Sexworkers: mulheres que fazem dinheiro com conteúdo adulto

Após a plataforma OnlyFans decidir banir o conteúdo erótico e voltar atrás, a EQL buscou entender como ocorre o trabalho no mercado sexual virtual
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Não é de hoje que os conteúdos eróticos e pornográficos estão cada vez mais inseridos no mundo digital. Desde o início da internet, os materiais adultos estão presentes na web em diferentes formatos, seja em vídeos amadores ou até mais elaborados com produções das grandes produtoras de filmes. Também não é um fenômeno atual que as mulheres recorram ao sexwork (trabalho sexual) como forma de ganhar dinheiro, seja para complementar a renda ou como fonte principal de recursos.

No mês de julho, a plataforma digital britânica OnlyFans anunciou que não iria mais aceitar conteúdos adultos e que as publicações pornográficas seriam retiradas, por denúncias de uso impróprio do site. 

O OnlyFans é uma plataforma em que um indivíduo vende o acesso aos seus conteúdos digitais publicados na plataforma por meio de assinaturas, podendo ser de cunho sexual ou não. Não era esse o intuito inicial desta mídia quando foi criada em 2016, mas fato é que a produção com vieses eróticos e pornográficos adentrou na plataforma devido a não restrição de conteúdos e é principal propulsor da plataforma. 

A questão da pornografia no mundo digital é polêmica, principalmente quando diz respeito à permissividade das plataformas em regular a exposição de menores aos conteúdos, abuso de imagem, as práticas contra a vontade das mulheres dentro da indústria, aliciamento de menores, entre outras.

Para duas sexworkers conhecidas do OnlyFans, GweenBlack* e Folgosa, não foi surpresa que o site tentasse limpar os conteúdos adultos. “Quando eles falaram de cortar os conteúdos pornográficos, fiquei meio desconfiada, porque eles existem desde 2016 e foram as sexworks que levantaram a plataforma”, afirma Folgosa, de 26 anos e presente no site desde 2018.  

Já Gween, de 27 anos, conta que “é muito comum os bancos banirem a gente por conta de cláusulas morais, principalmente nos Estados Unidos. Eles dizem que não aceitam mais ‘esse tipo de pagamento’, fecham as contas das sexworkers e ficam com todo o dinheiro que tinham lá. Também é frequente que a gente tenha que trocar de sites, porque a plataforma não aceita mais trabalhadoras do Brasil”. A sexinfluencer trabalha no setor desde 2013. 

Poucos dias depois do anúncio da direção do OnlyFans, o site voltou atrás e garantiu novas políticas para regular os conteúdos, com verificação dos perfis adultos na plataforma, e exigência de documentações que garantem que os materiais e performances dentro da plataforma são executados por desejo dos produtores e participantes do conteúdo. 

A revogação não foi surpresa para as duas estrelas do site. Para ambas, a regulação, verificação e exigência de documentações dos criadores de conteúdos pornográficos pelas plataformas são benéficas para o setor. “O fato da MasterCard, por exemplo, ser um dos principais métodos de pagamentos dos sites de pornografia e começar a exigir essas documentações a partir de outubro vai ser uma revolução muito boa na indústria da pornografia, que eu não vejo a hora de acontecer”, afirma Gween. 

Tanto ela, quanto Folgosa acreditam que será uma maneira mais afirmativa de fazer o setor prestar atenção nas questões de segurança na produção de conteúdos eróticos, como barrar a participação de menores e o sexrevange, ou “vingança pelo sexo”. Esse fenômeno é a publicação e divulgação em sites de materiais pornográficos sem o consentimento da pessoa exposta no conteúdo, que vitimiza principalmente as mulheres e adolescentes. 

Outro ponto que a regulamentação pode ajudar, segundo as sexworkers, é na diminuição da proliferação de plataformas não confiáveis para as trabalhadoras. “As plataformas sabem que a atividade sexual dá muito dinheiro, então nem todos estão ali para apoiar as mulheres, só pensam em criar a plataforma sem nenhum tipo de apoio ou suporte para as criadoras de conteúdo, como formas de punição para vazamentos dos conteúdos ou dados pessoais”, diz Folgosa.

“Existe um catálogo de plataformas e muitas mulheres entram em sites não confiáveis para ganhar dinheiro rápido, mas é preciso fazer uma análise consciente do que quer no começo, porque pode se tornar um tiro no pé”, acrescenta. 

No mundo virtual, histórias que se cruzam

Thamiris Moura, 26 anos, é conhecida no mundo erótico por Folgosa

Com o passar dos anos e o desenvolvimento das redes sociais, novas plataformas e formas de vender conteúdos eróticos foram sendo criadas. O modelo virtual chamou a atenção de diversas mulheres que recorrem ao trabalho sexual, principalmente por não envolver o contato físico com os clientes, o que torna o sexwork um pouco mais seguro para as envolvidas. 

Conhecida pelo nome Folgosa no OnlyFans, Thamiris Moura, 26 anos, conta que entrou no mercado de sexo virtual para fazer um dinheiro extra. “Comecei a trabalhar nesse mercado em 2014, como camgirl, que são lives eróticas.  Uma amiga da faculdade fazia e me disse que dava uma grana boa. Quando conheci o site, achei super legal, porque podia trabalhar anonimamente e comecei a fazer as lives anônimas”. 

Na época, Folgosa cursava administração e trabalhava CLT na área financeira em um escritório e preferiu se manter no anonimato para evitar julgamentos e fofocas, pois morava numa cidade pequena. Quando começou a se apresentar, também escondeu do marido e da família. 

GweenBlack teve um caminho parecido. Em 2013, ela cursava Contabilidade e Direito, mas lembra que estava saturada da vida acadêmica.  “Era algo que eu fazia de fim de semana para ter um dinheiro extra e sair com os amigos. Também foi uma forma de sair um pouco desse mundo e me distrair”. Ela também começou com as lives antes de focar na produção de conteúdo. “Eu gostava muito de fazer cosplay e aproveitei as fantasias que tinha para compor as minhas apresentações”. O cosplay é  considerado um passatempo em que as pessoas se fantasiam de personagens fictícios da cultura pop. 

Ao contrário de Thamiris, Gween começou a se apresentar já mostrando o rosto e brinca: “Sou cara de pau”. Ao mesmo tempo, trabalhava como professora de inglês e em um escritório de contabilidade, para conseguir sua independência financeira. “Não era um problema com meus pais, nem nada do tipo, era uma coisa minha de ir para o mundo logo e viver a minha vida”. 

O que começou como uma brincadeira para ela, se tornou uma possibilidade de carreira quando percebeu o dinheiro que estava recebendo. 

Quando contou para os familiares o que fazia nas madrugadas online e o quanto conseguia arrecadar, eles a acolheram . “Contei como funcionava, que era seguro e meu pai falou ‘vamos investir esse dinheiro, vamos fazer seu pé de meia’. Ele sempre falava que se há uma oportunidade boa na vida, era para eu aproveitar o quanto antes, porque podia ser uma coisa que durasse pouco”. Foi nesse momento que ela decidiu se dedicar integralmente à profissão. 

Seus pais eram contadores e desde cedo a incentivaram a administrar e poupar o dinheiro. Gween conta que sua mãe demorou um pouco mais para deixar de estranhar a situação. “Mas era principalmente por medo de eu estar sendo enganada e nunca ver o dinheiro”. 

Folgosa demorou um pouco mais para contar ao marido e a alguns familiares. “A empresa que eu trabalhava faliu e foi o pontapé para assumir minha atividade como camgirl. Contei para o meu marido, expliquei que não tinha contato com ninguém e foi tranquilo, ele aceitou”. A partir desse momento, ela também começou a investir mais na carreira, passou a mostrar o rosto e buscou novos trabalhos.  “Decidi contar para a minha mãe e minha sogra, pois como moro em uma cidade pequena, achei que era melhor já dizer do que ter algum conteúdo vazado e elas descobrirem”.  

Aceitação dos familiares e educação financeira foram passos importantes 

A mãe de Thamiris também entendeu, mas resistiu um pouco no começo. “Ela ficava me mandando mensagens com vagas de emprego e questionava se o mercado adulto era um trabalho que ia durar e me dar segurança. Um dia expliquei que a ideia não é que dure para sempre, mas que eu possa tirar o máximo proveito dele e possa parar de trabalhar por completo”. 

Ela e o marido sempre dividiram as contas e eram transparentes com o quanto ganhavam, mas Folgosa não contabilizava tanto seus lucros no trabalho sexual quando começou.  “Quando era um extra, o dinheiro entrava e não alterava as minhas contas, a gente usava pra sair e curtir. Só em 2016 que fui ter noção do que eu estava ganhando, porque foi quando eu parei de trabalhar e pensei se valia a pena trabalhar com isso”. 

Até ter noção do quanto ganhava, Thamiris conta que o dinheiro ia embora com facilidade, o que a diferencia de Gween. Por ter educação financeira desde pequena com os pais contadores, ela foi administrando e guardando seu dinheiro, além de começar a investir nos seus conteúdos. “Comprei uma câmera boa, estudei como as plataformas funcionam, quais os métodos de pagamento e como converter em caso de dinheiro externo, foi um ano mais ou menos de muita pesquisa e trabalho”. 

Aliás, foi Gween que ajudou Folgosa a ter controle de suas finanças. “Ela me explicou como anotar o que eu ganhava, como administrar os gastos da minha vida com os dias que eu recebia meu dinheiro, tudo. No final descobri que estava ganhando 3 vezes mais que o meu salário no escritório”, conta Folgosa. “Assim consegui me planejar e reformar minha casa, por exemplo”. 

Elas contam que é muito comum que as mulheres que entram no mercado sexual virtual para fazer uma renda extra não tenham muito controle sobre o que ganham e qual o fluxo do dinheiro entrando. 

Ao crescer dentro do setor, Gween criou um grupo para ajudar as mulheres a lidarem com suas finanças.  Ela chegou a criar conteúdos exclusivos de educação financeira, ensinando como lidar com os banimentos dos bancos para as sexworkers em seu perfil no OnlyFans.

O grupo surgiu durante a pandemia da Covid-19, devido ao aumento de usuárias do OnlyFans por causa dos impactos econômicos da crise sanitária. No início de maio de 2020, a plataforma tinha aproximadamente 30 milhões de usuários na plataforma. O número saltou para mais de 85 milhões de membros em dezembro do mesmo ano, segundo declarações do CEO do OnlyFans, Tim Stokely. “Muitas eram mulheres que precisavam ficar em casa com os filhos e perderam seus empregos”, conta Gween.

Mas entender de início como rentabilizar o perfil não é fácil. A sexworker chegou a escrever um livro sobre o tema, no ano passado. Com o título “Dicas de uma Top Model no OnlyFans: Como abrir sua página e conquistar fãs”. Ela explica como funciona a plataforma e como medir se o site está dando o retorno necessário.  “Muitas pessoas falavam comigo por causa do livro e eu ensinava como fazer essa parte de organização. Montava várias planilhas para elas e ensinava a montar uma planilha com conversões, fluxos de caixa e algumas mulheres chegaram a usar. Foi bem legal passar esse meu conhecimento para as outras”. 

*GweenBlack pediu para que seu nome verdadeiro não fosse revelado pela reportagem e a decisão foi atendida. 

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