Conheça mais sobre a trajetória desta mulher incrível por trás do grupo que já conta com a participação de mais de 4.000 mulheres e tem planos de expansão internacional

Maria Helena Válio, ou Lena como é carinhosamente conhecida, é fundadora do ‘Women Invest’, uma plataforma que nasceu em 2019 para ‘deschatificar’ os investimentos financeiros e ‘celebrar a delícia que é ser uma mulher independente’.

A iniciativa visa oferecer ao público feminino capacitação sobre esse universo, tornando as mulheres autoconfiantes para sua iniciação ou aprimoramento como investidoras, habilitando-as a gerir seus investimentos com sucesso.

Hoje, as “WIs” formam um grupo de mais de 4000 mulheres. Feliz com os resultados, Lena já pensa em expansão internacional. Mas toda essa motivação não nasceu da noite para o dia. 

Afinal, os resultados auspiciosos de hoje foram construídos ao longo de quase 40 anos em uma trajetória de vida com desafios iguais aos que todas nós, mulheres, enfrentamos. Por isso, é impossível não falar sobre o que veio antes. 

Para conhecer melhor essa grande empreendedora, o portal Elas que Lucrem conversou com Lena para o “Elas que Lideram”, que traz uma série de entrevistas com mulheres em cargos de liderança. 

O objetivo do quadro é inspirar e mostrar o impacto positivo que essas mulheres causam na cultura das organizações.

EQL – Como aconteceu sua trajetória no mercado de trabalho? Poderia contar resumidamente para a gente um pouco sobre seus passos desde o início?

Comecei a trabalhar cedo, fiz faculdade de Administração, porque não sabia o que queria fazer. Prestei vestibular aos 16 anos para Matemática, mas minha mãe – que tinha formação nessa área – considerava o curso como ‘hobby’.

Decidir o que fazer é um assunto muito sério, foi uma angústia muito grande. Mas, a vida vai te levando para o que você faz de melhor. 

Comecei a fazer trabalhos voluntários em uma associação internacional de estudantes. Com 21 anos, fui morar nos Estados Unidos e, quando vi, estava no mundo financeiro. Morei entre EUA e Inglaterra por uns 5 anos, sempre atuando neste mercado. 

Quando comecei a trabalhar, o mercado de capitais no Brasil ainda era muito atrasado. Tive a sorte de aprender junto com o país. Atuando no mercado internacional, comecei a antecipar movimentos aqui no Brasil. 

Quando tinha cerca de 40 anos, tive uma experiência profissional que me marcou muito e me trouxe muitos aprendizados. Foi quando representei um fundo de investimentos austríaco. O comitê tinha 16 homens, eu era a única mulher. Me lembro de uma reunião que tivemos em Mônaco, na qual houve muita pressão e chorei muito. 

Pelo fato de eu ser a única mulher, achava mais fácil eu aprender sobre eles do que eles sobre mim. O trato era difícil até em virtude das diferenças culturais. Posteriormente, pedi demissão. 

Anos mais tarde, em 2019, surgiu a oportunidade de montar o ‘Women Invest’. Agora, já tenho experiência e relacionamento de mais de 35 anos no mercado financeiro. Embora, ainda veja a exclusão da mulher deste mercado. 

O objetivo do Women Invest é dizer às mulheres sobre a importância de cuidar de seu patrimônio e, ao mesmo tempo, ensinar ao mercado sobre as mulheres. 

Começamos a focar na tradução dos jargões e a fazer a ponte entre o mercado financeiro e as mulheres. Não somos ‘diversidade’, somos um grupo de clientes, com características específicas, que precisam ser entendidas.

EQL – Você sente que teve dificuldades para chegar nesta posição sendo mulher? Isso interferiu em algo na sua carreira?

Demorei muito tempo para perceber os preconceitos ao longo da carreira. Quando se é jovem, não se sente essa barreira. Quando ficamos mais velhas, é que sentimos incômodos. 

Uma coisa interessante é que, na minha carreira, senti muito mais preconceito com relação à idade do que com o fato de ser mulher. 

Na minha última parceria de trabalho, eu já estava com um pouco mais de 50 anos e era a pessoa mais velha da empresa. Senti fortemente um preconceito e isso me fez pensar muito. 

No Womens Invest, cerca de 75% das mulheres têm mais de 45 anos, mas isso é uma coincidência, não uma exigência, pois o grupo está crescendo por uma rede de indicações. 

Isso nos faz ter um diferencial, pois toda essa experiência se traduz em reconhecimento e força. Arrisco dizer que o ‘WI’ me levantou muito mais na parte da idade, que na questão de ser mulher.

EQL – Com uma carreira em ascensão, como conciliar com a vida pessoal? Você já foi casada e tem um filho, como lidou com tudo?

Chega um momento em que você está indo super bem profissionalmente, mas começa a ter de tomar decisões na vida pessoal. 

Casei com 31 anos e com 36, fui mãe. Antes de ter o meu filho, perdi dois. Também perdi um depois dele. No entanto, conto isso como forma de animar as mulheres para não desistirem. 

O “ser mãe” diminui o ritmo do trabalho, mas dá para conciliar. Por isso, digo sempre para não desistirem da maternidade, a recompensa é maravilhosa. 

Hoje, estou separada há cerca de oito anos. Com 30 anos me achava toda poderosa, nunca pensava em “equilíbrios”. Eu e meu ex-marido não vivíamos em mundos profissionais iguais e isso faz diferença. Sentia que fazia tudo sozinha.

Durante muitos anos, ouvi que as mulheres precisam ser guerreiras. Mas, cada mulher tem suas próprias características. Você tem que fazer as coisas com companheirismo. 

Um dia, um amigo me perguntou ‘em que momento você achou que podia fazer tudo sozinha?’. Temos que ter coragem, sim, mas precisamos entender que existe um mundo para compartilhar os desafios. 

Temos que trazer a consciência para a mulher do ‘Yes, we can’, mas ao mesmo tempo, continuar contando com as outras pessoas na sua vida. 

Tive um câncer com metástase na passagem para os 50 anos e isso me abriu os olhos. Foi daí que tomei coragem para mudar e montar o Women Invest, alguns anos mais tarde. Mas para isso, fiz um planejamento financeiro. Não se pode deixar a vida levar. 

Cuidar do patrimônio desde de sempre é fundamental e hoje sou super feliz, pois consigo ajudar as mulheres sobre isso.

EQL – Qual o papel do seu filho na sua caminhada de vida?

A melhor coisa do mundo é ter filhos. Quando estava passando pelo tratamento do câncer, meu filho tinha 13 anos. Na época, perguntei se ele queria conversar sobre a doença e ele respondeu que não. Disse apenas que se eu estivesse bem, ele estaria bem. Hoje, digo a mesma coisa a ele: ‘se você está bem, estou bem’.

EQL – O que mais te desafia no papel de líder?

Lidar com as diferentes personalidades. Sempre quero estar disponível, olhar as individualidades de cada pessoa. É importante entender as pessoas, ter empatia. Apenas assim é possível liderar.

O outro desafio é lidar com a inveja. A inveja é você querer algo e não se conformar que o outro tenha. É algo inerente ao ser humano. 

O tempo vai passando e você sempre pensa na próxima etapa. E nisso, se pensa em limitações. Algumas pessoas acabam sustentando ressentimentos a partir disso, mas esses sentimentos são questões particulares que acabam sendo projetadas nos outros. É algo realmente muito chato. 

EQL – Você tem um conselho para as mulheres que desejam liderar?

Precisamos de parcerias. Sempre me lembro de um exemplo que tive em casa. A minha avó ficou viúva aos 33 anos, com cinco filhos. Ela tinha uma empresa de ônibus em uma cidade do interior. Quando um ônibus quebrava, ela colocava o mecânico no carro e ia para a estrada ver o que tinha acontecido. 

Tive esse modelo, um exemplo de força feminina. Mas não gosto dessa coisa de ‘guerreira’. Eu tinha essa mentalidade até que percebi que não posso dar conta de tudo. 

EQL – Um fato curioso sobre você que outras mulheres deveriam conhecer.

Me lembro de uma experiência importante que vivi profissionalmente ainda muito nova. 

Tinha 21 anos e trabalhava em um banco nos EUA. Participei de uma festa de final de ano da empresa, na qual o chefe do meu chefe tentou me abraçar. Não gostei da atitude e o empurrei. Dois minutos depois, chamei um táxi e fui embora. 

No dia seguinte, ele me procurou na empresa em um momento em que não havia ninguém por perto e tentou falar comigo sobre o ocorrido. Eu respondi que não queria falar.

Naquela ocasião, ele não chegou a me desrespeitar, mas nunca dei liberdade. Consegui estabelecer um limite para evitar essa coisa do assédio ao longo da minha carreira. Aos 21 anos, essa foi uma experiência importante para mim, porque eu era muito nova.

EQL – Você teria uma dica de viagem para algum lugar que toda mulher deveria fazer e que tenha excelente custo-benefício?

Acho importante viajar pelo Brasil. Já quando vamos para o exterior, aprendemos muito sobre a cultura. 

A viagem que mais ficou na minha memória foi Dubai, em 1994. Logo que cheguei no país, meu visto não estava no aeroporto, fiquei 17 horas aguardando ser liberada. Os homens da imigração me trataram com muito cuidado. 

Estava com uma amiga que tinha sido criada em Dubai. É uma cultura muito diferente. Entrei em uma loja para comprar uma burca, mas quando a vesti, senti muita tristeza e não consegui comprá-la. 

Fiz um passeio inesquecível no deserto, foi muito diferente de tudo que já tinha visto. O mais interessante é que não tenho nenhuma foto desse passeio, embora tenha sido muito marcante. 

EQL – E Um livro que toda mulher deveria ler?

“The Missing Piece Meets the Big O”, de Shel Silverstein. Li quando tinha uns 20 anos, ou seja, há quase 40 anos. 

É um livro de desenho, que conta a história de um triângulo que procura o pedaço que falta ao lado de uma bolinha. No final, o triângulo vai se mexendo e se arredondando. Tudo acaba com as duas figuras caminhando paralelamente.

É um livro que evidencia a necessidade das parcerias e que não se deve colocar a responsabilidade no outro para resolver sua vida. 

É um livro pequeno, mas que teve um impacto muito grande para mim. Tenho até hoje, é muito especial. 

EQL – O que é independência financeira para você?

Se você pode tomar decisões em relação ao seu dinheiro, você tem independência. E ela vem junto com a responsabilidade financeira. 

A responsabilidade é quando se entende que precisamos cuidar do nosso próprio futuro e não repassar isso para outra pessoa.

EQL – Como aprendeu a lidar com o dinheiro?

É preciso ter planejamento, definir onde queremos chegar. Nos primeiros 10 anos da minha vida profissional, eu ganhava muito bem, mas não dava bola. Aprendi erradamente que é fácil ganhar dinheiro. 

Depois, quando estava na casa dos 30 anos, tinha um emprego muito bom. Você acha que empregos caem do céu, mas tudo isso vai diminuindo com o passar dos anos. 

O planejar é olhar para tudo e ter um norte. E isso envolve dinheiro. Se chegar aos 90 anos sem dinheiro, você não vai aproveitar a sua vida. Por isso, é preciso planejar.

EQL – Você já se arrependeu de algum investimento financeiro feito?

Na época do impeachment do Collor eu estava investindo em um fundo de ações que despencou. Decidi resgatar. Mais tarde, o investimento bombou de ganhar dinheiro. 

Nunca vou esquecer desse fundo de ações, porque fui muito imatura. Tinha cerca de 27 anos e deixei de ganhar muito dinheiro. 

É preciso entender a função de cada investimento, ter paciência. Respeitar o seu perfil investidor.

EQL – Um traje que você investiu e não pode faltar no seu armário para vida?

Um black dress. Um vestido preto é fundamental para estar na mala de qualquer viagem, junto com um par de saltos. 

EQL – Uma dica para lidar com tentações de consumo que toda mulher deveria saber.

A pandemia mostrou que acumulamos muita coisa que não precisamos. Gosto de comprar coisas de qualidade, que duram. Além disso, gosto de comprar em liquidação, não compro coisas da moda. 

EQL – Qual investimento toda mulher deveria ter?

Vou falar de um que toda mulher NÃO deveria ter: que é dinheiro na poupança. Além disso, todo mundo precisa de investimento no exterior, nem que seja um pouquinho. Aquele dinheiro de longo prazo pode ser aplicado em moeda forte, isso é fundamental.

EQL – Qual sua maior ambição?

O Women Invest é o que faz o meu coração bater mais forte. Agora, quero levá-lo para fora do Brasil. Devemos fazer um encontro em Nova York em abril de 2024. A iniciativa começou no Brasil, mas NY é o coração financeiro do mundo, então, vamos lá visitar os bancos e as gestoras. 

EQL – Qual conselho você daria hoje, a você mesma, dez anos atrás?

‘Calma, não fique triste ou angustiada’. Há 10 anos, estava vivendo o tratamento do câncer e estava muito triste. Diria a mim mesma para ‘ter fé em Deus’. 

Hoje, sou uma pessoa muito mais feliz e tranquila e minha fé em Deus me ajudou muito.

EQL – Qual o primeiro pensamento que vem à sua cabeça logo quando acorda? O que lhe motiva no dia a dia? 

Penso ‘que bom’ e agradeço. Me lembro que durante meu tratamento, passei por uma cirurgia muito séria. Depois que tudo acabou, abri os olhos e vi que estava viva, que tudo havia dado certo. Tenho muita gratidão por ter superado tudo isso.

EQL – Se pudesse pedir ao gênio da lâmpada um único desejo em favor da humanidade, o que pediria?

Para a humanidade? Pode ser um clichê? (risos). Pediria para não deixar ter guerras. Acho muita bobagem. A humanidade não precisa disso. 

Já no âmbito pessoal, isso me fez lembrar de uma história especial. Estava no meio do meu tratamento para o câncer, já tinha me separado e perguntei ao meu filho ‘qual pedido ele faria ao gênio da lâmpada?’’. Ele respondeu que queria conhecer o avô dele.

Isso me deixou muito feliz, porque a vida é uma evolução. Naquele momento, senti que tinha conseguido passar muitos ensinamentos do meu pai para o meu filho. Consegui transmitir a ele tudo, mesmo sem meu filho tê-lo conhecido.

EQL – Quem você pode dizer que é a Maria Helena em uma frase?

“Sou uma teimosa que está aprendendo a ser calma” (risos). Ainda sou muito teimosa, com uma energia fora do normal, mas estou aprendendo a ser calma em alguns momentos. Essa é uma característica minha muito importante.

Confira aqui também a entrevista de Mariana Dias para o Elas Que Lideram.

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