem mudar de carreira. E mais de 50% dos nossos alunos se declaram pretos, pardos ou amarelos”, conta. 

Além disso, um terço dos estudantes inscritos são mulheres. “Vemos uma grande dificuldade de as alunas se formarem. Tem meninas que assistem às aulas com crianças no colo. É super possível trabalhar e estudar sendo mãe, mas se elas não tiverem alguma ajuda para cuidar dos filhos, fica mais difícil”, diz. Essa realidade acaba se refletindo nos números: apenas 20% dos alunos formados pela Blue são mulheres. Curiosamente (ou não), essa porcentagem repercute também no mercado de trabalho: segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), as mulheres representam 20% dos profissionais de tecnologia do país.

Mesmo assim, a empresária entende que há um movimento cada vez mais propício para as profissionais no setor de tecnologia da informação. O próprio Caged aponta um crescimento de 60% na representatividade feminina na área nos últimos cinco anos.

E esse é um dos objetivos da empreendedora: inserir os alunos no mercado de trabalho. “Muitos já conseguem um emprego mesmo antes de se formar, com seis meses de aulas”, conta Daniela. Pensando nisso, ela buscou empresas interessadas em fazer parceiras. “São mais de 50 que estão apostando nos nossos alunos. Essas empresas, ONGs e fundações, são potenciais contratantes dos nossos alunos.”

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Em paralelo, a edtech buscou uma alternativa capaz de acessar até aquelas pessoas com condições muito precárias: Além de pagar o curso apenas após empregado, o aluno tem o prazo de cinco anos para acertar contas com a escola e, se não arrumar emprego nesse período, não tem compromisso com a quitação da dívida.

Em 2022, serão 12 turmas abertas, com 2 classes de 50 estudantes cada e dois professores. O processo de seleção acontece em várias etapas, sendo que a primeira delas é pelo site. Daniela reforça, no entanto, que o único pré-requisito essencial é o brilho no olho. “Ensinamos o aluno do zero, mas o que faz a diferença é o engajamento, a dedicação e a garra em aprender.”

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