Ana Carolina Viseu: uma representante de Harvard no Brasil

Ana Carolina Viseu: uma representante de Harvard no Brasil
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Ana Carolina Salles Leite Viseu é fundadora da Trio Capital que, há 15 anos, faz gestão de fundos de investimentos em ações (Foto: Divulgação)

Em 2002, Ana Carolina Salles Leite Viseu deixava a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, após concluir um MBA em Finanças. Mas Harvard nunca sairia dela.

Quase 20 anos depois, a ex-aluna integra um programa de ex-alunos em todo o mundo chamado Harvard Angels, responsável por levar capital para startups de tecnologia de diferentes segmentos.

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No ano que vem, Ana assume a tarefa de buscar mais integrantes para o Harvard Angels do Brasil, principalmente, mulheres. “Também lá, vemos muito menos mulheres do que homens. Hoje, somos em sete mulheres em um grupo de 100 associados”.

A EQL quis ouvir a trajetória desta mulher que dedicou a vida ao mercado financeiro, mas não abriu mão de ser mãe de três filhos. Que trocou a extenuante rotina diária de 12 horas de trabalho em instituições financeiras há 15 anos para empreender em home office quando isso nem estava na moda. Aliás, as empresas sequer cogitavam o trabalho híbrido na época.

Até trilhar o caminho do empreendedorismo, Ana enfrentou muito preconceito e ouviu comentários inimagináveis em ambiente de trabalho nos tempos de hoje. ‘Nossa, você é muito boa. Para ser perfeita, só faltava fazer xixi em pé’.

Mas Ana é otimista e sabe que a realidade está mudando. Acompanhe!

EQL – Você começou no mercado financeiro em 1995. Como foi?

Ana Carolina Viseu – Fui direto da faculdade. A partir da minha geração, essa porta de entrada que é sair da faculdade direto para o mercado financeiro é relativamente fácil – quase meio a meio para homens e mulheres – porque você está em um momento de vida em que não tem diferença sua para o homem. Você tem a mesma garra e formação, se sai muito bem na escola em relação aos homens – acho até que as meninas são mais ‘caxias’ e levam mais a sério o estudo. Então, você sai de igual para igual. O problema é que, neste intervalo entre você se formar na faculdade até se casar e virar mãe, vai abrindo um gap gigantesco de estilo de vida. É interessante porque eu cresci em um mundo onde as pessoas me falavam que eu não poderia ter tudo ao mesmo tempo. A gente ouvia: “Você vai ser aquela executiva que vai se dedicar, entrar no mercado e se provar tão boa quanto o homem, ou vai para o outro lado e casar, ter filhos e cuidar deles”. Aí, as mulheres começam a abandonar a carreira. Não é uma ou duas, são muitas. Você vê uma pirâmide com base de entrara de igual para igual e vai chegando na liderança, com o passar dos anos, com muita diferença da presença masculina. Existem muitos mitos que precisamos quebrar. Essa nova geração, como a dos meus filhos, eles não admitem, as mulheres não almejam mais ficar em casa.

EQL – Essa doutrinação como houve na nossa geração de que não há como conciliar carreira e família, você costumava ouvir de quem? Homens ou mulheres?

ACV – Interessante quando eu estava fazendo meu MBA nos Estados Unidos, em 2000, era um assunto superquente lá. A gente tinha aulas sobre como as mulheres vão conciliar carreira e trabalho. Quando eu entrei na GP Investimentos e era um lugar super procurado, eu tinha acabado de voltar do MBA. Foram várias rodadas de entrevistas e, em uma delas, um homem falou assim para mim: “Olha, você é casada, tem um filho e seu marido é um advogado, como você vai receber os jantares de negócios? Você vai ter que se dedicar à casa a ter uma estrutura para seu marido se desenvolver. Não vai conseguir gastar muito tempo com a gente aqui”. Lembro que, ao ouvir isso, eu entrei em choque porque não fui criada assim. Meu pai falou para suas duas filhas e um filho: “O mundo é igual e vocês vão ter as mesmas oportunidades e vão ser o que vocês quiserem”. Então, me senti tão ofendida com a abordagem do homem e respondi: “Acabei de fazer um MBA e nem fui criada para dar infraestrutura para meu marido receber os negócios. Eu quero que meu marido cuidando dessa infraestrutura em casa para eu receber os meus parceiros de negócios. Eu não enxergo dessa maneira e ele é o primeiro a me apoiar”. Em todos os lugares, há este debate. Da escola ao escritório. Os homens vão fazer de tudo para não deixar as mulheres subirem. Para eles, é muito mais confortável as mulheres em casa. Quando eu era trader no Banco Matrix, e eu fazia isso muito bem porque me dedicava muito, era a única mulher na mesa de operações. E, um dia, meu chefe falou assim para mim: “Nossa, você é muito boa, para ser perfeita só faltava fazer xixi em pé”. É como nadar contra uma corrente o tempo inteiro.

Ana Carolina Viseu durante o MBA que fez em Harvard: “Um homem chega a um cargo de liderança sem um MBA, mas a mulher, hoje em dia, quando tem um MBA, se coloca de igual para igual” (Foto: Divulgação)

EQL – E o que você vê atualmente na diferença entre gêneros no ambiente de trabalho?

Eu acho que, em 20 anos, mudou bastante pelo que a gente tem visto hoje em todos os bancos. Eu li que o banco Itaú, por exemplo, tem mulheres ocupando mais de 50% dos 90 mil postos de trabalho. Agora, o grande desafio é realmente ver essas mulheres em cargos de liderança. E aí, as próprias mulheres têm que se ‘empoderar’ porque a gente tem medo de colocar a nossa opinião. Às vezes, se você é muito agressiva, acha que vai sofrer preconceito porque existe o rótulo de que mulher é mais sensível. As mulheres têm que aceitar cargos de liderança sem medo.

EQL – Queria saber um pouco sobre sua experiência em Harvard.

ACV – No ano que vem, serão 20 anos de formada. No mundo de hoje, com a tecnologia e a velocidade de transformação, ainda vale a pena parar dois anos para fazer um MBA? Eu acho que vale muito. É uma experiência realmente transformadora em todos os planos, não só no acadêmico. Quando você começa um MBA, já tem uns cinco anos de experiência profissional e soma isso ao convívio com pessoas de países, culturas e setores diferentes. O debate é tão rico que você consegue pensar em estratégias muito facilmente depois de fazer um MBA. Provavelmente, um homem chega a um cargo de liderança sem um MBA, mas a mulher, hoje em dia, quando tem um MBA, se coloca de igual para igual. Eu sempre recomendo.

EQL – Você faz parte de um comitê de ex-alunos de Harvard para investimentos, a Harvard Angels. Como é esta experiência?

ACV – É uma instituição que existe no mundo inteiro e não tem fins lucrativos. Os ex-alunos de Harvard se juntam – não só quem fez o MBA, mas também outros programas executivos – com o objetivo de juntar todas essas pessoas que estão no mercado e querem fazer investimentos em startups de tecnologia. E tem participantes de várias áreas. Eu conheço mais o mercado financeiro, mas tem gente do mercado de saúde, construção entre outras expertises no mesmo grupo para fazer essa troca.  Mas, também lá, vemos muito menos mulheres do que homens. Hoje, somos em sete mulheres em um grupo de 100 associados. Ainda há muita diferença. Acabei de assumir o cargo de engajamento dos associados para trazer ex-alunas, principalmente, de MBA, e engrossar esse time de mulheres. É a nossa missão para 2022. O mercado está pedindo os chamados soft skills que são as habilidades do futuro: você ter empatia, tolerância, consenso através do viés da diversidade. Isso está muito presente e, por isso, temos que trazer mais mulheres.

EQL – Você acha que o mercado hoje permite que as mulheres sejam mais femininas? Dependendo do segmento, havia uma pressão para a mulher se masculinizar para conseguir se impor, ser ouvida e respeitada em meios predominantemente masculinos. Você acha que o mundo evoluiu neste sentido? Até para que alguns homens aprendam com este convívio as chamadas soft skills?

ACV – Não é simples, mas está mudando. Essas hard skills podem ser encontradas na internet. É a parte técnica. A parte da humanização que a mulher traz não é simples. Então, acho que a mulher vai ser cada vez mais valorizada por ser mais humanizada e ter os soft skills que são as habilidades do futuro.

EQL – Fale um pouco sobre a sua atividade atual como gestora na Trio Capital.

ACV – Sou gestora de um fundo de ações. Então, a gente analisa empresas de capital aberto para investir e, do outro lado do espectro, no Harvard Angels, eu olho empresas que estão começando.

Ana Carolina Viseu e seus filhos Felipe (19), Eduardo (16) e Luísa (13): “Eu comecei a Trio Capital justamente porque achei que não estava conseguindo conciliar a minha vida pessoal como mãe de três filhos e estar em uma instituição que tinha muita rigidez nos horários, muitas reuniões via Facetime” (Foto: Divulgação)

EQL – Você é fundadora da Trio Capital e são 15 anos nesta gestão. Como foi esta trajetória?

ACV – Eu comecei a Trio Capital justamente porque achei que não estava conseguindo conciliar a minha vida pessoal como mãe de três filhos e estar em uma instituição que tinha muita rigidez nos horários, muitas reuniões via Facetime. Como eu tinha já uma carteira de clientes, resolvi montar a gestora. Os clientes me apoiaram e me deram o seed money – primeiro aporte recebido por uma empresa – e comecei a fazer essa gestão de investimentos para esses clientes que estão comigo até hoje. Foi um problema que surgiu e virou uma oportunidade. E a pandemia está trazendo muita reflexão sobre os modelos de expediente e modelo híbrido de trabalho, o que era inquestionável antes quando eu fiz essa transição. Por isso, acho que a mulher vai se empoderar ainda mais porque vai ter a oportunidade de mostrar todo seu potencial e ainda assim ter os momentos de flexibilização e poder cuidar de seus filhos. Então, a Trio nasceu dessa necessidade. Eu não conseguia ficar no banco das 8h às 20h enquanto meus filhos estavam em casa. Eu me sentia muito frustrada como mãe. Atualmente, a Tri Capital está maior, tem novos clientes e várias colaboradoras que trabalham de casa. Elas entregam tudo o que precisam. Eu não tenho nenhum preconceito.

EQL – É possível falar sobre o capital que está sob gestão na Trio?

ACV – Hoje, a gente tem uma parte que está no Brasil de R$ 100 milhões e outra parte que está offshore – em outros países – de US$ 100 milhões.

EQL – No caso, o fundo é de ações que são ativos muitos voláteis. Como vocês administram isso com todas as atividades de casa em home office?

ACV – A gente faz alocação em vários ativos diferentes do ponto de vista do cliente. Eu penso a carteira e o portfólio de investimento dele como um todo. A gente faz uma diversificação com renda fixa, renda variável, diversificação regional. Mas, na questão das ações, o nosso olhar é mais fundamentalista. Não fico comprando e vendendo ação todo dia e não sou uma trader que pega movimentos rápidos e pontuais. A gente tem uma visão de longo prazo e o trabalho dos analistas e das analistas é muito mais de avaliar o modelo de negócio em um horizonte de três, quatro ou cinco anos. A gente tende a manter as posições por um prazo mais longo.

EQL – Ana, quais são seus projetos para o ano que vem?

ACV – Para 2022, eu vou estar bem envolvida com o Harvard Angels com o objetivo de trazer mais mulheres e homens para se associarem. E outro plano muito forte meu é ser conselheira administrativa de companhia de capital aberto. Para isso, eu estou me preparando com uma formação na Saint Paul Business School.

Luciene Miranda é repórter especial e colunista na Elas Que Lucrem

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