Entenda por que a inflação é sentida de maneira diferente entre pobres e ricos

Orçamento das famílias e proporção dos gastos com bens e serviços são alguns dos fatores que explicam essa desigualdade
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Em 2020, os preços dos alimentos foram os que mais subiram (Foto: Pilar Olivares/Reuters)

Você provavelmente já deve ter ouvido falar em inflação, o aumento dos preços de vários produtos e serviços, principalmente nos últimos anos. Em 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a inflação oficial do Brasil – fechou o ano em 10,06%, maior taxa acumulada desde 2015, quando registrou 10,67%, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas, apesar da porcentagem que representa a inflação ser uma só, não quer dizer que todos os brasileiros sintam seu efeito da mesma forma. As famílias pobres e de renda média, por exemplo, foram as mais atingidas pelo aumento dos preços em 2021, segundo um estudo divulgado em janeiro deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda mostrou que o incremento de preço chegou a 10,4% para as famílias de renda média-baixa (que ganham entre R$ 2.702,88 e R$ 4.506,46) e a 10,26% naquelas classificadas como renda média (de R$ 4.506,47 a R$ 8.956,26). 

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Para a renda muito baixa e baixa (menos de R$ 2.702,88), o indicador ficou em 10,10% e 10,08%, respectivamente. Já nas faixas de renda média-alta e alta (acima de R$ 8.956,25), a inflação foi menor e ficou em 9,66% e 9,54% no acumulado do ano.

O indicador divide as famílias brasileiras em seis faixas de renda e avalia como a inflação afeta cada um desses grupos. A pesquisadora Maria Andreia Lameiras, autora da ferramenta, explica que para as famílias de renda mais baixa, a maior pressão inflacionária em 2021 veio do grupo habitação, impactado pelos reajustes de 21,2% das tarifas de energia elétrica e de 37% do gás de botijão. 

Para o segmento de renda mais alta, o foco das altas foi nos transportes, refletindo, sobretudo, o aumento de 47,5% da gasolina e de 62,2% do etanol. Além da alta destes dois grupos, ela destaca que, embora tenha ocorrido uma melhora no desempenho dos alimentos no domicílio em 2021, este segmento ainda provocou impactos significativos sobre a inflação, especialmente para as camadas de renda mais baixa.

Já em 2020, os preços dos alimentos foram os que mais subiram. Enquanto a inflação daquele ano ficou em 4,52%, o custo de produtos alimentícios subiu 14%. 

Variação é sentida de forma diferente

(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, diz que nem todas as pessoas sentem esse aumento da mesma forma e reforça que a explicação para essa diferença no peso da inflação para famílias ricas e pobres está na comparação proporcional da renda e dos gastos.

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“Independentemente do comportamento da inflação, as famílias que ganham menos costumam destinar mais da sua renda mensal às suas necessidades, principalmente alimentação, do que as famílias de classes mais altas, que costumam guardar dinheiro e investir, seja no mercado financeiro, em imóveis ou outros bens. Isso acontece porque proporcionalmente esse último grupo ganha mais dinheiro e gasta menos”, explica. 

Rachel avalia que durante a pandemia da Covid-19, a inflação foi puxada pelos bens. “Tivemos uma troca de consumo de serviços por bens. Pessoas que não podiam mais gastar com transporte, lazer e restaurantes, por exemplo, deixaram de sair de casa e passaram a comprar bens, como os alimentos.”

Ela destaca que isso não quer dizer que sempre os mais pobres serão mais penalizados. “Se os serviços subirem muito, as classes mais altas vão sentir mais esse aumento, uma vez que elas consomem mais esse segmento na comparação proporcional às outras camadas da sociedade.”

Fernanda Della Monica, sócia e head comercial da 3A Investimentos, explica que, basicamente, a alta da inflação faz o nosso dinheiro ficar mais caro. “Na prática, perdemos poder de compra, então, se uma pessoa tem menos educação financeira e não tem acesso ao mercado financeiro, por exemplo, não saberá como guardar dinheiro de forma que consiga se proteger da inflação. Um outro exemplo é o café que a gente toma todos os dias e foi uma das maiores altas de 2021, segundo o IBGE. Se uma pessoa consome bastante café, consequentemente estará sendo afetada por conta do aumento de preço.”

A especialista em investimentos também acredita que há uma maior penalização de um grupo específico, e isso tem relação com a renda, com o momento de vida de cada um e com a falta de instrução financeira. “A classe menos favorecida sofre muito mais porque, na ponta final, quando se consome produtos como arroz, feijão ou carne, tudo está muito mais caro. Mas o salário pode não ter sido reajustado naquele ano. Ou seja, ela continuou ganhando o mesmo valor, mas acabou gastando muito mais para poder consumir. Então, quem ganha menos dinheiro e não sabe como aplicar, vai sofrer mais com a inflação.”

Entenda por que as mulheres conseguem melhor rentabilidade nos investimentos do que os homens

A economista e CEO na DS Estratégias e Inteligência Financeira Dirlene Silva concorda que o encarecimento é sentido de forma diferente pelas famílias, dependendo da proporção do orçamento que elas destinam para as compras. Ela acrescenta que essa é uma realidade histórica no país.

“A inflação atinge de forma mais cruel os pobres. Isso acontece porque as causas são muitas e históricas. O Brasil é o segundo país que mais concentra renda no mundo, perdendo apenas para o Catar. Durante a pandemia da Covid-19, a alta da inflação reduziu o poder de compra dos pobres, os salários ficaram defasados, o desemprego cresceu e muitas empresas faliram. Um aumento de R$ 5, por exemplo, vai fazer mais diferença no bolso de quem tem menos dinheiro”, explica a especialista. 

Mulheres também podem sentir mais o aumento dos preços

Dirlene Silva lembra também que as mulheres acabam sendo mais penalizadas com a alta dos preços, já que costumam pagar mais caro por bens e serviços. “Lamentavelmente, as mulheres estudam mais, trabalham por mais tempo, mas ainda recebem 30% menos do que os homens. A carga tributária dos produtos femininos são, em média, 40% maiores do que a dos masculinos. Essa diferença começa na infância. As roupas e os brinquedos das meninas são mais caros do que os dos meninos. Um outro exemplo são os produtos financeiros, como o crédito bancário, que também são oferecidos com taxas de juros mais altas às mulheres, embora elas sejam minoria nos pedidos de falência e inadimplência.”

Rachel acrescenta que a maioria das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres de baixa renda e, por isso, elas podem sentir mais a inflação. “Muitas vezes elas são mães solteiras, que precisam gastar mais com produtos de higiene, alimentos e bebidas, coisas que acabam tendo um peso maior no orçamento.”

Um exemplo clássico é o dos absorventes. Dados do IBGE divulgados em 2021 mostram que a inflação acumulada sobre este produto foi maior para as famílias de baixa renda nos últimos anos do que para quem tem melhor situação financeira. Desde 1999, início da série histórica, a inflação medida pelo IPCA sobre o “absorvente higiênico” foi de 97,8%.

Inflação no Brasil

Por aqui, a meta para a inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e cabe ao Banco Central (BC) adotar as medidas necessárias para alcançá-la.

O IPCA é calculado mensalmente pelo IBGE e o objetivo é medir a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pela população. O resultado mostra se os preços aumentaram ou diminuíram de um mês para o outro e de quanto foi essa oscilação.

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O cálculo verifica o que a população consome e quanto do rendimento familiar é gasto em cada produto: arroz, feijão, passagem de ônibus, material escolar, médico, cinema, entre outras necessidades. O índice leva em conta não apenas a variação de preço de cada item, mas também o peso que ele tem no orçamento das famílias brasileiras.

Na prática, o IBGE faz um levantamento mensal em 13 áreas urbanas do Brasil. Depois, os preços são comparados com os valores registrados no mês anterior, o que resulta em um único valor que reflete a variação geral de preços ao consumidor no período.

Para medir a inflação, existem vários índices que acompanham essas oscilações de preços. Com esses números, é possível entender as tendências do mercado e as causas da inflação em cada período analisado.

O que esperar para 2022

De acordo com o Banco Central, a projeção dos analistas para a inflação deste ano subiu de 5,09% para 5,15%. A informação consta do relatório Focus, divulgado no último dia 24 de janeiro. Mas a meta definida pelo CMN é de 3,5% e será considerada formalmente cumprida se ficar entre 2% e 5%.

Fernanda Della Monica pontua que, hoje, existe uma ressaca inflacionária. “Os preços subiram e esse movimento econômico da inflação tem a ver não só com o período de alta e de queda de juros, mas também com as incertezas políticas e econômicas. O que mais chama atenção é o mercado externo. Se o Federal Reserve [o banco central norte-americano] resolver cumprir a meta de juros aumentando-o lá fora, isso acaba atraindo o dólar para lá e, consequentemente, a depreciação do real frente à moeda americana, o que reflete em uma maior inflação por aqui.” 

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Ela diz que ainda é muito cedo para cravar uma queda acentuada da inflação. “Acho que precisamos realmente viver este ano, que será turbulento por causa das eleições e da volatilidade que o pleito causa nos mercados. Precisamos ficar atentos e tentar enxergar uma melhor maneira de alocar os recursos e de tomar decisões.”

A economista Rachel avalia que a tendência é que a inflação comece a ceder, mas isso não quer dizer necessariamente que os preços vão cair – podem ter uma alta mais lenta. “Alguns desses movimentos causados pela pandemia, como a falta de insumos e o fechamento de indústrias, tendem a ser normalizados ao longo deste ano. As commodities devem estabilizar no mercado internacional e a política monetária, com o Banco Central subindo os juros e tornando o dinheiro mais caro e desestimulando a atividade econômica, pode tirar a pressão sobre os preços. A nossa projeção é que a inflação caia para 5,2% em 2022.”

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