Quem é Teresa Yoshiko, a pesquisadora que conseguiu legalizar a produção de lúpulo no Brasil

Até 2018, o produto utilizado nas cervejarias precisava ser importado, visto que a planta não tinha registro de riscos e pragas
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Divulgação
Filha de produtores japoneses que imigraram para o Brasil, Teresa sempre trabalhou na roça (Foto: Acervo Pessoal)

Ninkasi, nascida da “água fresca cintilante”, é conhecida como a Deusa Suméria da Cerveja. Há cerca de 8.000 anos, acreditava-se que ela era a grande responsável pela bebida, considerada uma criação sagrada. “Quando você despeja a cerveja filtrada do barril, é como o encontro de Tigre e Eufrates”, diz o Hino a Ninkasi, um dos mais antigos achados arqueológicos sobre a divindade. Séculos depois, a muitos quilômetros de distância da Suméria, a brasileira Teresa Yoshiko, nascida no Rio de Janeiro, confirma a continuidade da profunda conexão entre a cerveja e o universo feminino. 

“A história da cerveja envolve muitas mulheres”, destaca ela, que fez a sua parte para ser lembrada no setor ao legalizar a plantação do lúpulo brasileiro em território nacional. “Não é apenas a Ninkasi que representa o universo feminino na produção de cerveja. Na antiguidade, as mulheres tinham o monopólio da administração das tabernas.” De certa forma, os bares da época eram “lugar de mulher”. Entre os vikings, até existia uma lei de que somente elas podiam produzir a bebida. Tudo isso mudou no final do século 18, quando a cerveja se tornou um negócio rentável e foi assumida pelos homens. 

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Mesmo assim, a alma da cerveja continuou sendo feminina, visto que apenas a flor do lúpulo – grande responsável pelo amargor, aroma e sabor da iguaria – é utilizada no processo de fabricação da bebida. “O masculino não serve para nada. Apenas para o cruzamento”, brinca Teresa. Talvez seja por conta de todo esse histórico que a carioca tenha um sentimento de liberdade inerente ao trabalhar no universo cervejeiro. Embora tenha atuado por 28 anos no mercado de sementes e hortaliças, foi apenas quando começou a cultivar o lúpulo que ela se permitiu aceitar a feminilidade. 

“O mercado agro é machista. Os homens trabalham na roça e as mulheres ficam em casa, então, para ser respeitada, eu passei quase 30 anos me vestindo de forma muito masculinizada”, conta ela. “Sempre fui respeitada, mas não me enxergavam como mulher. Eu era a Teresa.” Em eventos do setor, muitas vezes a pesquisadora era a única mulher em ambientes com 50 homens. Quando começou a trabalhar com o lúpulo, no entanto, essa realidade mudou. O mercado cervejeiro também é machista – disso não há dúvidas -, mas Teresa encontrou outras mulheres no meio do caminho que a inspiraram a se libertar de algumas amarras. 

“Encontrei mulheres lindas que não precisavam anular a feminilidade para receber respeito. Foi naquele momento que eu me permiti usar vestido, passar batom e arrumar o cabelo de um jeito que eu não estava acostumada. Eu gostava dessa vaidade, então foi um movimento importante para mim”, revela. “Hoje, eu me imponho e acabou. Não me importa mais se me enxergam como homem ou mulher.” Aos 56 anos, Teresa cultivou uma relação mútua com a cerveja: a bebida lhe deu liberdade, enquanto ela foi responsável por um avanço essencial no mercado cervejeiro nacional. 

A LEGALIZAÇÃO DO LÚPULO 

Filha de produtores japoneses que imigraram para o Brasil, Teresa sempre trabalhou na roça. Seus pais produziam tomates e, para ela, era mais do que natural seguir o caminho do cultivo da terra. Quando cresceu, formou-se como técnica agrícola e começou a trabalhar com hortaliças e sementes, destacando-se na área por suas técnicas inovadoras. Foram quase 30 anos trabalhando com esse foco, até o lúpulo surgir despretensiosamente em sua vida. 

“Cerca de seis anos atrás, eu conheci o lúpulo graças a um amigo cervejeiro. Ele começou a falar sobre a planta e eu fiquei curiosa. Comecei a pesquisar sobre o assunto na internet.” De repente, mostrando que os algoritmos realmente não brincam em serviço, posts sobre o lúpulo começaram a aparecer constantemente nas redes sociais de Teresa. “Fui bombardeada por várias informações ao mesmo tempo. Quando vi, já estava entrando em grupos de profissionais do mercado cervejeiro e entendendo algumas complexidades que envolviam o nome da planta: muitas pessoas falavam sobre ela, mas poucas entendiam o material.” 

Em contato direto com pessoas da área, Teresa ganhou alguns rizomas e começou a manipular as mudas em sua estufa de orquídea, dentro de casa. “Era um hobbie, mas comecei a testar para saber qual seria a forma de enraizamento e propagação da planta. Quando eu vi, estava com 10 mil plantas na minha estufa”, recorda. Após muitos testes e experiências, a carioca entendeu o funcionamento do lúpulo e começou a se questionar sobre os motivos que invalidavam a legalização da plantação no Brasil. 

“Nessa mesma época, conheci uma advogada que cuidava de exportação e legalização de plantas. Ela me explicou que o lúpulo não tinha registro de análise de riscos e pragas, sendo assim, não podia ser comercializado”, conta. Na época, as cervejarias precisavam importar a planta dos Estados Unidos para fabricar seus produtos. “Ela também me disse que era um processo muito demorado. Pode-se levar até 15 anos para conquistar o registro da legalização.” Quando soube disso, Teresa pensou que não podia perder mais tempo. Contratou uma advogada e foi atrás dos caminhos legais para certificar o lúpulo brasileiro como uma planta de qualidade. 

Duda Dusi
(Foto: Duda Dusi)

No início de 2018, a pesquisadora foi até Brasília para apresentar suas mudas ao MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). “Eu já tinha credibilidade por conta do meu trabalho com as hortaliças, então me deram espaço para falar. Mostrei minhas mudas e eles me perguntaram como eu as tinha conseguido, já que eram ilegais. Então eu revelei que elas estavam sendo vendidas no Mercado Livre e que a maneira de controlar a circulação segura da planta no país era legalizando”, explica. Com o registro legal, seria possível acompanhar e rastrear qualquer produtor de lúpulo do Brasil. Mais do que isso: o território já havia se mostrado capaz de reproduzir a planta, então por que continuar dependendo da importação? 

Para a pesquisadora, essa crença de que o lúpulo precisava ser importado era resultado de um mal entendido histórico. “Existem documentos que mostram que o lúpulo foi plantado no Brasil – para fins medicinais – ainda na época do império, através de pedidos de D.Pedro, que era um botânico curioso. Na época, no entanto, eles faziam testes sem sucesso. A planta simplesmente não se desenvolvia”, conta. “Alguns anos atrás, em regiões no sul do país, também encontrei pessoas que tentavam plantar há algum tempo, mas ainda sem resultados positivos. Isso acontecia – tanto na época do império quanto agora – porque estavam utilizando sementes de origem europeia, sem adaptá-las às nossas características climáticas.” 

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No viveiro de Teresa, as mudas eram norte-americanas, o que já facilitou um pouco a adaptação. Além disso, ela fez um processo de tropicalização da muda, reproduzindo-a várias vezes para aumentar sua resistência e mudando o manejo para as necessidades da terra brasileira. “A quantidade de nitrogênio usada na plantação, por exemplo, não pode ser a mesma na Europa e no Brasil. Isso acontece com sementes e hortaliças, e era o que faltava para que o lúpulo desse certo.” 

Em  menos de um ano – mas com muitas visitas à Brasília -, a pesquisadora conseguiu driblar a burocracia e conseguiu a liberação do plantio do lúpulo brasileiro. Hoje, todos podem plantar, desde que emitam uma nota fiscal e um termo de conformidade, para que o MAPA consiga rastrear e fiscalizar qualquer área de produção do país. “Desde que descobri esse cenário no Brasil, não deixei a história morrer. Era um processo que poderia demorar 15 anos, mas resolvemos em 10 meses”, revela. Registradas como “originárias do Brasil”, as plantas podem finalmente movimentar um mercado promissor no país. 

Um mês depois da legalização, por exemplo, o Grupo Petrópolis – onde Teresa presta consultoria atualmente -, abriu um espaço experimental para a produção da planta. Hoje, esse local abriga a maior plantação de lúpulo do Brasil, com quase 22 mil mudas. Embora o cultivo em território nacional ainda esteja em processo de popularização, a expectativa para o futuro é otimista. Mais do que cerveja, o lúpulo também pode ser usado para fins medicinais e até para a produção de cosméticos. 

“O mercado está movimentado. Todo dia aparece uma coisa diferente”, ressalta Teresa, que ainda está aprendendo a gostar de cerveja – por mais que ame o lúpulo. Para ela, mais do que um simples trabalho, sua atuação é sinônimo de conquista para as novas gerações e de inspiração para mulheres que querem ingressar na área. “Estamos retomando nosso espaço”, conclui.

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