O que é e para que serve a moeda digital do Banco Central

Novo recurso deve funcionar de modo semelhante ao dinheiro físico e não como as criptomoedas, que estão na classe de ativos de investimentos
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O que é e para que serve a moeda digital do Banco Central
Segundo Albergaria, “as moedas digitais devem ter as mesmas três funções clássicas de uma moeda física: ser meio de troca, ser uma reserva de valor e ser unidade de conta, como falam os economistas, tecnicamente

O Banco Central anunciou no último dia 24 de maio que vai lançar o “real digital“, a primeira moeda digital brasileira. A autoridade financeira segue a tendência mundial de digitalização do dinheiro, a exemplo da China, primeira potência mundial a lançar sua moeda digital, e dos Estados Unidos, que prometem o dólar digital até julho de 2021.

Ainda não foram anunciados muitos detalhes e não há definição se um real da moeda digital valerá exatamente um real da convencional. Mas, já se sabe que o real digital terá foco em novas tecnologias, como a chamada IoT, internet das coisas, que é uma evolução tecnológica com o propósito de conectar mais objetos à internet.

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Por meio de nota, a instituição disse que “tem promovido discussões internas e com seus pares internacionais visando o eventual desenvolvimento” da moeda. Segundo o BC, a moeda deve “acompanhar o dinamismo da evolução tecnológica da economia brasileira”.

O coordenador dos trabalhos sobre a moeda digital do Banco Central, Fabio Araujo, explicou que a moeda digital será diferente das criptomoedas. “Os criptoativos, como o Bitcoin, não detém as características de uma moeda mas sim de um ativo. A opinião do Banco Central sobre criptoativos continua a mesma: esses são ativos arriscados, não regulados pelo Banco Central, e devem ser tratados com cautela pelo público”, disse à Agência Brasil.

O que é uma moeda digital

Matheus Albergaria, professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), explica que a moeda virtual pode ser vista como todo “dinheiro digital” criado e armazenado eletronicamente. 

É uma versão digital do dinheiro e, teoricamente, deve cumprir as funções básicas de uma moeda. Ou seja, deve funcionar como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.

“É importante diferenciar que a moeda digital proposta pelo Banco Central e por outros bancos do mundo é diferente de ativos digitais como o Bitcoin, por exemplo. Ela tem uma emissão centralizada pelo BC e não é vista como ativo financeiro, ou seja, se eu tenho hoje R$ 20 na minha carteira em formato digital, eles continuam valendo os mesmos R$ 20. Ele não valoriza e nem desvaloriza. Também são chamadas de CBDC [sigla em inglês referente a Central Bank Digital Currencies, moedas digitais emitidas pelos bancos centrais]”, explica o professor. 

As criptomoedas, como o Bitcoin, são um subgrupo das moedas digitais. Toda criptomoeda é uma moeda digital, mas nem toda moeda digital é uma criptomoeda.

Diretrizes do real digital

  • Foco em tecnologia para fomentar modelos de negócio inovadores, que possam imprimir maior eficiência a nossa economia;

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  • Previsão de uso no varejo, o que implica que o real digital deverá ser parte do cotidiano das pessoas, sendo empregado por todos que operam com contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo;
  • Quanto à operação online, o real digital deverá ser integrado aos sistemas de pagamentos atuais, permitindo operações como o pagamento em uma loja ou a transferência de recurso para outras pessoas. Já a o pagamento offline, que ainda enfrenta dificuldades tecnológicas, seria análogo a quando se faz um pagamento em real físico em um estabelecimento, ou região, que não tenha conexão com a internet;
  • O modelo de distribuição que se pretende implementar é intermediado. O BC emitirá o real em formato digital que será passado para o usuário final por meio dos participantes do sistema de pagamentos, como ocorre hoje com o real em sua forma física. Esse modelo mantém os relacionamentos existentes entre cliente e instituições do sistema de pagamentos e dá, a esses últimos, mais um instrumento para a inclusão de novos clientes no sistema;
  • A diretriz de ausência de remuneração equipara, também nessa dimensão, o real digital ao real físico. Quando você tem, por exemplo, uma nota de R$ 20 na carteira, essa nota não é remunerada, ele não mudará de valor, continuará valendo R$ 20. Do mesmo modo, quando você mantiver o valor de R$ 20 em forma digital parado na sua carteira virtual, esse valor não será alterado.

Qual a vantagem?

Segundo Albergaria, “as moedas digitais devem ter as mesmas três funções clássicas de uma moeda física: ser meio de troca, ser uma reserva de valor e ser unidade de conta, como falam os economistas, tecnicamente. A grande vantagem é que ela reduz o que os economistas chamam de tempo de transação.”

O especialista lembra que o ex-professor da Universidade de Chicago e Nobel de Economia de 1991, Ronald Coase (1910-2013), teorizou sobre a importância dos chamados “custos de transação”. 

“Esses custos de transação correspondem aos custos de utilização do mercado. Por isso, a criação de uma moeda digital vai eliminar consideravelmente custos associados à utilização de mercado”, segundo Coase. 

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Por exemplo, nos anos de 1980 e 1990, quem precisasse de dinheiro tinha que obrigatoriamente se dirigir a um banco, em dias e horários específicos, e esperar em uma fila para sacar o dinheiro, para a partir daí realizar transações. “Exemplos de custos dessa natureza são os recursos gastos com a utilização de moedas físicas, como as idas ao banco para sacar dinheiro, os custos de armazenamento e moeda, o transporte das cédulas pelas instituições bancárias, dentre outros”, diz Matheus Albergaria. 

“Acho que vai ser muito interessante em um futuro próximo acompanhar os desafios e as vantagens associadas a essas iniciativas pioneiras. Mais interessante ainda seria se alguns países criarem a moeda digital e outros continuarem utilizando moedas físicas. Do ponto de vista social, é importante avaliar as diferenças para uma melhor compreensão das vantagens e desvantagens no futuro próximo”, destaca Albergaria.

Entraves no Brasil

O professor diz que a criação de moedas digitais deve ser uma tendência para os próximos anos, mas vê entraves para sua concretização no país no momento atual. 

“Veremos cada vez mais iniciativas de empresas e bancos centrais para criar moedas digitais. Contudo, no Brasil, há desafios: a falta de educação financeira do brasileiro médio, e o acesso à internet, que não é universal. Mais do que isso, durante a pandemia, fica a dúvida de como a economia brasileira vai reagir aos efeitos adversos da Covid-19, assim como a maneira a partir da qual a instauração de uma moeda digital se daria no atual contexto econômico, que se encontra bastante fragilizado, na verdade”.

Outros desafios adicionais que o próprio Banco Central já antecipa são questões relacionadas aos dados bancários dos clientes, financiamento de atividades terroristas e ilegais, e lavagem de dinheiro. “Mas é sempre bom lembrar que há claras vantagens na criação dessa moeda digital em um país como o Brasil”.

O Banco Central informou que antes que se possa emitir o real digital, o arcabouço legal deve ser ajustado para se ter as competências necessárias e garantir a segurança jurídica das operações. “A extensão ou a natureza desses ajustes ainda não pode ser determinada, pois as balizas apresentadas não definem uma moeda digital brasileira, mas, sim, um espaço para que o BC possa dialogar com a sociedade”, pontuou o coordenador dos trabalhos sobre a moeda digital do Banco Central.

“Ainda temos bastante debate a ser feito antes que a gente estabeleça um cronograma. A gente não espera que o real digital acabe com o real físico e nem com os depósitos bancários. Vai conviver, vai ser mais uma opção ao usuário”, declarou Araujo.

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