Elas empreendem na periferia: 10 mulheres que estão mudando a realidade das comunidades brasileiras

Com negócios voltados aos moradores das favelas ou empreendedorismo social, elas estão fortalecendo as regiões menos favorecidas do país
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As mulheres empreendedoras das favelas brasileiras querem mudar o olhar de quem só enxerga essas comunidades como locais de carência, criminalidade e direitos cerceados. Elas querem ir além: mostrar toda a potência da periferia, a criatividade e o talento que os moradores dessas regiões têm. E estão conseguindo. 

A ideia não é simplesmente negar os problemas que existem nessas regiões menos favorecidas do Brasil, mas mostrar que não é só isso. Elizandra Cerqueira, que mora na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, desde que tinha apenas um ano, sonha com o dia em que o potencial de negócio e de empreendedorismo das comunidades brasileiras seja mais valorizado. 

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E, para fortalecer e construir essa realidade, ela fundou o Bistrô Mãos de Maria, localizado em uma das lajes mais charmosas da segunda maior favela da capital paulista.

A moradora de Paraisópolis diz que os desafios da vida do empreendedor são diários, principalmente quando se trata de um negócio inserido numa favela ou voltado para uma comunidade mais pobre. “Existe todo um trabalho de desconstruir o preconceito que as pessoas têm em relação ao que vem da periferia. Por muitos anos, eu vi as pessoas trazendo as coisas para dentro da comunidade. Hoje, pelo menos aqui em Paraisópolis, já não é mais assim. Temos muito o que dividir com o mundo, da comunidade para fora. Criamos ferramentas e ações para fomentar isso.” 

Apesar do esforço, ela sabe que a realidade não é um mar de rosas. “É difícil conseguir fornecedor e precificar o trabalho. Sempre tem alguém que acha que, porque é da favela, precisa ser de graça ou barato e duvida da qualidade. Mas batalhamos todos os dias para ocupar o nosso espaço, sabemos do potencial de consumo das favelas e as pessoas precisam enxergar isso.”

Os números provam que a capacidade de consumo nesses locais é muito alta. Um levantamento divulgado em 2020 pelos institutos Data Favela e Locomotiva mostrou que as áreas periféricas do país movimentam R$ 119 bilhões por ano. Para efeito de comparação, esse número é superior ao rendimento de 20 das 27 unidades da federação.

Aliado a esse potencial, o Brasil conta, ainda, com mais de 30 milhões de empreendedoras – o equivalente a quase 58% do total, que é de 52 milhões. O número faz do país o sétimo com mais empreendedores do sexo feminino no mundo, de acordo com dados do “Global Entrepreneurship Monitor 2020”, pesquisa realizada em parceria com o Sebrae.

Apesar da quantidade de mulheres no comando de negócios, a falta de acesso a crédito, precificação incorreta e escassez de formação, muitas vezes, são fatores que dificultam o crescimento desses empreendimentos nas comunidades. 

Outro exemplo que busca qualificar empreendedoras periféricas é o Instituto Negralinda, fundado no Recife, em Pernambuco, e batizado com o nome da chef de cozinha. Em 2021, o projeto formou 100 mulheres, de diferentes comunidades da capital pernambucana e de Floresta, no sertão, em diferentes áreas do conhecimento.

As empreendedoras aprenderam a desenvolver seus negócios, desde a gastronomia até o artesanato. A idealizadora do instituto começou a trabalhar ainda muito nova, sendo sua primeira experiência como marisqueira, em uma comunidade chamada Ilha de Deus. Hoje, ela tem o seu próprio restaurante, o Bistrô Ilha do Leite, e ajuda outras mulheres a realizarem os seus sonhos.

Veja, a seguir, 10 empreendedoras que estão mudando a realidade das comunidades brasileiras:

Altamiza Melo

Altamiza Melo (Foto: Rafael Furtado/Cortesia)

À frente do braço pernambucano da Central Única das Favelas (Cufa) desde 2019, a produtora cultural Altamiza Melo sempre defendeu a criação de programas de capacitação ligados ao fortalecimento de empreendedoras nas comunidades do Recife.

“Empreender na favela vem da nossa ancestralidade. É uma resistência diária para nos mantermos econômica, social e culturalmente vivas. Assim, ressignificamos o nosso lugar, vida e trajetória. Sempre digo que usamos nossa criatividade e força de vontade para apresentar nossa potência”, diz. 

Durante a pandemia, a pernambucana liderou um projeto para minimizar os impactos nas favelas do Recife. Desde abril de 2020, uma série de voluntários e parcerias já atenderam mais de 120 mil famílias de 500 comunidades da região metropolitana.

“O impacto da pandemia nos moradores de comunidades precisa ser amenizado. Nos organizamos junto ao poder público e à iniciativa privada para promover ações coordenadas para ajudar as favelas da Região Metropolitana do Recife durante esse período por meio de uma grande rede que monitora e intervém em cada localidade baseada nas necessidades encontradas”, afirmou Altamiza em entrevista. 

Cíntia Sant’anna

Cíntia Sant’anna (Foto: Divulgação)

A atriz fundou, em 2012, a ONG Entre o Céu e a Favela, localizada no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, com o objetivo de potencializar o protagonismo de crianças, jovens e mulheres da comunidade.

Cíntia começou a inserir atividades culturais no morro, como oficinas de teatro, perna de pau e contação de histórias, além de realizar eventos culturais, revivendo a cultura local e despertando novos olhares. Para ela, a influência positiva da arte na vida de uma criança é algo que não pode ser desprezado. 

Ao aliar duas grandes paixões – o teatro e a vontade de transformar vidas -, Cíntia utilizou a inquietude e um olhar atento à história que o morro carrega e iniciou um informativo mensal com notícias, serviços e um segmento para contar as histórias da comunidade. 

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Como uma evolução natural desse trabalho, em 2015 o pequeno jornal acompanhou a digitalização e se transformou em uma plataforma, sempre focada em valorizar, unir e divulgar a cultura, a arte e o desenvolvimento social. 

No ano seguinte, a ONG ganhou uma sede em parceria com a casa colaborativa Epicentral, firmando uma rede de apoio dentro da comunidade.

No ano passado, o projeto fundado por Cíntia celebrou dez anos de existência durante a pandemia. Nos cálculos da atriz, ao longo dos anos, o grupo atendeu e ajudou 3.500 famílias, uma média de 14 mil pessoas. “É muita gente para o nosso tamanho, mas, com esse número, já é possível ver a dimensão da importância e da necessidade das ONGs nas favelas, porque nós trabalhamos na ponta. Com nossas atividades, queremos promover a transformação sócio-cultural na região portuária do Rio de Janeiro. Nós oferecemos espaços de desenvolvimento e geramos qualificação, acesso à cultura e uma orientação profissional completa e efetiva para os moradores.”

Daiane Menezes 

Mônica Tavares, Milena Moraes e Diana Rosa e Daiane Menezes (Foto: Divulgação)

Ao lado das três sócias negras Mônica Tavares, Milena Moraes e Diana Rosa, a empreendedora Daiane Menezes fundou o bar e restaurante Malembe Food & Drinks, no centro histórico de Salvador, na Bahia.

Criar o empreendimento só foi possível com as linhas de crédito abertas para microempreendedores durante a pandemia da Covid-19. O objetivo é ser um espaço onde não há lugar para o machismo, racismo e qualquer outro tipo de discriminação.

As fundadoras também sentiam necessidade de um lugar voltado para a população negra que, segundo elas, carece de espaços plurais, como é o caso do bar, que oferece boa música, gastronomia diversa, eventos e conexão com a ancestralidade delas.

“Empreender para a comunidade tem uma importância muito grande. Acredito ser possível oferecer serviços de qualidade e com valor acessível para aquelas pessoas que geralmente não recebem esses serviços e não são vistas como potencial público consumidor”, disse numa entrevista.

Elizandra Cerqueira

Elizandra Cerqueira (Foto: Divulgação)

A vontade de mudar o olhar da sociedade sobre as favelas brasileiras sempre fez parte do objetivo de vida de Elizandra Cerqueira. A baiana, que mora em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, é  a fundadora do Bistrô Mãos de Maria.

Com mais de 100 mil habitantes, Paraisópolis é a quinta maior comunidade do país. É lá, em uma das mais de 18 mil lajes, que o restaurante de Eli, como gosta de ser chamada, e de sua sócia, Juliana Costa, foi criado. Por lá são servidas comidas caseiras a preços populares, além da tradicional feijoada aos sábados.

Mas, antes de se tornar um bistrô, o Mãos de Maria já era um projeto de empoderamento feminino e transformação social. Ele surgiu em 2007 e, na época, ainda não era um modelo de negócio – o intuito era capacitar e garantir a independência financeira, por meio da gastronomia, das mulheres da favela, principalmente as que estavam em situação de vulnerabilidade social.

“Começamos para que as mulheres da nossa comunidade pudessem empreender. Naquela época, fizemos o primeiro curso de formação para ajudá-las a alcançarem a independência financeira”, conta Eli, revelando que a iniciativa foi batizada em homenagem às alunas da primeira turma, já que mais da metade delas tinha Maria no nome. 

Anos depois, o projeto se consolidou e evoluiu também para uma buffet, onde as mulheres envolvidas prestavam serviços para empresas de eventos. O bistrô só nasceu em maio de 2017, quando o Mãos de Maria se tornou um empreendimento e passou a ocupar a laje da União de Moradores de Paraisópolis.

Por seu trabalho, Elizandra recebeu, em 2018, o prêmio Women Stop Hunger em Paris, promovido pelo instituto Stop Hunger, organização que luta contra a fome e pelo empoderamento das mulheres.

Glória Stefani

Glória Stefani (Foto: Divulgação)

A moradora do Morro do Adeus, no Rio de Janeiro, sempre sonhou em trabalhar com moda. Em 2012, Glória Stefani não perdeu as esperanças quando agentes municipais removeram o boxe onde trabalhava vendendo roupas, no Complexo do Alemão. 

Oito anos depois, em 2020, ela conseguiu fundar o seu negócio, a Lojas Glórias, especializada em moda feminina, com quatro filiais em bairros e comunidades do Rio.

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Glória começou vendendo bolsas na rua com o pai – uma realidade difícil, repleta de preconceito. Depois de muito trabalho, conseguiu abrir uma loja, mas a prefeitura derrubou tudo e ela precisou trabalhar na rua novamente. “Tivemos que recomeçar até conquistar nossa primeira loja, que foi a da Nova Brasília, no Rio”, explica.

Além da família, que ajuda nas lojas, Glória tem sete funcionários. Sua preferência é contratar pessoas das próprias comunidades.

Karine Oliveira

Karine Oliveira (Foto: Lane Silva/Divulgação)

A empreendedora baiana Karine Oliveira é hoje CEO da Wakanda Educação, fundada em 2018, mesmo ano em que estreou o filme “Pantera Negra”. Na trama, Wakanda é um país fictício totalmente tecnológico. A ideia é falar e ensinar sobre empreendedorismo com uma linguagem informal e regional. 

Formada em serviço social e técnica em viabilidade econômica, Karine tem dez anos de experiência em empreendedorismo de impacto social. A jovem construiu, ainda na faculdade, uma metodologia para potencializar negócios locais, mostrando que pode existir uma Wakanda em cada periferia do Brasil.

Ela explica que a metodologia do projeto consiste em auxiliar empreendedores na gestão financeira, planejamento estratégico e vendas. Desde a criação da Wakanda Educação, a iniciativa já impactou mais de 600 empreendimentos periféricos, sobretudo ações direcionadas às mulheres negras e comunidade LGBTQIA+. 

Entre os destaques, ela cita o Pitch de Buzu, competição para valorizar os trabalhadores que ganham a vida vendendo produtos nos transportes públicos de Salvador. 

Larissa Dias

Larissa Dias (Foto: Divulgação)

A fisioterapeuta e empreendedora Larissa Dias é sócia-diretora da clínica de pilates que leva seu nome no bairro onde mora, em Pirajá, Salvador. A empresa foi criada em março de 2016 e atende, por mês, cerca de 100 pacientes, além de oferecer também  serviços de fisioterapia, psicologia, nutrição e fonoaudiologia.

Larissa conta que abriu o próprio negócio para garantir a sua independência financeira e levar mais saúde à sua comunidade, onde esse tipo de serviço não chegava.

Para ela, ter um negócio voltado para a própria comunidade traz diversos benefícios: valorização da região, geração de empregos e de renda e fortalecimento da economia do bairro.

Negralinda

Chef Negralinda (Foto: Reprodução/TV Globo)

Presidente do Instituto Negralinda, a chef que batizou a entidade nasceu e foi criada na comunidade pesqueira da Ilha de Deus, um dos maiores manguezais urbanos do mundo, localizado no Recife. Hoje, ela é empreendedora social no setor da gastronomia e sócia proprietária do Bistrô Negralinda.

O instituto oferece assistência social para mulheres de comunidades, palestras, cursos e oficinas para empreendedoras sociais, formatação de negócios criativos e inovadores nas áreas da gastronomia, artesanato, lojas colaborativas, turismo de base comunitária e turismo criativo.

Em 2014, Negralinda participou de um curso social de turismo e empreendedorismo – foi aí que nasceu seu amor pela cozinha. “Hoje, meu restaurante está na rota de turismo da cidade. Entrou no ‘Guia Abrasel 2019’ e é considerado um dos 52 melhores do estado. Eu não sabia que poderia ter uma história tão linda”, diz a empreendedora.

Rejane Santos 

Rejane Santos (Foto: Divulgação)

Com a ideia de atrair os empregadores e diminuir o desemprego em Paraisópolis, a pedagoga Rejane Santos fundou, em 2017, o projeto Emprega Comunidades, plataforma gratuita que ficou conhecida como “LinkedIn das Favelas”. 

Hoje, o projeto já tem mais de 17 mil pessoas cadastradas e, pelo menos, 3.000 delas já conseguiram algum trabalho. Só no ano passado, em plena pandemia, 60 moradores da comunidade foram empregados por meio da iniciativa. 

“Nossa ideia sempre foi conectar os candidatos da periferia, que estavam fora do mercado de trabalho, às empresas. Em muitos casos, a pessoa não consegue um emprego porque mora na favela, é negra ou uma mãe com filhos pequenos. Puro preconceito. Eu pensei que essa seria uma possibilidade de apoiar essas pessoas ao mostrar o outro lado da moeda. Não é que somos os coitadinhos da favela, pelo contrário, tem muita gente qualificada, com ensino superior e com potencial muito grande, que só precisa de uma oportunidade”, explica Rejane.

O programa também realiza atendimentos online e os interessados podem acessar uma página no Facebook para visualizar as vagas de emprego e realizar o cadastro. “O meu objetivo é transformar a vida das pessoas pela empregabilidade, porque quando alguém consegue um emprego, muda a vida de toda a família”, diz.

Rejane destaca que grande parte das pessoas cadastradas é formada por negros e mulheres em busca de independência financeira, principalmente mães solteiras que são chefes de família. “Não recebemos currículo. Fazemos o atendimento individual e cadastramos as informações no nosso banco de dados organizado. Quando uma empresa está procurando aquele perfil, nós enviamos todos os candidatos que preenchem os requisitos.”

Rozeli da Silva 

Rozeli da Silva (Foto: Divulgação)

Rozeli da Silva criou, em 1996, a ONG Renascer da Esperança, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para ajudar crianças pobres da sua comunidade, no bairro da Restinga. A ideia era oferecer o acolhimento e as oportunidades que ela mesma não teve na sua infância.

O sonho da empreendedora de construir um projeto social começou quando ela ainda era gari na cidade e limpava as calçadas do centro da capital gaúcha. Na época, ela costumava ver as crianças pedindo comida na rua. “Eu sou gari, preta, pobre, não sabia nem ler e nem escrever. Fui vítima de violência doméstica, vivi em cárcere privado, fui mãe aos 12 anos e, por muito tempo, quando não era invisível, era tratada como lixo. Hoje, represento para as crianças que acolhemos a esperança de que existe uma saída e que, quando amparamos com amor a nossa história e a de quem está ao nosso redor, podemos mudar o mundo”, disse Rozeli em uma entrevista.

Com o seu empreendimento, ela nutre o sonho de transformar a vida das crianças periféricas e oferece acolhimento, incentivo, educação, e recreação para os que antes não tinham nada. Mais de 300 pessoas são contempladas em diversas atividades.

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