Diversidade: 4 mulheres negras do mercado financeiro que traduzem o poder da representatividade

Executivas explicam, ainda, o que é preciso para a conquista de espaços mais diversos
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Fernanda Ribeiro é empreendedora no mercado financeiro (Foto: Larissa Isis)

Em 2002, Elza Soares denunciava o racismo estrutural no Brasil enquanto entoava o refrão: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Duas décadas depois, a população negra do país – e do mundo – ainda enfrenta uma série de obstáculos que comprometem sua segurança, saúde, integridade e renda. 

A prova dessa desigualdade é que alguns espaços permanecem praticamente intocados por representantes negros – caso do setor financeiro. Segundo um levantamento liderado por Chris Brummer, professor de direito da Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, apenas 3% dos líderes do setor são negros no mundo todo.

No caso das mulheres negras, as estatísticas são ainda mais nebulosas. Nas 50 maiores empresas do Brasil, incluindo os bancos, elas ocupam apenas 0,04% das cadeiras de liderança, segundo pesquisa do Instituto Ethos. Para piorar, profissionais do gênero feminino que atuam em instituições financeiras recebem até 21,75% menos do que os homens, conforme dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) divulgado pelo Ministério do Trabalho. 

Neste cenário, as executivas que conseguem ingressar e ascender no setor se transformam em símbolos de representatividade e luta contra o racismo. Conheça, a seguir, a trajetória de quatro mulheres negras que atuam no mercado financeiro:

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Ana K Melo, sócia e head de D&I da XP

Ana é a primeira head de D&I da corretora (Foto: Bruno Azevedo)

Em março de 2018, Ana Kelly Melo, ou Ana K, como prefere ser chamada, ingressou na corretora XP para atuar na área de comunicação interna. Três anos mais tarde, a profissional acabou convidada para ocupar a cadeira inédita de head de diversidade e inclusão da companhia. A escolha não poderia ser mais simbólica: mulher, negra e criada na periferia, a executiva é uma pessoa com deficiência física desde a adolescência, quando sofreu um acidente que resultou na amputação da sua perna direita. 

“Acredito que vivenciei os principais desafios de inclusão: distância de casa ao escritório, dress code, conversas que eu não conseguia participar ativamente porque não tinha vivido aquelas experiências, ido àquele restaurante, feito aquela viagem…”, afirma Ana. Apesar de reconhecer a falta de diversidade no setor, a executiva destaca que não chegou a se sentir intimidada. Pelo contrário: essas condições funcionaram como combustível para o desenvolvimento da sua carreira. “Logo na primeira semana eu percebi que era possível propor mudanças e fazê-las acontecer”, completa. 

Atualmente, 20% do time da XP é formado por pessoas negras e 34% por mulheres, explica Ana K. Com a meta de potencializar esses números e, até 2025, ter 50% de profissionais femininas em todos os níveis hierárquicos, além de 23% de pessoas negras na liderança, a executiva ressalta ações que podem fazer a diferença nas estatísticas corporativas. “Precisamos ter mais mulheres negras ingressando nos cursos universitários e com acesso a formações aceleradas”, conclui. 

Fernanda Ribeiro, CCO da Conta Black e presidente da AfroBusiness

Fernanda decidiu empreender depois de perceber a falta de representatividade no mercado (Foto: Larissa Isis)

Chief operating officer e cofundadora da Conta Black, Fernanda Ribeiro iniciou sua carreira no mercado financeiro após largar o emprego em uma companhia aérea. Segundo a executiva, a falta de propósito e representatividade no setor do turismo a fez considerar uma mudança profissional – em seu caso, com vistas ao empreendedorismo. “Não foi tão intencional ingressar nesse meio, mas, a partir de um gap do mercado financeiro, notei uma oportunidade de negócio”, diz. 

Assim, em 2018 nasceu a Conta Black, hub de produtos e serviços financeiros que busca atender às demandas da população negra por meio da educação financeira. Além disso, Fernanda também atua como presidente do AfroBusiness, ONG que tem como objetivo proporcionar trabalho e renda para pessoas negras por meio de conexões e inserção na cadeia de valor de grandes empresas.  

Na opinião da empresária, o preconceito com a presença de mulheres negras em bancos, fintechs e corretoras não só é constante, mas também expressa a tentativa de manutenção de um certo status quo. “Existe um estereótipo das pessoas que ocupam essas posições e nem preciso dizer que ele é exatamente o oposto do meu”, diz. A título de exemplo, Fernanda conta que já chegou a passar por tentativas de silenciamento em reuniões, além de ter sido barrada em eventos por “pessoas que não acreditam que ‘eu sou eu’”, afirma. 

Na tentativa de aumentar a diversidade do setor, a executiva destaca a importância, no médio prazo, do investimento em políticas afirmativas intencionais – o que inclui processos seletivos específicos e cotas, tanto educacionais quanto profissionais. “Já no longo prazo, é preciso investir em educação de base para que meninas sejam estimuladas a se interessar por finanças cada vez mais cedo”, diz. 

Carina Sucupira, engenheira de dados da XP

Carina é líder do grupo de afinidades da XP (Foto: Bruno Azevedo)

Quando viu o estande da XP pela primeira vez, Carina Sucupira ficou impressionada com a tecnologia e cultura da empresa. “Lembro que fiquei em choque, pensando que um dia queria trabalhar lá’”, diz. O desejo se tornou realidade há dois anos e, desde então, ela vem atuando como engenheira de dados da corretora. “Entrar no mercado financeiro foi um divisor de águas na minha trajetória profissional”, relata. 

Líder do grupo de afinidades de pessoas negras na XP, o BLACKs, Carina acredita que aumentar a diversidade das companhias é essencial para mudar o cenário da desigualdade racial – e de gênero – no país. “Se aumentarmos a representatividade, outras mulheres negras vão entender que elas também podem estar naquele espaço”, afirma.

Assim, Carina também ajuda o setor de recursos humanos a coordenar programas de capacitação exclusivos para pessoas negras, além de realizar análises de currículos e propor ações para retenção de talentos. 

De acordo com a própria experiência, ela ressalta, ainda, que o convívio com outras profissionais negras do gênero feminino foi de grande importância para que o ambiente de trabalho se tornasse acolhedor. “Tive receio em relação a preconceitos assim que entrei na empresa, mas a presença dessas figuras acabou me dando mais segurança”, pontua. 

Jandaraci Araújo, CFO da 99jobs e membro do conselho do movimento Capitalismo Consciente Brasil

Jandaraci acredita que reter mulheres negras no mercado também é um desafio (Foto: Divulgação)

Antes de ingressar no setor financeiro, Jandaraci Araújo costumava vender salgados nos trens do Rio de Janeiro. Durante uma dessas vendas, um cliente ofereceu a ela uma vaga em uma companhia de varejo da região. Aquele acabou sendo o pontapé que faltava para que a baiana entrasse e crescesse em grandes empresas do mercado, incluindo Pão de Açúcar e Polishop. 

O primeiro contato com a área de finanças se deu quando Jandaraci foi convidada para assumir a posição de Subsecretária de Empreendedorismo, Pequenas e Médias Empresas do Estado de São Paulo, em 2019. Naquele mesmo ano, poucos meses depois, a executiva acabou promovida a diretora-executiva do Banco do Povo, instituição também mantida pelo governo do estado. 

Ao se consolidar como a primeira mulher negra a ocupar o cargo desde a criação da organização, em 1997, Jandaraci afirma que sua posição causou desconfiança entre pares do setor. “As pessoas achavam que a minha assistente, loira dos olhos azuis, era a presidente do banco – e não eu”, afirma. Descrevendo o racismo velado no ambiente corporativo, a executiva destaca a desqualificação que sofreu apenas devido ao gênero e etnia. “O meu conhecimento era sempre questionado – e as ideias, roubadas”, completa. 
Levando a própria bagagem em consideração, a CFO da 99jobs reconhece que um dos maiores obstáculos do mercado financeiro é a qualificação. “Além de serem necessárias, elas costumam ser caras”, afirma, destacando o papel de bolsas e capacitações gratuitas. Fora isso, outra pedra no caminho é a permanência e ascensão das mulheres que conseguirem chegar lá. “Não pode haver tolerância com os intolerantes. As empresas precisam criar um local acolhedor”, conclui.

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