Lygia Pimentel: a empresária que leva o mercado financeiro até o campo

Ela nasceu no campo, passou por casas como a XP, mas decidiu voltar às origens para uma revolução na pecuária brasileira pela produtividade com instrumentos financeiros. Mãe de quatro filhos, ela não dispensa uma boa briga em defesa do agronegócio
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Lygia Pimentel: “A gente quer alcançar, pelo menos, 5% dos produtores que têm internet no Brasil” (Foto: Divulgação)

O meio rural torna pessoas fortes. Lygia Pimentel é uma prova disso. Ela vem de família tradicionalmente ligada ao campo e, mesmo passando pelo mercado financeiro no início da carreira em um momento de efervescência do setor – e tendo chance de ser sócia da XP nos primeiros anos da instituição – decidiu voltar à fazenda.

Lygia montou o próprio escritório de análise e consultoria para produtores rurais e, com esta escolha, conseguiu conciliar o convívio com a família que construiu com o marido. E que família. São quatro filhos, por enquanto. “Talvez a gente faça o quinto. Vamos ver”.

Mas, pelas causas que considera justas, Lygia pode acrescentar à doçura de mãe e mulher um outro componente de sua personalidade: a coragem do enfrentamento. Recentemente, comprou briga com o Bradesco nas redes sociais após uma campanha do banco considerada nociva à pecuária do país.

Lygia ‘causou’, mas quer muito mais que polêmicas. A meta da empresária é bem clara: transformar seu escritório de análises, o Agrifatto, no maior do Brasil.

Acompanhe a entrevista.

Lygia Pimentel: “Ficava o dia inteiro correndo atrás do cavalo. Não sabia ‘fechar’ o cavalo direito. Ficávamos feito loucos e ele não vinha. Essa foi minha infância em Bebedouro (interior de São Paulo)” (Foto: Divulgação)

Elas Que Lucrem: Você já me contou que seu trabalho é a sequência de uma tradição de família do campo. O que marcou sua infância?

Lygia Pimentel: Eu fui criada na fazenda. Na verdade, a gente morava em uma cidade pequena que ficava a 8 km da fazenda. Eu ia pedalando escondida. A gente gostava de nadar no açude. Minha mãe não gostava que eu fosse sozinha porque tinha oito anos. Ela tinha medo porque havia cobra sucuri lá. Ficava o dia inteiro correndo atrás do cavalo. Não sabia ‘fechar’ o cavalo direito. Ficávamos feito loucos e ele não vinha. Essa foi minha infância em Bebedouro. A família da minha mãe é de imigrantes italianos e vieram para trabalhar na região de Ribeirão Preto [interior de São Paulo]. Depois, receberam uma terra do patrão e ali ficaram para fazer uma fazenda com um terreirão de café. É uma lembrança de infância muito poética. Meu avô por parte de pai também foi um grande pioneiro. Comprou umas caixas de madeira e começou a comprar laranjas para revender no mercadão de São Paulo. Juntou um pouco de dinheiro e aproveitou uma política do governo militar de baixar a taxa de juros para quem quisesse abrir novas áreas no Cerrado. Ele comprou terras muito baratas no Mato Grosso do Sul e lá estamos até hoje. Minha mãe é veterinária e meu pai agrônomo e me formei em medicina veterinária por influência total da minha mãe. Mas, no final da faculdade, eu gostava muito de ficar no computador.

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EQL: Como foi o início da carreira?

LP: Eu gostava muito da clínica de grandes animais, mas alguma coisa me chamava para o escritório. Coincidentemente, eu sou amiga pessoal do filho do Scot [Alcides Scot, referência em consultoria pecuária] e ele me falou para ir conversar com o pai dele. Ainda nem tinha meu diploma. Fui e deu certo. Me apaixonei por mercado pecuário. Tive muita facilidade para entender esse universo. Depois de três anos, acabei me destacando lá, e me chamaram para trabalhar na área de análise de commodities agrícolas da XP Investimentos, em 2009. Eu não sabia nada de mercado financeiro. Não sabia nem como abrir conta em uma corretora. Foi um grande desafio. Eles estavam em uma fase muito legal da empresa, quando estavam virando a chave para serem algo interessante. Minha mesa ficava de frente para a mesa do Benchimol (Guilherme Benchimol, fundador e presidente do conselho administrativo da XP Inc.). A sala dele não tinha nada, apenas uma mesa para ele conversar com as pessoas. Fui para o Rio e o Tito (Tito Gusmão, fundador e CEO da Warren) desenhou para mim no papel o mercado de opções. Foi uma época em que todos estavam muito acessíveis. Uma grande benção e uma oportunidade de conhecer essas pessoas que, hoje, são tigres do mercado. Na época, fui assaltada no Rio e não tinha dinheiro para estacionar e acabei comprando uma scooter do Benchimol.

Lygia Pimentel: “A gente tem um dos códigos florestais mais complexos e longos do mundo. Nós temos a maior reserva de mata nativa do mundo. A gente recebe muitas pressões que são injustificadas” (Foto: Divulgação)

EQL: E a Agrifatto?

LP: Depois de dois anos, eu tive um problema pessoal, meu pai estava doente, e decidi que não poderia mais ficar longe da família. Foi uma decisão muito difícil porque eu tinha até uma oferta de sociedade naquela época. E era tudo muito dinâmico, apesar de dois anos ser pouco, a empresa estava crescendo muito rápido. Tive que voltar e, quando retornei, ainda recebia contatos. Então, decidi abrir a Agrifatto, em 2011. Foi trabalho de tijolinho, desde fingir que existia uma secretária que tinha um e-mail e todo mundo conversava com ela e era eu mesma que respondia, até mandar notas talonadas ainda pelo correio e ir para o atendimento do cliente. E hoje, a gente está com uma equipe que, entre terceirizados diretos, tem quase 20 pessoas. Isso trouxe um diferencial muito grande para a gente porque, atualmente, o mercado financeiro está começando a se integrar de uma maneira mais dinâmica com o mercado agro através de produtos de financiamento ou do mercado futuro e da tecnologia. Só que o mercado financeiro não faz ideia de como funciona o agronegócio. Tem uma imagem muito distorcida do que é o agronegócio que, por sua vez, tem dificuldade de acessar o mercado financeiro por algumas coisas que aconteceram erradas no passado. A gente faz essa ponte. É uma missão muito feliz.

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EQL: Qual o alcance da empresa?

LP:  A gente tem clientes em, praticamente, todos os estados. São cerca de 48 clientes de consultoria e nós temos os clientes que compram as informações de conteúdo que são mais de 400. A gente está fazendo uma virada de chave agora para tornar essa tecnologia acessível a 90% dos produtores do Brasil que são pequenos e médios. É o cara que está no semiárido da Bahia ou no agreste sergipano e não faz ideia do que as pessoas do mercado estão falando. Isso é uma tragédia social. Ninguém coloca isso na conta. Então, é a hora de fazer produtos de baixo valor agregado para os pequenos produtores. A gente foi para a área educacional com cursos baratos e para a área de conteúdo sobre gestão comercial da pecuária extremamente didático. Esse é o grande desafio que a gente tem. O cara sai de três ou cinco arrobas por hectare ao ano e passa a produzir 12. Isso, para ele, é um baita de um salto. Se continuasse no mesmo ritmo, em cinco ou dez anos, com certeza, ele estaria fora do mercado.

Lygia Pimentel: “O mercado financeiro não faz ideia de como funciona o agronegócio. Tem uma imagem muito distorcida do que é o agronegócio que, por sua vez, tem dificuldade de acessar o mercado financeiro” (Foto: Divulgação)

EQL: Houve uma polêmica recente no Linkedin em que você se posicionou de maneira muito firme contra o Bradesco em relação a uma mídia do banco sobre sustentabilidade. Qual foi o equívoco?

LP: O equívoco é deles não segmentarem o próprio público porque o Bradesco é o maior banco privado que financia o agronegócio no Brasil. Eu tentei não bater no Bradesco, mas falar ‘cara, chama quem entende do assunto’. Obviamente, você nunca viu um cancelamento tão grande assim contra pautas de sustentabilidade no Brasil. Teve a da Heineken. O Bradesco tem agências espalhadas por todo o interior do país que é agrícola, agropecuário. A Heineken, não. Bateram neles nas redes sociais e tudo continua. Agora, no Bradesco, o cara vai lá na porta dele e fala: ‘Olha, o que você está falando aí se o meu dinheiro é bom para você ganhar com os juros que me cobra, mas o meu produto não é bom o suficiente para o teu cliente consumir? Como assim?’ É quase como um paradigma. Não combinou. O erro é chamar gente da cidade, urbanos, que não conhecem a produção, nunca pisaram em uma fazenda, para falar mal do agronegócio. Por quê? Temos, com certeza, muito o que melhorar dentro do agro. Tem gente que faz coisa errada? Tem. Mas tem lei para punir.

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A gente tem um dos códigos florestais mais complexos e longos do mundo. Nós temos a maior reserva de mata nativa do mundo. A gente recebe muitas pressões que são injustificadas. Especificamente, esta peça de publicidade era para promover o app do Bradesco que tem uma calculadora de emissões de carbono. E aí se associou as emissões de carbono à pecuária. ‘Ah, mas emite mesmo, temos o tal do arroto do boi’. Tem. Mas pecuária no Brasil é pecuária de pasto. Pasto faz fotossíntese para existir e precisa sequestrar carbono da atmosfera. A gente tem que falar de balanço. ‘Ah, mas a pecuária emite mais do que absorve’. Sim, mas aí é outra conversa. Pastagens bem manejadas – e temos estudos que comprovam isso –  sequestram tanto carbono quanto florestas. Pastagens bem manejadas que produzem muita biomassa. E, nesse caso, a gente tem um ciclo diferentemente do combustível fóssil. Você tem lá o petróleo, pega aquele super carbono concentrado, transforma em combustível e lança para a atmosfera e são bilhões de anos para você resgatar novamente aquele carbono e formar novos poços de petróleo. Os grandes centros urbanos, que consomem energia fóssil, só emitem para a atmosfera. A pecuária não. Ela emite e absorve. Principalmente, a pecuária brasileira que é muito focada em pastagens por causa de produtividade. ‘Ah, mas é por motivos econômicos’. Sim, você já viu alguém mexer a bunda se não for por motivo econômico, na prática? A pecuária é muito menos culpada que os centros urbanos. Será que essas pessoas andam de carro? Andam de Uber?

Lygia Pimentel: “O erro é chamar gente da cidade, urbanos, que não conhecem a produção, nunca pisaram em uma fazenda, para falar mal do agronegócio” (Foto: Divulgação)

EQL: Aproveitando o gancho da perseguição, o que você acha da política do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, contra os frigoríficos brasileiros que atuam lá, as companhias ‘Big Beefs’?

LP: A política do Biden é meio ‘Kirchnerista’. O preço da carne está alto por uma questão de oferta global. Isso é cíclico. Tem horas em que o preço precisa subir para remunerar o produtor e ele aumentar a produtividade e a oferta. Se você quiser cortar esse ciclo pela metade, tira o estímulo do cara para produzir. Ele reduz a produção. Então, o preço está subindo, você impede de subir por um período, desestimula o cara a produzir e, em um segundo momento, o preço sobe mais ainda. Eu me questiono. Essas intervenções estatais na produção não têm um histórico de serem bem-sucedidas. ´

EQL: O norte-americano é super carnívoro. É do churrasco, do barbecue.

LP: É uma política populista. Você fala que vai resolver, mas não resolve nada. Só piora. Você posterga. Talvez jogue no colo do próximo. É o que aconteceu na Argentina que era o maior consumidor per capita [por pessoa] de carne bovina do planeta e aquilo foi destruído. Absolutamente destruído. A pecuária nacional sucumbiu à impossibilidade de exportar carne e ver seu rebanho ser remunerado. Porque, normalmente, a alta da carne vem após uma alta prévia dos custos. Os custos estão subindo absurdamente. Custos de frete, combustível, alimentação. Você vai ver também que milho e soja explodiram.

EQL: Isso inclui Brasil? Essa dificuldade de acesso à proteína animal?

LP: Sim. A proteína animal vai se tornando mais cara e menos acessível. Mais valorizada. A gente está na fase de alta do ciclo pecuário. Sobem os custos, depois o boi precisa subir para compensar esses custos. E a gente teve, lá atrás, abate de fêmeas e, hoje, a gente tem uma oferta menor. Por que abateram fêmeas? Porque o mercado estava ruim. E o Brasil é um dos maiores players globais. Então, quando falta carne no Brasil, falta carne globalmente e a gente vê os preços lá fora terem uma correlação. O preço sobe em todo lugar.

Lygia Pimentel: “A gente quer alcançar, pelo menos, 5% dos produtores que têm internet no Brasil. Esse é o nosso objetivo” (Foto:Divulgação)

EQL: O dólar a quase R$ 6, o euro também nas alturas, como você considera a política de segurança alimentar aqui no Brasil porque é extremamente vantajoso para o produtor comercializar lá fora. Como fica essa relação de ter produto também aqui para a gente?

LP: A gente fica com 70% da produção aqui dentro. Então, nós temos segurança alimentar. Alguém veio comentar que a maior parte da carne que a gente produz é exportada, por isso está caro. Eu respondi: ‘Cara, vou deletar seu comentário. Não há condições de conversar com você que não tem noção dos dados básicos’. Hoje, a gente tem 30% exportados. Historicamente, sempre foi 20% pra fora e 80% aqui dentro. Então, nós não temos falta de carne. Muito pelo contrário. É o livre mercado. A gente está em um país com uma população de baixa renda. Toda vez que é necessário, o consumidor vai buscar outras proteínas quando a carne bovina sobe muito. É um equilíbrio de mercado que acontece naturalmente. Se você impedir a carne bovina de subir, aí vai ter um problema de oferta pior, duplicado ou triplicado lá na frente. É o que aconteceu com a Argentina. Quando a carne bovina tem que subir e o consumidor não consegue acessá-la, ele a substitui. Tem uns substitutos proteicos perfeitos como o frango, o suíno, os ovos. E isso aconteceu. Tanto que a única carne que subiu foi a bovina.

EQL: Trazendo a conversa para a vida pessoal, você tem quatro filhos. Como é conciliar isso?

LP: É uma loucura. Eu precisei aprender a delegar muito. É difícil, mas precisa. E, na verdade, foi aí que aconteceu o crescimento. Eu tenho um menino de dez anos, uma menina de nove, outra de dois e meio e uma pequenininha de 9 meses. E a pandemia me trouxe uma oportunidade, apesar de ter sido uma tragédia pelas vidas humanas que foram ceifadas, eu acho que, para as mães, a pandemia trouxe uma grande oportunidade de participar mais perto das famílias fazendo home office. Então, nós migramos 100% para home office. Eu contratei gente que eu nunca encontrei na vida. E o pessoal é super participativo. Eu fiz esta opção de pecar um pouquinho na integração da equipe. Às vezes, a gente tem algum problema de comunicação que exige muito esforço para contornar pelo benefício de poder estar em casa com os filhos. E o meu trabalho permite isso. Eu não preciso estar no campo. Só preciso estar em casa, no escritório. Eu montei um escritório bonitinho aqui para mim. Ele é bem amplo. Eu me tranco aqui e tenho uma babá para me ajudar.

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E, com a graça de Deus, meu marido é extremamente participativo e me ajuda demais. A gente divide mesmo. Ele é um super parceiro. Isso para mim foi fundamental. Então, eu fico um pouco lá com as crianças e um pouco aqui no escritório. Os mais velhos ajudam os mais novos. Isso é muito legal. As pessoas me perguntam: ‘Lygia, quatro? Você não fica louca? Eu com um tenho muito trabalho’. Eu falo: ‘Gente, o solitário dá mais trabalho do que a turma porque os mais velhos vão cuidando dos mais novos. Às vezes, eu chego à sala e já está toda a turma ali, um dando café para o outro. E eles se entretém. Essa é a parte mais legal. Eles brincam no mesmo universo infantil deles. Eu não preciso descer e brincar com eles. Fizemos essa opção de vir para uma chácara que é uma vida mais complexa. Antes, a gente morava em um apartamento. O problema de um apartamento não se compara com o problema de uma chácara para resolver. A gente adotou uma vida mais gostosa, obviamente, mais saudável, mas mais complexa. É por eles. Não tem um dia triste aqui. Graças a Deus. Mas é difícil conciliar. Eu trabalho com neném no colo e celular na mão o tempo inteiro. Dia, tarde, noite e madrugada. É uma doação muito grande.

EQL: E suas metas pessoais e profissionais?

LP: Minha meta pessoal é que, talvez, a gente faça mais um aqui agora (risos). Talvez a gente faça o quinto [filho]. Vamos ver. Meta pessoal é cuidar bem da família e encaminhar bem os filhos. É tudo para eles e, consequentemente, para mim. É um altruísmo egoísta. E meta profissional é que a gente quer se tornar a maior casa de research, de pesquisa agropecuária do Brasil. A gente quer alcançar, pelo menos, 5% dos produtores que têm internet no Brasil. Esse é o nosso objetivo.

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