Amante das plantas: Pesquisadora Patrícia de Medeiros fala sobre vida acadêmica, maternidade e as mulheres na ciência

Cientista foi reconhecida pela sua pesquisa como International Rising Talent em prêmio da L’Oreal Unesco
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“Acredito que hoje em dia há um fenômeno no mundo de homogeneização alimentar: comemos todos os dias as mesmas coisas” (Foto: Divulgação)

“Mãe da Luna (e de mais um ou uma que está “a caminho”), cientista etnobióloga, feminista, apaixonada por literatura distópica e fantasia e por viajar”. São com essas palavras que a pesquisadora Patrícia de Medeiros se apresenta. Hoje, com um estudo sobre plantas alimentícias não convencionais (PANCs) – principalmente silvestres -, ela pretende popularizar esses alimentos e contribuir para a economia das comunidades de extrativistas.

“Acredito que hoje em dia há um fenômeno no mundo de homogeneização alimentar: comemos todos os dias as mesmas coisas e, com isso, estamos deixando de aproveitar diferentes recursos e a maior quantidade de nutrientes que podemos receber a partir de uma alimentação mais diversa”, explica Patrícia. 

É essa realidade que seu estudo pretende auxiliar a mudar: “Essa popularização poderia nos ajudar a ter dietas mais diversificadas, assistindo na segurança alimentar e nutricional”.

A vida acadêmica e a pesquisa de PANCs

“Fui reconhecida como International Rising Talent e fiquei muito contente. Além de ser um reconhecimento do meu trabalho, aceitei como uma grande responsabilidade” (Foto: Divulgação)

Ao ingressar na Universidade Federal de Pernambuco para cursar biologia, Patrícia teve seu primeiro contato com o universo acadêmico. Mal sabia ela que seguiria por esse caminho, uma vez que seu objetivo inicial era trabalhar no resgate de animais. 

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Através da leitura do livro “As muitas faces da Jurema”, de Clarice Mota e Ulysses Albuquerque, Patrícia se apaixonou pelo conhecimento local das plantas. Então, ela correu atrás para começar sua iniciação científica e um estágio na área, na Universidade Federal Rural de Pernambuco. 

“Fiquei apaixonada pelo conhecimento tradicional que as comunidades locais mantêm. Ao fazer trabalho de campo, pude perceber o quão importante, complexo e multifacetado é o conhecimento tradicional”, conta. Essas descobertas fizeram com que Patrícia seguisse este caminho em suas pesquisas. 

Inicialmente, na graduação e mestrado, Patrícia trabalhou com a sustentabilidade do uso de madeira por comunidades locais no nordeste. No doutorado, buscou entender,  no que diz respeito ao conhecimento e uso de plantas medicinais,  quais as semelhanças e diferenças entre esses grupos de vários pontos do Brasil. 

Foi quando começou a lecionar para o curso de Agroecologia da Universidade Federal de Alagoas, que a pesquisadora teve contato mais forte com plantas de uso alimentício. É então que se inicia sua caminhada para a pesquisa que conduz hoje, e que lhe rendeu reconhecimento internacional no prêmio “Para Mulheres na Ciência”, promovido pela L’oreal, em parceria com a Unesco. 

“Fui reconhecida como International Rising Talent e fiquei muito contente. Além de ser um reconhecimento do meu trabalho, aceitei como uma grande responsabilidade, porque me deu mais garra para conduzir meu estudo da melhor maneira, para que a sociedade e a ciência possam colher bons frutos”, comemora Patrícia. 

Em sua pesquisa – conduzida juntamente a um grupo: os membros do Laboratório de Ecologia, Conservação e Evolução Biocultural (LECEB-UFAL) -, a doutora utiliza de estudos ecológicos, etnobiológicos e de ciências do consumidor para identificar plantas com potencial para popularização. “Também buscamos entender as melhores formas de apresentar esses produtos a potenciais consumidores e identificar o perfil socioeconômico das pessoas que estariam mais propensas a adicionar esses produtos a suas dietas”, explica.

Mulheres na ciência e a maternidade

“Tento ao máximo racionalizar e entender que sou humana, com tempo limitado, muito longe de ser um robô” (Foto: Divulgação)

“A imagem que eu tinha de um cientista era de um homem, mais velho e excêntrico, manipulando tubos em um laboratório”, conta Patrícia. Ainda assim, foi de um homem que ela tirou grande inspiração para seguir na carreira: Ulysses Albuquerque, o escritor do livro que abriu portas para Patrícia na etnobiologia. 

“Quando entrei no mestrado, conheci um dos meus maiores modelos femininos de cientista: a professora Ana Ladio, da Argentina, que veio a ser minha coorientadora no doutorado. Fiquei fascinada pela forma com que ela falava sobre etnobiologia e como se posicionava, de forma assertiva e contundente, mas, ao mesmo tempo, com muita humildade e humanidade. Naquele momento pensei que queria ser como ela um dia”, relembra.

Mas quando o assunto é mulheres na ciência, Patrícia vê um ambiente ainda dúbio: mesmo com avanços no setor, o público feminino ainda é menor, principalmente em cargos de liderança. 

“Acredito que gradativamente estamos vendo avanços. Cada vez mais mulheres ocupam postos permanentes de pesquisa no Brasil. Quanto a políticas institucionais, acredito que o país esteja mudando”, conta. A pesquisadora exemplifica que algumas universidades dão um ou dois anos a mais para avaliação de currículo para mães em alguns editais e programas, o que, segundo Patrícia, permite que sejam mais competitivas frente aos homens. 

Ainda, a pesquisadora vê o crescimento de programas e ações para garantir equidade de gênero e valorizar o espaço e protagonismo da mulher, como o próprio “Para Mulheres na Ciência”.

Mesmo assim, a realidade pode ser dura. “Enfrentamos diariamente micro-agressões no nosso ambiente de trabalho. Por exemplo, mulheres que se colocam de forma mais enfática tendem a ser vistas como histéricas ou exageradas, enquanto homens são vistos como assertivos. Precisamos avançar muito no sentido de evitar que o machismo se propague também na academia”, conta.

Além disso, Patrícia diz que já conheceu muitas mulheres que terminaram seu mestrado ou doutorado, tiveram seus filhos e desistiram de suas carreiras. “Acho que falta apoio para essas mulheres criarem seus filhos e seguirem na Academia. Não se trata só de políticas institucionais, mas de uma mudança cultural na sociedade, que faça com que os homens estejam tão envolvidos na criação dos filhos quanto as mulheres”, desabafa Patrícia.

Não à toa, esse é o principal desafio da pesquisadora até aqui: aliar a maternidade com a ciência. “Na realidade, não sei se tenho conseguido conciliar tudo da melhor maneira, mas estou sempre tentando”, confessa Patrícia, que conta com o esposo na divisão de tarefas em casa e nos cuidados com a filha, Luna. 

“Mesmo assim, nem sempre consigo dar conta das demandas de orientação de alunos, coordenação de curso, leitura e escrita de artigos, pareceres, bancas, projetos de pesquisa”. Assim, Patrícia conta que é comum que seja acometida por um sentimento de culpa: por não conseguir dar conta de tudo como gostaria, ou por não estar o tempo todo com minha filha. “Mas tento ao máximo racionalizar e entender que sou humana, com tempo limitado, muito longe de ser um robô”, conta.

Para Patrícia, participar ativamente do dia a dia da filha traz muitos benefícios, mas também a limita em termos de tempo para as atividades acadêmicas. “Não considero que já ultrapassei esse desafio, ainda mais agora, grávida do segundo (ou segunda). Mas tenho tentado encontrar um ponto de equilíbrio”, conclui.

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