Vida dupla: o desafio “invisível” das mães na divisão entre carreira e cuidado doméstico

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No turbilhão do dia a dia da mulher moderna existe uma jornada que, muitas vezes, passa despercebida: a da mãe que concilia suas responsabilidades profissionais com o incansável trabalho dentro de casa. 

Neste universo, onde o equilíbrio entre sucesso na carreira e maternidade é uma busca constante, a sobrecarga de tarefas e a luta por reconhecimento são elementos frequentemente presentes. 

Neste especial para o Dia das Mães, o portal Elas que Lucrem abordou as vivências de mulheres que enfrentam esse desafio diário. 

Elas compartilharam suas experiências, estratégias e reflexões sobre como lidar com inúmeros elementos dentro deste complexo enredo da vida real. 

Além disso, apresentamos também as iniciativas que as empresas podem adotar para apoiar o trabalho dessas mães, tornando esse equilíbrio mais viável e sustentável.

Ausência e culpa no “trabalho invisível”

“É uma jornada intensa, árdua e infinita”, descreve Elisa Motta, comunicadora e mãe de uma criança de 10 anos. 

“Você tem que escolher suas batalhas. Tem dias que vai sobrar uma roupa suja para que você tenha paz de espírito e possa assistir a uma série. E tem dias que você vai dar conta de fazer tudo de uma vez”, comenta.

Quanto ao equilíbrio entre cuidar da família e cumprir suas atividades profissionais, Elisa enfatiza sua ausência ocasional como um desafio emocional constante. “Quando tenho muito trabalho, minha filha fica sem mim. Essa é uma questão que tenho que lidar, porque quando me ausento por muito tempo, me sinto culpada”, admite.

Já quanto ao reconhecimento do trabalho doméstico das mães, a profissional acredita que a sociedade ainda subestima esse papel fundamental. “Não se tem noção do que é o trabalho da casa”. 

“Para tudo funcionar, é preciso se esforçar para ter uma organização mínima, pois todos os dias tem louça para lavar e uma casa que você quer que fique minimamente organizada”, desabafa.

A importância de cuidar de si

Quanto ao autocuidado, Elisa diz que acha importante as mães terem tempo para suas necessidades individuais e diz que “luta para ter um tempo para si mesma”. 

No entanto, apesar de reconhecer essa demanda como essencial, ainda se auto julga por isso. “Peço ajuda, mas ainda sim, me sinto culpada por procurar cultivar meus espaços individuais”, revela.

Nesse sentido, ela reconhece que a rede de apoio desempenha um papel fundamental. “Conto com a escola e, aos finais de semana, tenho uma vizinha e minha irmã, que ficam com minha filha quando solicito. Tenho sorte, pois minha vida já foi mais difícil”, admite.

Para outras mães na mesma situação, a comunicadora oferece uma mensagem de conforto: “É difícil, mas é muito bom. Você aprende várias competências e virtudes quando se torna mãe. Ter um filho é uma mudança estrutural gigante e pode ser muito difícil quando não se tem uma rede de apoio. Mas tudo passa”.

Ser mãe e uma profissional incrível: uma escolha difícil

Quanto ao impacto da maternidade em sua carreira, Elisa reconhece que é um desafio. “Você só vai”, diz ela. “Quando tive minha filha, quis migrar de carreira e até consegui por um tempo. Mas depois, você assume que não dá para ser ‘incrível’ quando é preciso dividir seu tempo em diversos papéis ao mesmo tempo”, se resigna.

No entanto, ela avalia que existem medidas que as empresas podem adotar para apoiar melhor as mães que trabalham. Nesse sentido, Elisa destaca a importância de jornadas flexíveis e o auxílio-escola. 

“Todos os espaços deveriam acolher as mães que precisam cuidar da criança quando ela fica doente ou oferecer uma jornada flexível, isso é o primordial”, observa.

Por fim, Elisa dá um conselho às mães que estão tentando construir suas vidas profissionais, ao mesmo tempo, lidar com os desafios da maternidade: “Vá com calma, não desista, faça um pouco por dia”. 

De acordo com ela, existem características únicas da maternidade que podem contribuir com o desenvolvimento profissional. 

“Preste atenção nas outras virtudes que você ganha quando se torna mãe e que nenhuma outra ala da vida te daria. São várias transformações que a maternidade traz, que inclusive podem ser aplicadas na profissão. É preciso aceitá-las e deixar ir a pessoa que você foi no passado”, conclui.

Inclusão e apoio à maternidade nas empresas

Os desafios apontados por Elisa fazem parte da realidade de todas as mães que se dedicam a um mercado de trabalho que ainda busca se adequar às demandas da vida familiar moderna.  

E para ajudar as organizações a se ajustarem, existem empresas como a Mezcla Diversidade, uma consultoria que oferece uma visão holística, indo além de simples subtemas de Recursos Humanos.

De acordo com Natália Públio, cofundadora da empresa, a maternidade é um assunto de suma importância quando se trata de boas práticas empresariais inclusivas. Ela compartilha sua experiência pessoal de ter sido demitida ao retornar de licença maternidade, destacando o quanto essa realidade ainda é comum para muitas mulheres. 

“Faço parte da estatística, que aponta que a cada duas mulheres, uma perderá seu trabalho em até dois anos ao retornar de licença”, reflete. Ela se refere a um estudo apresentado pela Fundação Getúlio Vargas, em 2016.

Para ela, a maternidade ainda é um dos maiores pontos de prejuízo na carreira das mulheres e, portanto, um tema que precisa de constantes debates e de compromisso das empresas na adoção de melhores práticas.

O descompasso 

Para Natália, um dos principais desafios para as empresas é o descompasso entre o modelo de trabalho tradicional e as mudanças sociais, especialmente, no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade. 

“Teoricamente, se a pessoa não precisar se preocupar em fazer as compras no mercado, cozinhar, lavar a roupa, limpar a casa e cuidar das crianças, não teria problema em ter uma rotina de trabalho com tantas horas”, pondera. 

Ela aponta que, historicamente, o cuidado não remunerado recai sobre as mulheres, o que impacta negativamente suas carreiras. “Se elas também estão trabalhando fora, quem está fazendo todo esse trabalho não remunerado de sustentação da vida?”, questiona. 

Estratégias e cultura da empresas: uma mudança necessária

Para a consultora, a persistência de estereótipos, como a ideia de que a mão de obra feminina é mais cara devido à maternidade, ainda afeta as estratégias corporativas. 

“Um dos indicadores que demonstram isso é o estudo do IBGE que mostra que a ocupação de mulheres com filhos pequenos é menor do que entre as de mulheres sem filhos. Mas, entre os homens, acontece um fenômeno inverso, apontando uma maior taxa de ocupação entre aqueles que têm filhos pequenos”, analisa.

Nesse sentido, a especialista destaca a importância de uma mudança cultural que reconheça o valor das mães no mercado de trabalho e promova a igualdade de oportunidades.

Apoiar as mães no trabalho é inteligente

Natália Públio enfatiza que criar um ambiente de trabalho que apoie as mães não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também uma estratégia inteligente para as empresas. 

Para comprovar isso, ela cita estudos que demonstram os benefícios econômicos e sociais de investir nos primeiros anos de vida das crianças.

“O ganhador do prêmio Nobel de economia James Heckman criou uma equação que demonstra que a cada US$ 1 investido na primeira infância, US$ 7 retornam na vida adulta. Os benefícios são o resultado de doenças evitadas, queda nos índices de violência e evasão escolar, além de ganhos no desempenho escolar, com ganhos diretos para o PIB e para a sociedade”, comenta.

Segundo ela, uma empresa que se posiciona como parte dessa estrutura que oferece cuidado para quem cuida, retém talentos, fortalece sua marca empregadora e economiza com recrutamento e seleção, colaborando diretamente no cuidado dos futuros cidadãos.

Mas, como dar mais suporte às mães?

Além de adotar medidas como jornadas flexíveis e licença parental, a consultora destaca a importância de as empresas revisarem seus processos internos e eliminarem barreiras que possam prejudicar as mães no ambiente de trabalho. 

No entanto, ela ressalta que a inclusão deve ser uma preocupação de todas as organizações, independentemente do tamanho ou setor.

“Temos visto empresas de diferentes setores e tamanhos promovendo rodas de conversa para se falar sobre o custo do cuidado e a importância da presença do homem na divisão de tarefas”, comenta.

Nesse sentido, Natália aponta iniciativas como jornadas flexíveis, autorização do trabalho remoto para mulheres e homens que estão retornando de licença e a adoção da licença parental com o mesmo tempo para homens e mulheres. 

“Algumas empresas estão revisitando benefícios, indo além do que é exigido pela legislação e sindicatos, como oferecer auxílio creche também para homens e não apenas mulheres”, informa.

Dados ajudam a compreender o sucesso das iniciativas  

A cofundadora da Mezcla sugere às empresas o acompanhamento de uma série de indicadores para avaliar o impacto das políticas de apoio à maternidade, entre eles, a taxa de retenção (turnover), promoção de mulheres com filhos e comparação da segurança psicológica entre mães, mulheres sem filhos e homens. 

“Com esses dados já é possível mapear se a presença de filhos está sendo um fator de prejuízo à carreira de mulheres. Dessa forma, qualquer movimento de adoção de boas práticas, como a revisão de benefícios, pode ser implementada”, aponta.

Dá para mudar essa realidade?

Na opinião da especialista, para mudar esse cenário ainda desfavorável, as empresas devem educar as lideranças, revisar seus processos e monitorar constantemente os indicadores de inclusão. 

“É preciso mitigar vieses no momento do recrutamento e da avaliação de pessoas, eliminar barreiras que estejam impedindo o crescimento de mulheres ou diminuindo sua segurança psicológica, além de estabelecer e acompanhar os indicadores que demonstrem que a presença de filhos esteja sendo prejuízo para a carreira de mulheres”, comenta.

A especialista reitera ainda a importância de considerar as interseccionalidades e a jornada completa da parentalidade no momento de implementar políticas de apoio às mães.

Tecnologia: aliada do desenvolvimento profissional das mães

A MommyTech é uma startup que atua como uma ponte entre mães e empresas que buscam diversidade e inclusão. 

Através de serviços como headhunting, consultoria e divulgação de vagas, a empresa ajuda essas mulheres a encontrarem oportunidades de trabalho, além de auxiliar as empresas a implementarem políticas mais inclusivas. 

Quem explica a missão da empresa é a CEO, Renata Lino, cuja trajetória pessoal e profissional foi marcada por desafios, especialmente ao conciliar a maternidade com sua carreira no mercado de tecnologia e marketing digital. 

Mãe de dois filhos, ela revela que passou por discriminação no ambiente de trabalho durante suas gestações.

“Na minha primeira gravidez não fui promovida a gerente e quando voltei da licença, o homem que foi promovido para essa vaga, me desligou da empresa. Durante a segunda gestação me tiraram o cargo de gestão e me realocaram como especialista, promovendo os homens”, recorda. 

Ambas as experiências a motivou a fundar a MommyTech e ajudar outras mães a não enfrentarem os mesmos obstáculos. “Como sou premiada e tenho vários cursos internacionais em uma área de carência feminina, meu marido me mostrou que se aconteceu duas vezes comigo, era um sinal de que o mercado era cruel para as mães”, desabafa.

A parceria doméstica para o sucesso dos negócios

Embora tenha enfrentado o preconceito do mercado, Renata teve a sorte de contar com um parceiro com quem compartilha igualmente as responsabilidades.

“Tenho um cenário privilegiado. Meu marido, que está cursando uma faculdade atualmente, é totalmente coparticipante na criação dos filhos, por isso, sempre consegui conciliar muito bem as demandas”, comenta.

Juntos, eles dividem as tarefas cotidianas, garantindo que ninguém fique sobrecarregado e que todos possam realizar seus sonhos pessoais.

Dessa forma, ela relata que, além de seu trabalho como CEO da MommyTech, também investe em seu desenvolvimento pessoal, se dedicando ao estudo do inglês e planejando um mestrado. 

No entanto, Renata reconhece que essa realidade é uma exceção em um cenário onde a maioria das mães enfrenta desafios ainda mais complexos. “A maioria das mães é solo e sem rede de apoio flexível, o que torna muitas vezes impossível garantir o sustento da família”, lamenta Renata. 

Como a MommyTech ajuda as mães

O diferencial da startup está em sua abordagem escalável, que ambiciona promover uma transformação completa nas empresas.

Entre os serviços oferecidos estão recolocação profissional, consultoria para empresas, que visam melhorar a estrutura de benefícios, como o oferecimento de uma rede de apoio de emergência para pais e mães, além da divulgação de vagas. “Cobramos das empresas, as mães não pagam nada”, reitera Renata. 

Além disso, a MommyTech está desenvolvendo a plataforma “Inclusivee”, que pretende facilitar o recrutamento com foco na diversidade e equidade de gênero.

“A solução irá reinvestir sua renda em grupos sociais de apoio aos grupos minorizados e comunidades online para atrairmos também pessoas das classes mais baixas que não usam um Gupy ou um Linkedin”, explica.

De acordo com ela, isso irá facilitar o processo de um comércio ou uma pequena empresa em conseguir considerar a contratação com diversidade, assim como uma grande empresa dar oportunidade para pessoas desprivilegiadas.

“E para os candidatos, daremos, no futuro, inteligência de dados para atração do seu perfil e desenvolvimento do seu currículo para que ele se torne mais desejado pelo mercado de trabalho”, complementa.

Iniciativa a ser escalada

Ao longo de dois anos, a Mommy Tech já recolocou 783 mães no mercado de trabalho e mentorou mais de 1500 mulheres. A empresa também tem auxiliado as companhias a repensarem suas políticas de inclusão.

“Auxiliamos grandes empresas, majoritariamente masculinas, a pensarem soluções para serem mais atrativas às mulheres e mães, principalmente, em cargos de liderança ou em vagas presenciais. Tudo isso, através de soluções escaláveis que permitem um volume de replicação maior a menor custo”, esclarece a CEO. 

Um caminho ainda em construção

A Mommy Tech tem tido uma recepção positiva no mercado, proporcionando uma rede de mais de 20 mil mães hiper qualificadas.

“Temos um banco formado por poliglotas, com mestrado e doutorado, que estão procurando flexibilidade ou transição de carreira. Também podemos agregar conhecimentos variados com profissionais novas na área de dados, mas com bagagem financeira. Além de profissionais novas na área de comunicação, mas com experiência como professoras, o que facilita os treinamentos internos”, destaca.

Contudo, Renata avalia que em momentos em que a economia do país enfrenta desafios, questões como investimento em diversidade, aprimoramento de benefícios e flexibilidade perdem espaço. 

“Temos visto um retrocesso no mercado, tanto no ponto de vista de vagas remotas ou híbridas – que são melhores as gestantes, mães solo e atípicas – quanto na questão da diversidade”, analisa. 

Apesar desses obstáculos, a empresa continua atraindo clientes e sustentando um crescimento anual de faturamento.

Uma visão igualitária para o futuro

A CEO da MommyTech deseja ir ainda mais longe na defesa da causa de políticas inclusivas para mulheres e mães, a partir de pesquisas sobre temas como neuroplasticidade e mensuração de impactos na pirâmide etária e previdência do país.

De acordo com Renata, estudos têm demonstrado que adultos responsáveis pelo cuidado de bebês desenvolvem habilidades como liderança, autodesenvolvimento, trabalho em equipe e foco, capacidades essenciais para o mercado de trabalho. 

A CEO argumenta que essa constatação reforça a importância da licença paternidade igualitária, permitindo que tanto os pais quanto as mães assumam o papel de cuidadores primários. 

Na visão dela, isso poderia ser encarado pelas empresas como um investimento no desenvolvimento de líderes, tornando o custo das licenças mais justificável.

Já a segunda linha de pesquisa abordada por Renata trata do impacto do mercado de trabalho na falta de apoio às mulheres que desejam ser mães. “É possível ver que a pirâmide etária e o sistema previdenciário do país são afetados pelas consequências sociais e econômicas decorrentes dessa realidade”, finaliza. 

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