Fernanda Pessoa: quem é a professora das três alunas pernambucanas que tiraram 1000 na redação do Enem

Nascida no sertão e mãe solo na adolescência, a empresária fundou um dos principais cursos de linguagens e redação do país
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Fernanda Pessoa
Fernanda criou o método “redação colorida” para ajudar os alunos a desenvolver as redações para o vestibular (Foto: Divulgação/ Curso Fernanda Pessoa)

Aos 41 anos, Fernanda Pessoa é proprietária de um império na educação. Mais do que isso: ela acumula o carinho de milhares de alunos que já passaram pelo seu cursinho pré-vestibular. Apenas na última edição do Enem, 126 alunos que frequentaram as aulas da professora foram  aprovados em 1o lugar em cursos de universidades brasileiras. Além disso, três estudantes obtiveram a nota máxima na redação da prova. 

Engana-se quem pensa que a popularidade e o crescimento do curso se devem a uma vida cheia de privilégios que facilitaram a ascensão. Ou, ainda, de que o sucesso esteja ligado a uma boa sorte advinda do nome da empresária – uma “versão feminina” do escritor português Fernando Pessoa. 

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O nome, decidido pelos pais em uma aposta antes de chegar à maternidade, não possui relação nenhuma com o poeta. Na verdade, os pais sequer o conheciam. O que houve foi a junção de “Fernanda” – escolhido pela mãe –  e o sobrenome do pai, vindo da família que vivia no sertão de Pernambuco. 

De qualquer modo, para Fernanda, os resultados do curso ainda não têm uma explicação concreta ou racional, principalmente porque ser professora nunca foi seu principal objetivo. Quando decidiu começar na profissão, o plano era um só: sobreviver. Foi assim que, durante anos, ela adquiriu conhecimento suficiente para desenvolver a própria metodologia de ensino. 

Mãe solo aos 15 

Nascida no sertão de Pernambuco, na cidade de Arcoverde, Fernanda Pessoa viveu a primeira gravidez aos 15 anos. Assim como outras meninas na mesma situação, não teve o apoio do parceiro e, antes mesmo do nascimento da criança, foi informada pelo próprio pai de que não teria apoio financeiro para arcar com as despesas da filha. 

A informação, no entanto, não enfraqueceu a dedicação da jovem em busca de um de seus maiores objetivos: “Eu queria ser médica na África”, diz. Embora continuasse por lá, o plano acabou sendo adiado para dar lugar aos esforços para criar a filha. Após descobrir a gravidez e saber que não poderia contar com o auxílio financeiro da família, Fernanda começou a produzir biscoitos para vender no município onde morava e, mais tarde, iniciou a licenciatura em letras, com habilitação em português, na única instituição à qual tinha acesso naquela época, a Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde (AESA). 

Com a formação, escolhida por falta de outras opções, ela pretendia dar aulas nas escolas da cidade e deixar o trabalho autônomo. Porém, um outro obstáculo impediu, mais uma vez, o curso dos seus planos. Em uma tentativa de ajudar um homem que conhecia, a professora emprestou um talão de cheques a ele, que ofereceu o pagamento como garantia a agiotas.

O episódio a colocou, aos 19 anos, na condição de devedora, e ela precisou sair de Arcoverde para não sofrer com a violência dos criminosos. O novo destino foi a casa de um tio, no Recife, mas com prazo de validade: ela precisaria encontrar outro lugar para morar em um mês. E assim ela fez. Conseguiu um emprego como professora e foi viver em outra casa. 

Fernanda Pessoa
A professora possui, atualmente, 4.000 alunos no formato presencial e 30 mil no online (Foto: Divulgação/ Curso Fernanda Pessoa)

Curso Fernanda Pessoa

A mudança de residência e o novo emprego marcaram o início da trajetória de sucesso da educadora. No Recife, ela dava aulas de manhã até o final da tarde e, depois, aproveitava para produzir biscoitos para vender nas bancas de revista da cidade. 

No entanto, quando tudo parecia bem, Fernanda foi demitida por não se adequar ao modelo de ensino da escola. Ela desejava mais tempo para as aulas, além de maior proximidade com os alunos para entender a realidade vivida por eles. “Eu entrava na sala de aula e me sentia engessada”, afirma. 

Assim como na primeira instituição, a demissão ocorreu em várias outras. “Eu já trabalhei em mais de 15 escolas e fui demitida de todas elas. Isso acontecia porque eu não conseguia me encaixar naquela metodologia”, diz. 

Depois de notar que não desejava mais dar aulas segundo o modelo das escolas tradicionais, Fernanda decidiu, em 2001, tentar os cursinhos pré-vestibulares. “A primeira turma tinha apenas 13 alunos. Era tudo muito precário, mas eu queria ajudar um número maior de estudantes. Já na segunda, eram 25. Depois, 50”, conta. 

O número de estudantes aumentava conforme a popularidade da professora crescia entre os vestibulandos. Assim, foi necessário alugar uma sala maior. Foi dessa maneira que, em 2005, as aulas realmente alavancaram. 

Fernanda Pessoa
Curso de redação e linguagens da professora também conta com aulas de gramática, literatura e história da arte (Foto: Divulgação/ Curso Fernanda Pessoa)

Para apoiar os alunos que vinham defasados nas matérias de literatura e redação, devido à greve ocorrida nas escolas públicas do estado em 2006, Fernanda desenvolveu um método próprio: a redação colorida. Nessa estrutura, os trechos do texto a serem melhorados eram destacados por cores, como uma forma de sugestão do que poderia ser ajustado. 

Com o novo modelo, Fernanda passou a ter um maior volume de alunos. “Foi nessa época que eu resolvi sair da sociedade que mantinha. Eu sofria muito preconceito, era sempre a pessoa desorganizada financeiramente, a que queria oferecer um conforto muito grande aos alunos, a que não pensava em guardar dinheiro porque investia tudo que ganhava no negócio”, relata. 

Após a saída, a professora abriu a primeira unidade do Curso Fernanda Pessoa, que, no início, funcionava em um prédio que abrigava uma boate no primeiro andar. “Quando eu vim pra cá, eu não tinha grana. O dinheiro recebido das matrículas era usado para comprar os materiais para concluir a obra. Eu não sabia nem se o espaço ia ficar pronto até o começo das aulas”, lembra. 

Apesar das dificuldades, a primeira turma do curso recebeu 3.000 matrículas. “Quando pisei no auditório do lugar, algo, no meu interior, me disse: ‘Sua África é aqui’”, conta Fernanda, sobre o sonho de atuar como médica no continente africano. 

Foi então que Fernanda se deu conta de que a ideia de seguir na medicina estava ligada ao desejo de ajudar as pessoas. Àquela altura, ela já estava fazendo isso, mas como professora. “No interior, as pessoas só acham que você venceu na vida se você vira médica e trabalha na África. Não pode ser qualquer outro lugar”, explica ela sobre a cultura da comunidade onde vivia. 

Atualmente, o curso possui duas unidades, no Recife e Caruaru, e tem 4.000 estudantes no formato presencial e 30 mil no online, segundo a professora. 

Educação horizontal

Ao contabilizar os feitos das três alunas nota 1000 na redação do Enem 2021 e os 126 primeiros lugares em cursos de graduação de universidades públicas de todo o país, Fernanda ressalta que é contra a educação apenas para passar nas provas que dão acesso às instituições de ensino superior. “Na cabeça do aluno, o objetivo é passar no vestibular. Na minha, é transformar o aluno”, garante. 

A professora afirma, ainda, que uma de suas principais metas com o curso é contemplar todas as classes sociais. Para isso, concede bolsas para os estudantes de baixa renda. “Tudo aqui no curso é para o menino pobre e também para o menino rico. Na sala, há filhos do governador, do prefeito e estudantes que vêm da favela”, conta. 

Fernanda arrisca elencar alguns dos motivos que podem ter contribuído para o sucesso dos alunos que usufruem da sua metodologia. Para ela, um dos principais fatores para os resultados positivos é a educação horizontal, em que os professores não são vistos como superiores aos alunos só por terem conhecimento acadêmico. “Eu odeio hierarquia. A estrela do processo é o aluno, não o professor”, destaca. 

Fernanda Pessoa
Todos os alunos do curso têm acesso ao número de telefone da professora (Foto: Divulgação/ Curso Fernanda Pessoa)

A empresária diz que, muitas vezes, o professor é desrespeitado em sala de aula e, por isso, pode acabar tendo uma postura opressora em relação aos estudantes para ganhar respeito. No entanto, ela acrescenta que preza pela “paciência para ouvir os alunos”, mesmo sabendo que há dias em que é mais difícil fazer isso. 

Outros pontos apontados como grandes influenciadores do sucesso das aulas são a proximidade da professora com os alunos e o estímulo ao pensamento crítico, criatividade e à escrita livre. Ela conta que tenta se aproximar dos estudantes para entender o contexto da vida de cada um deles – todos eles têm acesso ao seu número de telefone pessoal, para que possam conversar. “Conheço meus alunos pelo nome.” 

Por fim, Fernanda revela um dos segredos para as notas altas na redação: “Eu ensino aos alunos que a escrita é reflexo dos pensamentos”, diz. Por isso, no currículo do curso, há matérias de gramática, literatura e história da arte. 

Vida pessoal 

Apesar de parecer mil em vez de uma, por se desdobrar em tantas funções – mãe, avó, esposa, empresária e professora -, Fernanda diz sofrer pela autocobrança excessiva. “Eu consigo acompanhar a escola, acompanhar as notas. Eu sinto que sempre dá pra fazer mais e a minha cobrança é muito séria, mas queria me cuidar mais”, desabafa. 

Ela, que sofreu com a Síndrome de Burnout há cinco anos, conta que quando iniciou na profissão, queria ser a professora que desejava que as filhas tivessem, mas, agora, um dos maiores anseios é passar mais tempo com elas. “Eu tento cuidar dos filhos dos outros, mas, às vezes, queria poder cuidar mais das minhas filhas”, diz. 

No entanto, mesmo com as dificuldades impostas pela falta de tempo e excesso de trabalho, Fernanda se mantém focada. “Às vezes, eu tenho que me trancar cinco minutos no banheiro para descansar. É um preço muito alto, mas eu encaro como missão.”

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