Camila Almeida, a respeitada voz feminina no mercado de fundos imobiliários

Conheça da história da mulher que venceu preconceitos em um mercado de predominância masculina e, em cerca de 10 anos, passou de tímida estagiária a sócia-diretora de empresa
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Camila Almeida, sócia-diretora da gestora de fundo imobiliário Habitat (Foto: Divulgação)

Camila Almeida era a única mulher no meio do palco em um debate sobre fundos imobiliários no maior congresso deste mercado no país que aconteceu na semana passada. De cada lado dela, dois homens. Camila estava simplesmente no lugar certo, no centro das atenções. Seja no palco ou na plateia, não houve qualquer indício de “manterrupting” – aquela prática de homens, conscientemente ou não, não deixarem uma mulher concluir um raciocínio e interrompê-la. As palavras da engenheira de formação e, atualmente, sócia-diretora da gestora Habitat eram ouvidas com muita atenção.

Logo após o debate, Camila foi procurada por um conhecido que puxou papo em busca de minutos extras de informações preciosas. Em seguida, num breve coffee break antes da entrevista, mais abordagens e elogios. Curiosa, perguntei a ela o motivo. Camila respondeu serenamente: “É por causa do nosso fundo imobiliário. A gente tinha R$ 530 milhões e, após uma emissão recente em um momento de mercado retraído, tivemos uma demanda superpositiva e captamos R$ 200 milhões, excedendo o volume da oferta”, comemorou.

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Assim, a mulher calma e determinada de 30 anos de idade contou sua história de resiliência e sucesso num dos setores da economia em que mais predominam homens: o mercado financeiro. Mais especificamente, o segmento de fundos imobiliários.

Confira a entrevista e inspire-se:

EQL – Como você começou sua carreira?

CA – Sempre fui da matemática e queria trabalhar com números. Então, fiz engenharia com o objetivo de trabalhar em banco. Fiz estágios no HSBC e no JP Morgan. A parte do mercado financeiro aconteceu inesperadamente e eu me encantei pelo ritmo acelerado e por não ter uma rotina muito travada. É muito dinâmico. Trabalhei no banco por cinco anos, inclusive fora do país, até surgir a oportunidade de ajudar a montar a Habitat.

EQL – Curso de engenharia e mercado financeiro são segmentos com predominância masculina. Isso a deixou desconfortável de alguma maneira?

CA – Não era nem um pouco natural. No meu primeiro estágio na “mesa” do HSBC, vi que o mercado financeiro é algo pesado, com palavrões e muito barulho. Na época, eram 11 homens na sala e eu, a estagiária, supertímida até então. Eu lembro que precisava passar ligação no meio daquela gritaria. Tentava falar e ninguém me escutava. Ficava quieta, sentindo-me super fechada e pensando: “Meu Deus, o que estou fazendo aqui?”. Eu pensava que precisava fazer alguma coisa porque as pessoas achavam que eu não sabia falar, que era muda. Até um dia que fui passar uma ligação e dei um grito. Todo mundo parou, olhou e bateu palmas. No fim, o pessoal é meu amigo até hoje. Já em outro estágio, eu tive muita sorte porque trabalhava com uma banker mulher, Daniela Abrantes, que foi uma mega inspiração para mim. Mas ter duas mulheres no mesmo escritório foi algo muito atípico. Depois, fui trabalhar fora do país e voltei a ambientes com muito mais homens, mas já estava mais preparada. Hoje, eu navego tranquila.

Camila Almeida durante debate no congresso de fundos imobiliários (Foto: GRII Club)

EQL – O comportamento dos homens neste mercado tende a ser mais agressivo pelo tipo de cobrança e pressão próprios do segmento, não?

CA – Acho que para todos os sexos. Eu sou muito firme em reuniões. Mas ainda existe uma avaliação no mercado sobre quando o homem fala mais firme, de que ele está impondo respeito, e sobre quando é uma mulher, de que se trata de um “Meu Deus, se acalme”. Ainda falta virar essa chave.

EQL – Você já passou por situações em reunião de manterrupting, de ter que se impor para fazer valer a sua opinião?

CA – Já passei. Quem diz que nunca passou está sendo privilegiada ou não percebeu. Tem um pouco disso. Às vezes, é tão natural que a pessoa não percebe o que está acontecendo. Já passei por situações em que foram falar com outro diretor da empresa que precisavam de alguém mais sênior do que eu. O diretor precisou responder que não havia alguém mais sênior do que eu lá. Ainda tem o fato de eu ser nova. Nova e mulher: uma combinação que muita gente não consegue aceitar. Imagina uma menina de 28 anos decidindo se vai investir ou não no projeto do cara que tem 60 anos de idade?

EQL – Mas as pessoas não olham teu currículo para ver a tua experiência?

CA – As pessoas não param para olhar. Eu também sou despojada e, neste dia em específico, talvez eu tivesse esquecido que tinha reunião presencial e estava de calça jeans e tênis no escritório [risadas]. Então, tudo contribuiu para aquela situação. Mas eu acho que a gente tem este tipo de preocupação de ter que falar firme em uma reunião, mas cuidar para não falar tão firme a ponto de acharem que você está descompensada e fazerem aquelas piadinhas. É uma preocupação constante para gente passar a mensagem e contribuir para isso com a sensação de estar sempre um passo atrás. Sempre uma preocupação a mais para você passar a mesma mensagem que um homem que não tem este tipo de dúvida.

EQL – Você acha que isso tende a melhorar?

CA – Não tem como não melhorar. Se não melhorar, determinada indústria está fadada ao fracasso. A gente vê um movimento de empresas buscando quantidade de mulheres o que, para mim, é errado. Você põe um monte de analista recém-formada ali e a liderança estará sempre com um homem. Temos exemplos no mercado financeiro de empresas completamente lideradas por mulheres. É difícil você mudar a mentalidade de uma geração que ainda está no mercado e é muito mais velha, mas estamos vendo uma guinada. Esta nova geração que vive uma outra realidade não só no trabalho, mas também fora, quando estiver atingindo cargos de mais liderança já vai promover esta mudança. Mas demora, mas são mais de 5.000 anos de patriarcado. Não é uma mudança da noite para o dia até a gente atingir um nível de igualdade.

EQL – Como você conquistou um cargo de liderança na Habitat?

CA – Quando o sócio majoritário me chamou para montar a empresa, eu já tinha trabalhado com ele no mercado financeiro. Então, já tinha ali um reconhecimento do meu trabalho. O que ele diz é que sempre que perguntava algo no banco para as pessoas, ninguém sabia dar uma resposta muito direta e eu sempre ia a fundo e voltava com uma explicação completa. Isso é um ponto que é vantagem nossa com esta preocupação a mais de mulher que faz com q que voltemos com o negócio bem explicado e bem embasado. Naquele momento, era mais para dar um suporte. Não foi um convite para ser sócia. Tudo estava muito incipiente. Hoje, a Habitat tem uma equipe de 22 pessoas, um fundo imobiliário e R$ 700 milhões sob gestão.

EQL – Você pode falar mais sobre o fundo gerido pela Habitat sob sua responsabilidade?

CA – O nome é Habitat Recebíveis Pulverizados FII e o código é HABT11. A gente investe em CRI, que são certificados de recebíveis imobiliários – ativos de crédito que financiam empreendimentos imobiliários. Então, a gente tem uma carteira de recebíveis por trás. O foco é loteamento, financiando obras ou antecipando a carteira que serve como garantia. Atuamos no Brasil inteiro, em mais de 16 estados. São mais de 40 operações diferentes e uma carteira bem diversificada, com um nível de taxa um pouco mais alta para oferecer uma melhor rentabilidade. A gente sempre está analisando os projetos imobiliários que está financiando. Muitos são de empresas pequenas que fizeram uma incorporação ou loteamento. A gente também está com empresas maiores e mais estruturadas, mas o foco é no setor de carteiras de recebíveis imobiliários.

Camila Almeida e equipe têm R$ 700 milhões sob gestão em carteira de fundo imobiliário (Foto: GRII Club)

EQL – Uma parcela de menos de 10% dos investidores em fundos imobiliários é representada por mulheres. Essa desigualdade é algo cultural?

CA – Talvez cultural. A crença de que mulher já tem toda aquela função de casa e ainda ter mais alguma coisa pra cuidar. Eu sei que está errado falar que a gente tem a função de casa porque isso deveria ser dividido igualmente, mas não adianta fingir porque não é assim na realidade. O número reduzido de grandes nomes, influencers ou grandes investidoras também conta. Ainda tem muitos homens. Você busca alguma coisa focada e, quando vai buscar informação, na maioria das vezes vem de homens e num formato muito masculino. Você pensa um pouco sobre talvez este mercado não ser para você, que busca familiaridade. Mas a participação das mulheres vem aumentando. A gente tem vários perfis crescendo, o trabalho da EQL, além de outras iniciativas.

EQL – Quais seus projetos para o futuro?

CA – Fazer a Habitat crescer e conduzir projetos de outros fundos e entrar em diferentes setores. Mas, por ora, estou feliz onde estou e com todas as conquistas de desenvolver uma empresa.

Luciene Miranda é repórter especial na Elas Que Lucrem

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