Infidelidade financeira: como falar de dinheiro no casamento

Tema é um dos principais motivos de divórcio no Brasil - e continua sendo tabu para a maioria dos casais
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Mikhail Nilov/Pexels
Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade do Kansas em 2016, o dinheiro é o motivador de grande parte dos divórcios (Foto: Mikhail Nilov/Pexels)

“Até que a morte nos separe” é uma afirmação ambígua demais quando se trata de casamento. A frase diz respeito apenas à morte física? Ou pode-se considerar o padecimento do amor ou da confiança? Para 37.083 casais entre janeiro e junho de 2021, a morte repentina não foi a grande responsável pela separação. Esse foi, na realidade, o número de divórcios assinados no período. Um aumento de 24% em relação ao primeiro semestre do ano passado, de acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil. 

No quesito relacionamento, a morte não é o maior dos riscos. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade do Kansas em 2016, o dinheiro é o motivador de grande parte dos divórcios – pelo menos nos Estados Unidos, onde o estudo foi feito. No Brasil, no entanto, a análise feita pelo SPC Brasil mostra que o cenário não é muito diferente: cerca de 46% dos casais brasileiros entrevistados em 2018 revelaram brigas frequentes por questões financeiras. 

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Cerca de 51% desses casais culpam seus cônjuges pelas dificuldades financeiras dentro de casa. Ironicamente, embora a questão seja um problema, 15% deles acham que assuntos financeiros não devem ser pauta em uma relação. “Falar de dinheiro é se expor. Expor seus limites e sua vulnerabilidade, por isso é um tema tão delicado”, explica Stella Azulay, educadora parental com especialização em análise de perfil e neurociência comportamental. “Esse desconforto é gerado porque o dinheiro também acaba sendo motivo de julgamento. Além disso, existe o medo de dividir e compartilhar, o que gera outro tabu importante: a confiança – ou a falta dela.” 

No entanto, embora haja uma explicação psicológica para esse comportamento, a vida a dois não segue de forma saudável sem que a barreira financeira seja quebrada. “O casal não consegue construir um projeto de vida sólido porque vai vivendo o agora, não faz um planejamento e, de repente, não sabe a direção que está seguindo”, completa Stella. Mais do que isso, a falta de conversa pode gerar a  infidelidade financeira, que é quando um parceiro esconde gastos ou patrimônios do outro. Essa atitude, como é de se imaginar, acaba com qualquer vestígio de confiança entre o casal. 

Para Ale Boiani, gestora e fundadora do 360iGroup, embora existam casais que conseguem segregar suas finanças de forma harmoniosa, muitas pessoas veem a falta de comunicação financeira como sinal de descomprometimento no relacionamento. Outro impacto negativo é o desconforto que um dos parceiros pode sentir com os gastos do outro caso estejam passando por alguma dificuldade. “Não conversar abertamente sobre isso pode trazer desconforto para as partes, além de prejudicar a autoestima. Assim como mentir sobre quanto ganha ou esconder algum patrimônio”, afirma. 

Quando o casal tem filhos, essa situação pode virar uma bola de neve maior ainda. “Muitos pais perdem o controle dos gastos com as crianças. Vão se endividando para oferecer o que acham melhor e, quando percebem, a família está quebrada em todos os sentidos”, destaca. “Em um possível divórcio, a falta de transparência se transforma num verdadeiro show de horror que muitas vezes envolve os filhos. Ninguém ganha com isso.” Levando tudo isso em conta, não há armadilha maior do que afastar o assunto “finanças” da relação, segundo a especialista. Além disso, as consequências da falta de controle e diálogo podem afetar a infância e o futuro dos filhos, que não terão em quem se espelhar quando chegar a vez deles. “Eles terão apenas referências superficiais de uma parte muito importante da vida em matrimônio”, destaca Ale.

COMO FALAR DE DINHEIRO DENTRO DE CASA

O caminho para quebrar essa barreira, no entanto, não precisa ser tão tortuoso. Um casal não precisa marcar longas e ineficientes reuniões para falar sobre o assunto de forma pesada, por exemplo. Muitas vezes, basta compartilhar algum aprendizado adquirido durante a semana sobre o assunto. “Acredito que uma boa forma de se iniciar o tema seja assistindo vídeos no YouTube, lendo e aprendendo juntos. Isso pode abrir, aos poucos, a mente para se falar do tema com mais naturalidade”, indica Stella. 

Apesar disso, na prática, é importante delimitar alguns tópicos que não podem passar em branco. Os pontos fortes e fracos de cada um em relação às finanças, por exemplo, devem vir à tona para que o casal consiga formar uma dupla de apoio – e não de rivalidade. “Sempre tem um que é mais desorganizado e gasta mais, ficando com vergonha por isso”, pontua a educadora financeira da negociadora Acordo Certo, Bruna Alleman. Até fatores como a criação familiar tendem a justificar a maior afinidade de alguns – e a negação de outros – para o tema. 

Em seguida, para a especialista, os companheiros devem compartilhar seus objetivos e sonhos de vida. Afinal, o futuro interfere – e muito – em como o dinheiro será gasto no presente. “Definam metas em comum e busquem alternativas”, diz Bruna. É nesse momento também que os medos em relação a gastos e crescimento profissional devem ser postos em jogo, auxiliando no momento em que a dupla for dividir as responsabilidades. Apesar dessa lógica conjunta, como explica a educadora, é saudável que ambos mantenham suas conquistas individuais, desde que elas não impactem negativamente na vida do outro. 

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Por outro lado, Ale Boiani destaca que os pares devem ter atenção para não transformar a comunicação em uma forma de violência velada. Culpas e acusações, por exemplo, devem sair da rotina, independentemente da situação. “Evite apontar ou rotular algum gasto como futilidade”, diz a CEO. Nem sempre o que é desnecessário para um é também para o parceiro, e vice-versa, completa a executiva. 

Outro obstáculo comum, segundo as especialistas, é quando apenas um dos parceiros tem renda ou recebe muito mais do que a outra. “As pessoas tendem a se diminuir, se inferiorizar e causar em si próprias um determinado constrangimento”, afirma Bruna. “Também tende a existir um sentimento negativo de submissão ou controle exacerbado”, completa Ale. Nesse caso, nada de se culpar ou abusar da autoridade – as divisões da casa devem se manter proporcionais aos respectivos valores. Além disso, os dois lados possuem direito de reservar uma quantia em seu próprio benefício, luxo e prazer. 

Por fim, a dificuldade em falar e gerenciar o dinheiro com o companheiro pode ser um sinal doloroso de que algo não vai bem. Além da falta de cumplicidade, muitas vezes o tema expõe expectativas diferentes – e muitas vezes inconciliáveis – do casal em relação ao futuro. “Se os dois não conseguem ter esse companheirismo e essa honestidade, as finanças são a última coisa com a qual eles precisam se preocupar”, aponta a educadora financeira.

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