“A maternidade nos torna mais produtivas e focadas”, diz Daniela Graicar, fundadora do Movimento Aladas

Para a criadora da iniciativa de apoio ao empreendedorismo feminino, é cada vez maior o número de mulheres que criam seus próprios negócios por desejo – e não necessidade
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Daniela Graicar busca encorajar mulheres na liderança e empreendedorismo (Foto: Divulgação)

Cento e trinta e cinco anos. Este é o tempo estimado pelo Fórum Econômico Mundial para que a equidade de gênero seja uma realidade no mercado de trabalho depois da pandemia de Covid-19, que acabou retardando uma conquista que já não era fácil.

Entre os fatores que contribuem para esse cenário estão a maternidade e a dupla jornada. “Na minha primeira maternidade, perdi vários clientes que claramente acharam que eu não voltaria ao trabalho com a mesma energia. Homens e mulheres. Acabei ficando somente 20 dias fisicamente distante da agência e, na realidade, minha energia nunca diminuiu. A maternidade nos torna mais produtivas, focadas e jamais incapazes de dar conta do recado”, diz Daniela Graicar, fundadora do Aladas, movimento que nasceu em maio de 2020 para unir, encorajar e capacitar mulheres que querem empreender ou aprimorar sua capacidade de liderança e gestão.

Diante desta realidade, não é de se estranhar que o empreendedorismo venha crescendo como alternativa para equilibrar o lado pessoal e profissional de mulheres que precisam – ou querem – ter sua própria renda. E foi exatamente essa a conclusão da pesquisa “O Voo Delas”, realizada graças a uma parceria entre o Movimento Aladas e o Sebrae São Paulo: 46% das mulheres que abriram seus próprios negócios durante a pandemia têm como objetivo ter mais autonomia e flexibilidade para ficar com a família. 

A análise, feita com cerca de 1.100 mulheres, também teve como objetivo explorar o dia a dia e os desafios do público feminino ao empreender e gerir seus negócios. E a partir dela foi possível notar que as brasileiras estão indicando sua jornada no empreendedorismo de forma planejada e com menos idade.  Das entrevistadas, 25% se encaixam na faixa etária entre 18 e 30 anos. No início da pandemia, esse porcentual foi de 14% e no período pré-pandemia, de 6%.

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“Isso demonstra que as mulheres estão empreendendo mais jovens, sentindo-se preparadas e seguras mais cedo e perdendo um pouco do medo de errar e correr riscos. Empreender não é fácil, mas pode ser uma saída para a autonomia e liberdade. Quando a gente tem acesso à informação, ganha coragem de avançar no empreendedorismo”, afirma Thais Piffer, gerente de gestão estratégica do Sebrae-SP.

Durante a pandemia, 33% dos novos negócios foram abertos por mulheres, contra 29% por homens, segundo a pesquisa. Apesar disso, houve uma redução de 51% no percentual de negócios liderados por mulheres no período entre março de 2020 a agosto deste ano.

Outro dado relevante é que 78% das mulheres entrevistadas abriram seus negócios com recursos próprios e apenas 6% contaram com a ajuda do banco. “As mulheres são as mais adimplentes e mesmo assim elas encontram dificuldade de conseguir financiamento bancário. Se conseguem, acabam aceitando juros mais elevados – segundo o BMI, 3,5% a mais – pela dificuldade de negociar a condição oferecida”, analisa a fundadora do Aladas.

Daniela Graicar conversou com a Elas Que Lucrem sobre empreendedorismo feminino, a diferença entre homens e mulheres na condução dos negócios e ainda deu dicas importantes para quem quer entrar nesse mundo, mas não tem coragem de dar o primeiro passo. Veja, a seguir, os melhores momentos da entrevista:

Elas Que Lucrem: Toda vez que mostramos exemplos de mulheres que deixaram de lado o mercado de trabalho para empreender, recebemos mais críticas do que aplausos. O argumento é de que as mulheres empreendem por falta de opção – ou seja, não conseguem emprego e, por isso, acabam criando seu próprio negócio. Qual a sua visão sobre essa perspectiva?

Daniela Graicar: A pandemia de Covid-19 aumentou o percentual de mulheres empreendendo por necessidade nesses últimos anos. São principalmente mulheres que perderam seus empregos e/ou tiveram que complementar a renda familiar. 

Mas a verdade é que cada vez mais o público feminino empreende por desejo. Entre as justificativas de empreender, 43% das mulheres o fizeram por ser o seu sonho. E o que eu quero, com o Aladas, é justamente que cada vez mais mulheres entendam que esse é um sonho possível.

Não digo que seja fácil empreender, mas existem muitas histórias reais de sucesso nessa jornada. Sou daquelas que acredita que o que a gente não conhece, não sonha, e o que a gente não sonha, não realiza. Então, quanto mais histórias de empreendedorismo real conhecermos, mais nos inspiramos, arregaçamos as mangas e fazemos acontecer – por desejo.

EQL: Na sua opinião, quais são as principais diferenças entre homens e mulheres na posição de empreendedores?

DG: Culturalmente, a mulher se sente mais desconfortável na posição de empreendedora. Uns chamam de síndrome da impostora, outros dizem que é uma questão cultural mesmo, já que a maioria de nós não brincou de correr riscos desde pequena, de ter o próprio negócio, de liderar pessoas. Então, achamos que alguma hora vamos falhar e que vão descobrir que somos uma farsa. Tanto que 43% das mulheres nem tentam empreender por medo de falhar. Veja que maluco isso! O medo de dar errado mata mais sonhos do que um potencial erro que possa vir a acontecer.

E sobre a questão do erro é o seguinte: quando a gente não se sente confortável nesse lugar de empreendedora, o primeiro nos pega em cheio E aí vem o segundo, o terceiro…

Errar é um cotidiano na jornada empreendedora, faz parte do dia a dia e precisamos nos acostumar a cair e a levantar, a pensarmos em desistir e lembrar da razão de tudo existir no dia seguinte. Homens, em geral, têm mais autoconfiança do que mulheres, foram educados e encorajados a correr riscos, enquanto nós aprendemos a cuidar dos outros e nos comportarmos.

Falta também o apoio e o acolhimento familiar para a empreendedora, para que se reduza a culpa da jornada excessiva e para que as tarefas da casa e da família sejam, de fato, compartilhadas, reduzindo o peso desses afazeres que tomam tanta energia da mulher. 

Dedicamos 541 horas a mais do que os homens a esses afazeres domésticos. São 68 dias de trabalho a mais, que nem percebemos. Isso tudo sem falar na dificuldade de acessar capital, uma vez que, segundo o Banco Mundial Internacional, somente 10% das empresas fundadas por mulheres conseguem financiamento. Com isso, o ecossistema empreendedor, com suas poucas mulheres, acaba se tornando um ecossistema cada vez menos receptivo a elas.

EQL: Assim como acontece com as executivas, as empreendedoras também precisam equilibrar o dia a dia com as tarefas domésticas e cuidados com os filhos. No caso das empreendedoras, isso pode ser ainda mais difícil, já que a dedicação para fazer um negócio decolar pode ser muito mais exaustiva do que a de uma profissional, que muitas vezes tem um horário de trabalho mais definido. Qual a sua principal sugestão para que essa rotina funcione?

DG: Minha principal sugestão é aceitar que os pratos da vida vão cair de vez em quando – e tudo bem. Eu conversei com 48 empreendedoras e perguntei a elas como conseguem gerenciar o tempo e seus diversos papéis. Todas contaram episódios em que esse equilíbrio deu errado, e eu tenho os meus também.

Outra dica: cuidar para que o mesmo prato não caia duas semanas seguidas. Ou seja, o segredo é compensar. Se faltou muito em casa, tente equilibrar, se faltou consigo e seu descanso, compense logo. Além disso, tenha muita, muita disciplina, abra espaços nobres na agenda para si mesma, entendendo que a empreendedora é fundamental para o sucesso da própria empresa.

Outra coisa que eu faço é pintar minha agenda no Outlook de cores para cada papel que eu exerço (mãe, esposa, empreendedora, mulher, amiga, lifelong learner…). Como cada tarefa tem uma cor, facilmente vejo onde estou sobrando ou faltando.

Mais uma coisa que eu recomendo é cuidar para que o corpo e a mente estejam no mesmo lugar. Não adianta estar com os filhos pensando no trabalho e vice-versa. É difícil, ainda mais quando a gente ama o que faz, mas é um exercício diário, necessário e que vale a pena. 

EQL: Segundo dados do Sebrae e da pesquisa “Global Entrepreneurship Monitor 2020”, o Brasil é o sétimo país no ranking global de mulheres empreendedoras. Dos 52 milhões de empreendedores registrados no país, 30 milhões são mulheres. Na sua opinião, qual a tendência para os próximos anos? Esse número deve aumentar, estabilizar ou diminuir?

DG: Espero, sinceramente, que esse número aumente. E só vai aumentar quando o ecossistema todo evoluir nesse sentido. Quando as mulheres se sentirem mais pertencentes e acolhidas no ambiente empreendedor, quando investimos na capacitação delas para empreender com sucesso e mais segurança, quando o acesso ao capital for mais fácil, quando as mulheres entenderem que não precisam se sentir sozinhas na jornada empreendedora e podem – e devem – recorrer a mentores experientes, quando a licença-paternidade for estendida e as tarefas domésticas mais bem distribuídas e quando outras estratégias de equidade se mostrarem reais. 

EQL: Apesar desses números, as mulheres ainda encontram muita dificuldade para conseguir financiamento por aqui. O que é preciso para mudar esse cenário?

DG: De um lado, nós precisamos ter mais coragem de negociar e pedir por isso. Muitas mulheres desistem por medo de não conseguir o financiamento ou aceitam taxas piores que as oferecidas aos homens por receio de perdê-lo. De outro, os bancos precisam revisitar seus critérios e entender que apoiar o empreendedorismo é contribuir para a geração de PIB e resultados reais e relevantes para o nosso país. Além disso, com venture capital e outros investidores, precisamos parar de aceitar que as perguntas venham carregadas de vieses, acreditar no nosso potencial e reforçar nossa habilidade de gestão e geração de valor.     

EQL: Existe um momento mais adequado para empreender? Antes ou depois da maternidade?

DG: Nunca será fácil e isso depende de cada mulher. Muitas estão vivendo uma jornada corporativa de sucesso e se descobrem empreendedoras mais tarde. Outras, como eu, desde novas alimentam esse sonho. Assim como a própria maternidade, não tem idade certa. A verdade é que antes de ser mãe, você provavelmente tem mais tempo para cuidar desse desafio, porém, talvez falte um pouco de repertório. O que eu sugiro é não adiar esse sonho se você o tiver, porque você nunca se sentirá 100% preparada.  

EQL: Por fim, qual o seu conselho para mulheres que sonham com o empreendedorismo, mas não têm coragem de dar o primeiro passo?

DG: A primeira dica é se dedicar à capacitação, porque ela vai oferecer mais coragem e ferramentas para fazer dar certo. Quando idealizei a Jornada de Voo Aladas, foi justamente pensando nessas mulheres. Reuni todas as habilidades técnicas e socioemocionais de que eu precisei ou que me faltaram nos primeiros anos e montei essa jornada de 100 videoaulas dadas por mais de 20 profissionais incríveis. Certamente é um importante overview.

Não pense que será fácil, mas também não se sinta sozinha, porque existem redes de mulheres que vivem angústias e sonhos similares, e essa troca traz muito acolhimento, verdade e sugestões importantes. Faça mentoria para ampliar seu networking, ter mais visões de mundo e respostas que você demoraria anos para ter.

Em seguida, acredite no seu potencial, porque as histórias de empreendedorismo de palco que vemos são cheias de fracassos que as pessoas escondem nos bastidores. Mas são esses fracassos que nos tornam ainda mais fortes. 

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