Caso Klara Castanho: desconhecimento leva à manutenção de tabu sobre entrega voluntária para adoção

Garantido por lei, direito é válido para todas as mulheres que não queiram seguir com a criação dos filhos
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Em carta aberta, Klara Castanho revelou ter optado pela entrega voluntária do filho (Foto: Reprodução/Instagram)

No sábado (25), a atriz Klara Castanho compartilhou uma carta aberta em suas redes sociais onde contava que havia engravidado após um sofrer um estupro. No texto, a artista explica que optou por entregar o bebê para a adoção de modo legal por meio da lei da entrega voluntária, direito assegurado pela Constituição brasileira. 

A medida também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê a possibilidade de entrega dos bebês para mulheres que não queiram ou não possuam condições de criar os filhos. Desde que conduzam o processo de forma legal, essas mães não podem ser responsabilizadas ou penalizadas pelo ato, segundo estabelecido pela lei. 

De acordo com o estatudo, a entrega voluntária é um mecanismo que busca defender as crianças de práticas proibidas no país, como é o caso da maior parte dos abortos, do abandono de incapazes ou da adoção irregular, conhecida também como “adoção à brasileira”. “É muito comum que exista uma confusão em relação a essa entrega e o crime de abandono de incapaz. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra”, ressalta Tatiana Naumann, advogada especialista em direito de família, sócia do Albuquerque Melo Advogados. 

Processo é sigiloso e pode ter início durante a gestação

Uma vez que a mulher esteja segura de sua decisão, o primeiro passo a ser dado é entrar em contato com hospitais, conselhos tutelares ou outros órgãos da rede de proteção à infância. Após a confirmação do interesse na doação, ela será encaminhada à Vara da Infância e da Juventude, onde será ouvida por psicólogos e assistentes sociais para elaboração de um relatório entregue à autoridade judicial.

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“Importante ressaltar que, após o nascimento, a equipe multidisciplinar [psicólogos e assistentes sociais] avaliarão o quadro materno, assegurando, assim, que o estado puerperal – ou outra condição clínica – não afete a tomada de decisão”, destaca Júlia Spinardi, advogada da área de família do escritório Cescon. 

A partir daí, fica a critério do juiz confirmar a sentença, extinguindo o poder da família sobre a criança ou fazendo o encaminhamento da mãe para atendimento especializado, caso ela necessite de apoio para exercer a maternidade.

Após o nascimento do bebê ou a conclusão do processo, a criança é encaminhada para o acolhimento. Caso a mãe não manifeste arrependimento à Justiça no prazo de dez dias corridos, o menor é encaminhado para a adoção por meio do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. 

Outro ponto assegurado pela lei diz respeito à confidencialidade do processo. No momento da audiência com o juiz, a mulher pode optar por informar ou não o nome do pai da criança, bem como especificar se pretende manter o nascimento em sigilo de familiares ou outros conhecidos. “Essa garantia ao sigilo é de extrema importância para assegurar o direito à intimidade da criança entregue à adoção, além de evitar que haja um certo desestímulo à entrega voluntária”, explica Júlia.

Por fim, possuem o direito de recorrer a entrega voluntária aquelas mulheres que engravidaram após algum tipo de violência sexual ou que simplesmente optaram, por livre e espontânea vontade, por não seguirem com a criação do bebê.

Escolha ainda é tabu na sociedade brasileira

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2020, 506 mães brasileiras entregaram seus bebês voluntariamente à Justiça. Em 2021, o número caiu para 395. Em contrapartida, de 2015 a julho de 2021, cerca de 18,7 mil crianças entre 0 e 18 anos ingressaram nos serviços de acolhimento após sofrerem abandono dos pais ou responsáveis, conforme dados obtidos pelo UOL.

Para as especialistas, os números comprovam que a entrega voluntária ainda é um tabu no país, mesmo que considerada um direito para as mulheres. “Como ainda é muito latente a ideologia de que a maternidade é função compulsória e obrigatória, grande parte de nossa sociedade enxerga – equivocadamente – a entrega à adoção como abandono”, afirma Julia. 

Na opinião de Tatiana, esse repúdio ao processo legal ainda acaba levando as famílias à desinformação, já que, devido ao preconceito, a opção de entrega acaba sendo desconhecida por uma grande parcela da população. Em vista disso, casos como o de Klara Castanho ganham notoriedade por ajudar a disseminar informações sobre o tema, criando um movimento de conscientização a respeito das possibilidades de interrupção da maternidade prevista por leis. 

“Vale destacar que esse é um processo juridicamente válido e que existe um arcabouço legislativo para que isso aconteça, incluindo amparo para a mãe e para o bebê. É uma possibilidade que, repito, não se relaciona de forma alguma com a questão do abandono”, conclui Tatiana. 

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