
Aos 21 anos, Bárbara Arranz se viu com três filhos nos braços e uma faculdade de biomedicina para começar. Como se tudo isso já não fosse desafio suficiente, outro se impôs em seu caminho: um de seus filhos, Raul, foi diagnosticado com autismo aos sete anos. Logo após o laudo, a médica receitou os alopáticos tradicionais – que, na visão da mãe, eram muito agressivos. Foi quando relembrou um assunto do qual havia ouvido falar há muito tempo.
Já Danila Moura era, desde jovem, uma forte entusiasta de uma planta um tanto quanto proibida. Talvez por ser algo “fora da lei”, a adolescente sentia uma certa adrenalina naquele ato de rebeldia. Sempre que podia, lia, escrevia e até apresentava na escola projetos sobre o assunto.
Maconha, cannabis, cânhamo, erva… Uma planta com vários nomes e apelidos. Apesar de ainda muito demonizada por parte da população brasileira, esse é um setor promissor no país. De acordo com um relatório da consultoria New Frontier Data, feito em parceria com a The Green Hub, aceleradora brasileira de startups que trabalham com cannabis, apenas no Brasil essa indústria pode movimentar R$ 4,6 bilhões até 2023.
Além disso, segundo relatório também lançado pela aceleradora, com dados da Clarivate Analytics e da Derwent, o mercado global de cannabis legal está estimado em US$ 55,3 bilhões em 2024. Desse total, US$ 824 milhões dizem respeito à América Latina – o que inclui o Brasil. Mas é importante ressaltar que, em países como o Uruguai, esse tipo de indústria está muitos passos à frente do que em terras tupiniquins.
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Enquanto em alguns países – mais especificamente 40 em todo o mundo -, a legalização e regularização já são histórias do passado, por aqui este é um debate recorrente. Mesmo assim, algumas conquistas em território brasileiro já foram alcançadas, e muito disso se deve ao esforço das mulheres.
Os caminhos para a criação de um setor
“O setor canábico tem muito do lado feminino porque lida com o cuidado, o tratamento. Grande parte das pessoas que cuidam é formada por mulheres”, diz Bárbara Arranz.
Maria Eugenia Riscala, também empresária do setor, concorda: “Todos os mercados são dominados por homens, sempre teremos que batalhar mais por sermos mulheres, mas acredito que o setor da cannabis medicinal, o setor de saúde, valoriza muito o feminino”, diz.
E, de fato, por aqui, muito da regulamentação e da legalização de remédios à base de maconha foram obtidas graças à luta de mães e filhas. O marco inicial dessa caminhada foi em 2006, quando a atual Lei de Drogas previu a possibilidade da União autorizar o plantio, a cultura e a colheita de plantas vegetais como a maconha para fins medicinais ou científicos.
Ainda assim, foi apenas em 2014 que o Conselho Federal de Medicina aprovou o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias de crianças e adolescentes refratárias aos tratamentos convencionais. No ano seguinte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualizou a Lista de Substâncias Sujeitas a Controle Especial, incluindo o canabidiol e definindo critérios para exportação – em casos excepcionais – de produtos com CBD por pessoas físicas, para uso próprio.
Em 2016, a entidade permitiu o registro de medicamentos derivados da cannabis sativa e, então, incluiu a planta na Denominação Comum Brasileira como medicinal, permitindo manuseio mais claro e preciso na área farmacêutica.
Por trás de todo esse caminho trilhado na legislação estava uma gama de mulheres que tornaram possível o surgimento de um setor legalizado. A primeira pessoa a conseguir autorização para o plantio da cannabis foi Margarete Santos de Brito, hoje fundadora da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicina (Apepi).
Além dela, Cidinha Carvalho, fundadora da Cultive, é um dos nomes importantes na liderança de movimentos antiproibicionistas. Ela, assim como Margarete, entrou na luta pela legalização da cannabis medicinal para ajudar as filhas, portadoras de doenças raras.
Graças a essas e muitas outras mulheres e famílias, a maconha medicinal tem hoje um mercado que movimenta milhões. O setor mobilizou, apenas de janeiro a junho de 2021, R$ 20 milhões, segundo o relatório “Cannabis para Fins Medicinais”, da empresa Kaya Mind, liderada, também, por uma mulher.
Veja, a seguir, 5 mulheres que estão transformando o setor de cannabis medicinal no Brasil:
Bárbara Arranz, fundadora da Linha Canábica da Bá

Também motivada pela saúde, Bárbara Arranz, fundadora da Linha Canábica da Bá, se viu no papel de desmistificar a planta que ajudou seu filho neuroatípico. Por meio da Apepi, a mãe conseguiu acesso, em menos de duas semanas, ao tratamento à base de cannabis para Raul.
“Depois de um mês da utilização do óleo, o meu filho era outra criança. A parte cognitiva, a fala, a parte motora, o foco, tudo começou a apresentar resultados positivos. Só nós, da família, podemos dizer como foi essa mudança”, conta Bárbara.
Para ela, a experiência positiva do filho precisava ser levada adiante. E esse movimento começou na escola onde Raul estudava. “A psicopedagoga começou a comentar do tratamento e da melhoria com outras mães, e elas começaram a procurar por mim”, relembra Bárbara.
Assim nasceu a Linha Canábica da Bá, uma plataforma de educação sobre a maconha medicinal. “No Brasil, a gente atua na parte de tecnologia, oferecendo cursos, desmistificando o tema. Aqui na Espanha, estamos adentrando a cosmetologia”, explica.
Com o crescimento da plataforma no Brasil, Bárbara se mudou para terras espanholas com a ideia de explorar o setor de cosméticos à base de cannabis – ainda proibido por aqui. Ainda assim, um mês após desembarcar na Espanha, a pandemia de Covid-19 adiou os planos da empresária, que apenas recentemente conseguiu retomá-los.
Bárbara e o marido atuam juntos e, apesar de ser a fundadora do negócio, ela revela que as pessoas sempre se dirigem a ele para conversar sobre o tema. “Apesar de ter um protagonismo feminino, ainda é um setor muito machista.”
Mesmo assim, a empresária vê um cenário promissor para o segmento que, segundo ela, deixou de lado muitos preconceitos nos últimos três anos. “Hoje, muita gente sabe o que é a maconha medicinal. Por isso, quando digo que trabalho com essa planta, sou mais bem recebida. Mas ainda existe um preconceito com o termo que se usa – cannabis ou maconha. No final, é tudo a mesma coisa.”
Danila Moura e Katia Cesana, COO e CEO da Xah com Mariaz

Foram outras as motivações que atraíram Danila Moura e Katia Cesana para o setor da cannabis medicinal. Danila, COO (Chief Operating Officer) da Xah com Mariaz, é jornalista de formação, mas foi no empreendedorismo que viu uma oportunidade. Ao lado de Katia Cesana, ela fundou um hub de empreendedorismo feminino cannabico.
Danila sempre quis trabalhar com maconha. Desde pequena, sentia curiosidade de se aventurar por esse meio e, mesmo não direcionando sua profissão de jornalista para o setor, acabou trabalhando com isso por um acaso da vida. Numa conversa com Katia sobre as dificuldades de estar em um meio tão masculino, percebeu que a amiga se sentia igualmente acuada. “Ela então me propôs que a gente fizesse alguma coisa para mudar essa realidade.”
De forma natural, sem pretensões de virar um negócio, surgiu a Xah com Mariaz. “No começo, promovemos encontros com empresárias do setor. Com o tempo, as coisas foram se ajeitando, até que veio a pandemia”, relembra Danila.
Mesmo em uma posição difícil, afinal estavam tocando um projeto ainda embrionário em tempos incertos, as duas perceberam que estavam em uma situação privilegiada em relação a outras empreendedoras do setor.
Então, no meio da crise sanitária, Danila e Katia mergulharam no mundo das startups, influenciadas por Damaris Ribeiro, head de inovação da The Green Hub. “Ela nos elucidou que o que mais a gente tinha eram problemas: falta de informação, falta e dificuldade de acesso à maconha medicinal e por aí vai. Foi quando descobri que estar rodeada de problemas é bom para uma startup”, brinca Danila.
Ela e Katia, que nada sabia do universo das startups, correram em busca de investidores, afinal, precisavam construir um negócio rentável. Com aceleração da Google for Startups e incubação da The Green Hub, a Xah com Mariaz se tornou a primeira startup brasileira a oferecer formação no mercado da cannabis exclusivamente para mulheres.
Com cursos sobre empreendedorismo – ou hempreendedorismo, como gostam de chamar – no setor, a dupla já impactou mais de 50 mulheres desde o início das atividades e pretende triplicar o número em 2022.
Marcela Ikeda, cozinheira e fundadora da Larica Uruguay

Marcela Ikeda decidiu ingressar na gastronomia quando se mudou para o Uruguai e viu na venda de marmitas e brownies uma possibilidade de iniciar seu negócio. “Por conta da legalização aqui, a maconha se tornou um ingrediente a mais dos meus pratos”, explica.
Fundadora da Larica Uruguay, Marcela busca transformar a Larica em um portal de informação gastronômica onde a cannabis tenha o seu merecido espaço. Antes de se descobrir cozinheira, passou por diversas experiências de emprego que considera importantes para chegar onde está. Foram quase duas décadas no Japão – país onde teve seu primeiro contato com a cannabis – até descobrir que empreender era algo que lhe dava prazer. Mas foi só após a morte do pai que Marcela criou coragem para, finalmente, viver perto do mar e, o mais importante, estar próxima a si mesma. O destino, então, foi o Uruguai, com R$ 200 no bolso, uma mochila e uma bicicleta na bagagem. “Lá eu comecei a minha vida do zero”, conta.
A marca nasceu, de fato, em 2015, mas se tornou muito mais do que apenas a venda de comidas à base de cannabis. “A Larica Uruguay é um guarda-chuva de diversos produtos. Um deles é a Cenas con María, que começou em 2018. “Queria que as pessoas viessem até mim, sentassem e comessem. Como não tenho um restaurante (ainda), receber em casa foi a melhor opção, e foi assim que surgiu esse projeto”, explica.
Jantares com Maria, em português, são experiências gastronômicas nas quais Marcela recebe os convidados em sua casa para uma imersão na culinária cannábica. “Eu cozinho, sirvo e explico cada componente do prato. A ideia é desmistificar e orientar o consumo consciente, já que a cannabis em conjunto com a alimentação pode sim melhorar nossa qualidade de vida e todos precisam saber disso”, explica.
Além do Cenas con María, Marcela também ministra aulas de culinária e executa eventos dentro e fora do território uruguaio. Logo quando a Larica Uruguay nasceu, ela não tinha noção do potencial da marca e de onde poderiam chegar. Hoje, se dá conta de que, sem querer, traçou um caminho relevante que junta dois setores importantíssimos atualmente: o da cannabis e da gastronomia.
Maria Eugenia Riscala, CEO e cofundadora da Kaya Mind

Maria Eugenia entrou no empreendedorismo e no universo da cannabis quando se mudou para a Espanha, onde a planta é legalizada. Foi quando se deparou com um lip balm à base de cannabis que se deu conta de que aquele era um setor imenso, com muita história e com muito ainda a ser explorado.
Mas, além disso, ela sempre se preocupou em procurar o melhor para o bem-estar do próximo. A irmã, que possui deficiência intelectual, a condicionou a buscar por qualidade de vida. “Não existe uma cura para essa condição, então, pensar em medicina alternativa sempre foi parte da minha realidade”, explica a empresária.
Formada em relações internacionais pela FAAP, Maria Eugenia cofundou a Kaya Mind após um reencontro com seu atual sócio. Juntos, eles perceberam que não havia um mapeamento do consumidor de cannabis no Brasil. Assim, surgiu o negócio, especializado em dados e inteligência de mercado no segmento da maconha.
“A ideia é mapear de ponta a ponta quem é o consumidor de cannabis no Brasil. Desde a mãe desesperada por um óleo que pode ajudar seu filho até um homem que comprou uma camiseta e não viu que era feita de cânhamo”, explica a CEO. Desde sua fundação, a Kaya Mind já atendeu mais de 15 players no mercado e possui, atualmente, seis clientes recorrentes, oferecendo apuração, relatórios e consultoria sobre o tema.
Hoje, Maria Eugenia enxerga, em números, o crescimento do setor. Apenas o fato de conseguir se sustentar e empreender no segmento já prova isso, mas ela ainda acredita que há um longo caminho pela frente. “Falta discussão nos níveis parlamentares, nos níveis corretos, que podem de fato mudar a realidade”, diz.
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