8 motivos que fazem de Nara Leão uma inspiração para qualquer mulher

Conhecida como “musa da bossa nova”, a artista, que completaria 80 anos hoje, fazia questão de se posicionar e de não sucumbir às amarras de seu tempo
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Nara Leão no espetáculo “Opinião” (Foto: Divulgação/Globoplay)

Sua história se confunde com a história de diversos gêneros musicais. Não é à toa que foi – e ainda é – conhecida como a “musa da bossa nova”. Há quem não concorde e defenda que ela foi muito além: Nara Leão é Música, com M maiúsculo. Afinal, ela participou ativamente de diversos movimentos musicais surgidos a partir da década de 1960.

Mas, foi no seu apartamento – ou melhor, da sua família-, na Avenida Atlântica, em frente ao Posto 4, em Copacabana, que reuniões casuais e despretensiosas entre cariocas de classe média eram realizadas em meados dos anos 1950 com o simples intuito de escrever e ouvir música. Dentre os participantes estavam, entre outros, Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo, Chico Feitosa, João Gilberto, Luiz Carlos Vinhas e Ronaldo Bôscoli. Todos homens, diga-se de passagem.

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Esses encontros ganharam repercussão e a bossa nova, que surgiu de uma releitura do samba com uma pitada de jazz norte-americano, se popularizou, principalmente entre o público universitário. Então, as primeiras apresentações públicas do gênero recém-nascido, que àquela altura ainda nem havia sido batizado, foram organizadas por clubes universitários.

Mas, a bossa nova é apenas uma nota de uma composição inteira. A vida de Nara passa pela Tropicália, pela MPB, pelo Centro Popular de Cultura e até pelo Cinema Novo. Além disso, em seus apenas 47 anos de vida, foi revolucionária, mãe, mulher, incansável e inquieta. 

Hoje (19), se estivesse viva, Nara completaria 80 anos. Poderíamos citar 80 razões que fazem dessa artista um modelo para tanta gente. Porém, em vez disso, selecionamos oito que, indiscutivelmente, fazem da artista uma inspiração para qualquer mulher. Veja, a seguir, quais são eles:

Uma mulher à frente do seu tempo

Nara Leão foi peça importante para a libertação feminina (Foto: Divulgação Globoplay)

Capixaba nascida em 1942, filha caçula do advogado Jairo Leão e da professora Dona Tinoca, além de irmã da modelo e personagem célebre da cena carioca Danuza, Nara foi uma jovem tímida, que sempre teve as rédeas da vida bem presas às mãos. Ainda assim, isso não a impediu de ter um temperamento forte. Por isso, foi uma mulher que impôs novos comportamentos, capazes de abrir caminho para a libertação feminina. 

Neste e em outros temas, Nara nunca foi de se calar. De episódios como a recusa em gravar uma música com letras machistas até preferir não participar de um programa de TV se tivesse que se maquiar ou mexer no cabelo, ela sempre se posicionava.

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“Uma hora eu sou a musa da bossa nova, noutra a cantora de protesto e ainda tem essa coisa ridícula do joelho”, disse em meados dos anos 1970, quando decidiu dar uma pausa na carreira.  Mas, isso é assunto para mais adiante. 

Como musa da bossa nova, a artista, que se sentava em um banquinho, no centro do palco, com vestidos tubinho de Courrégès e minissaias inglesas, chamou a atenção não por conta de sua voz ou das letras que cantava. Nara levou consigo, durante toda a vida, a fama de ter joelhos bonitos. Em outras palavras, levou consigo um fetiche que a ridicularizava, mas não a calava.  

Uma cantora e artista revolucionária

Artista participou dos movimentos da bossa nova, MPB e Tropicália (Foto: Reprodução)

É verdade que Nara participou do surgimento da bossa nova. Mas, ao contrário do que muitos esperavam, seu primeiro disco mergulhou no samba, com músicas de Cartola, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho. Com o lançamento de “Nara”, em 1964, a artista foi muito criticada pela escolha. Ainda mais, seu disco de estreia chegava no mesmo ano em que o país sofria um golpe militar, do qual Nara acabou por se tornar uma grande opositora.

Em 1961, além de se aproximar do samba de morro, foi atrás das atividades do Centro Popular de Cultura da UNE, o CPC, mais uma vez na contramão de tudo que esperavam de uma mulher da bossa nova e da classe média carioca.

Como se não bastasse, Nara também flertou com o tropicalismo. Em julho de 1967, ao lado de Caetano Veloso, assistiu e criticou a “marcha contra as guitarras elétricas”, organizada por defensores da MPB contra o sucesso pop da Jovem Guarda. Uma das artistas que apoiaram esse movimento foi Elis Regina, com quem Nara teve grandes desavenças.

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Ainda assim, foi em 1968 que a artista lançou um álbum, sem título, que de fato contemplava as características do movimento. Dessa maneira, os arranjos e o repertório escolhido, o bolero “Lindonéia”, de Caetano Veloso, e as parcerias com Torquato Neto, deixaram claro sua afinidade com os compositores ligados à Tropicália. 

Além disso, o movimento cultural que atingiu principalmente a música dos anos 1960 influenciou os trabalhos politizados do Cinema Novo, ao qual Nara também se juntou.

Uma pesquisadora da música

Nara Leão e Chico Buarque (Foto: Divulgação)

Nara Leão fez parte do lançamento de vários artistas na cena musical brasileira, ajudando a revelar novos talentos e a impulsionar a carreira de jovens compositores. Como pesquisadora do tema, foi a primeira a gravar Edu Lobo e Chico Buarque – com este último brilhou nos festivais com “A Banda”. Além disso, foi peça fundamental na carreira de outros muitos artistas, como Maria Bethânia, Fagner e Dominguinhos. 

Foi, inclusive, a pedido de Nara que Chico Buarque compôs “Com Açúcar, Com Afeto”, uma das primeiras músicas em que a mulher assume a narrativa em primeira pessoa. Mas, ele se recusou a gravar, e Nara, que não tinha o hábito de esconder opiniões, achou a atitude ridícula. 

Uma cantora de opinião

8 motivos que fazem de Nara Leão uma inspiração para qualquer mulher
Capa do disco “Opinião de Nara” (Foto: Divulgação)

No Rio, a política higienista do governador Carlos Lacerda marginalizava e discriminava o povo das favelas cariocas. No Brasil, o golpe militar tirava João Goulart do poder. 

Era nesse contexto que a composição “Opinião”, de Zé Keti, interpretada por Nara Leão, dizia: “Podem me prender, podem me bater. Podem até deixar-me sem comer. Que eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não, daqui do morro eu não saio não”. 

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Foram apenas sete meses entre os militares tomarem o poder e Nara lançar um álbum que, sem rodeios, criticava o golpe. “Opinião de Nara” foi o primeiro trabalho de uma artista da MPB a incomodar a ditadura. 

O disco, o segundo de sua carreira, deu origem a um espetáculo chamado “Opinião”, dirigido por Augusto Boal, produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). O espetáculo revolucionou a cultura brasileira.

Uma opositora da ditadura

Nara se exilou na Europa durante a ditadura (Foto: Reprodução)

A Nara que morria de vergonha de se apresentar em público – e chegou a ser empurrada, em pânico, para o palco em sua primeira apresentação, em 1959 – era a mesma que batia de frente com a ditadura. Uma mulher tímida e corajosa, que de tanto apontar dedos comprou briga com o Exército. 

“Os militares podiam entender de canhão e metralhadora, mas não ‘pescavam’ nada de política”, disse em 1966. Como consequência, a ditadura invocou a Lei de Segurança Nacional contra a artista. 

A classe artística brasileira não se calou e um manifesto com 150 assinaturas foi enviado ao presidente Castello Branco. Até Carlos Drummond de Andrade, sempre quieto e reservado, escreveu um poema-manifesto pedindo para que Nara Leão não fosse presa.

Além de diminuir suas apresentações musicais pelo país, a artista, assim como muitos outros na época, saiu do Brasil com a família com destino à Europa, em 1969, dando sua carreira por encerrada. Contudo, a separação com a música não durou muito. Ainda durante o exílio, decidiu gravar outro disco “Dez anos depois”. Em 1971, após a ditadura separar Nara de suas origens, ela voltou ao Brasil.

Uma cantora muito além da bossa nova – e da música

Arista também foi atriz e apresentadora (Foto: Divulgação)

Nara Leão, além de se aventurar por diversos gêneros musicais, foi também atriz. Estrelou o show-manifesto “Opinião”, em 1964, ao lado de João do Vale e Zé Kéti. No espetáculo, os atores-cantores intercalavam canções a narrações referentes à problemática social do país, o que fez do espetáculo uma referência da chamada “música de protesto”. 

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Nara fez parte do elenco dos filmes “Garota de Ipanema” e, ao lado de Maria Bethânia e Chico Buarque, “Quando o Carnaval Chegar”, dirigido por seu então marido, Cacá Diegues. Ainda mais, participou como atriz, ao lado de Anecy Rocha, do filme “Lira do Delírio”, do diretor Walter Lima Junior, em 1973.

Por outro lado, nas telinha, Nara foi apresentadora e participou de três programas de televisão. No primeiro, “Pra Ver a Banda Passar”, da Rede Bandeirantes, em 1966 e 1967, dividiu o comando com Chico Buarque. Posteriormente, em 1973, gravou um programa de televisão na mesma emissora, com o mesmo parceiro – além de Vinicius de Moraes e Toquinho. Depois, estrelou o programa “Nara Leão 84”, sempre na Bandeirantes. 

Uma senhora de família e dos estudos

Nara Leão, Cacá Diegues e a filha Isabel (Foto: Reprodução)

É justo dizer que Nara foi a matriarca da família. Foi ela que pediu o cineasta Cacá Diegues em casamento, uma união que durou uma década, de 1967 a 1977. Além disso, ela que escolheu quando eles teriam filhos: a primogênita Isabel Diegues nasceu em Paris, durante o exílio do casal na Europa, em 1970. O caçula Francisco Leão Diegues veio ao mundo dois anos depois, já no Brasil. 

Durante alguns anos, Nara largou quase tudo para se dedicar à família e aos estudos. Em 1973, apesar de participar de alguns filmes como atriz e de fazer alguns shows pelo Brasil, Nara voltou a estudar e terminou o último ano do colegial (atual ensino médio). Assim, no ano seguinte, além de gravar alguns discos e participar de festivais, passou no vestibular da PUC-RJ para psicologia, profissão que gostaria de ter seguido caso não fosse cantora. 

Sem nunca deixar de cantar, ela, de fato, deixou a música um pouco de lado por alguns anos. Nara recusava shows e entrevistas para ficar com os filhos, para se dedicar ao casamento e aos estudos. Mas, mais uma vez, a separação musical não durou muito.

Uma alma incansável e inquieta

Nara Leão e seu violão (Foto: Reprodução)

Mesmo com indícios de que não estava bem, Nara continuou se apresentando, gravando, espalhando a música pelo Brasil e pelo mundo. A artista, que descobriu um tumor no cérebro em 1979, nunca parou de trabalhar. 

Ela viajava quilômetros para divulgar seu trabalho, dedicava-se ao violão, apresentava novas turnês – tudo isso ao mesmo tempo em que participava ativamente das “Diretas Já” e do processo de abertura política durante as primeiras eleições diretas para governador do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, os problemas de saúde se manifestavam até em público.  

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Nara não se deu tempo para descansar, para cuidar da saúde. Dizem por aí que a artista empurrou a doença com a barriga. Ela faleceu em 7 de junho de 1989, na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro.

Incansável, tímida, corajosa, destemida e à frente do seu tempo. “Essa mulher é a primeira mulher brasileira. Essa mulher não tem tempo a perder. Atenção: ninguém pode com Nara Leão”. Foi assim que Glauber Rocha, amigo da cantora e um dos principais nomes do Cinema Novo, a descreveu para Cacá Diegues. De fato, 33 anos depois, as palavras do cineasta ainda ecoam da forma mais plena: ninguém pode com Nara Leão.

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