Representatividade feminina negra na publicidade ainda precisa crescer

Heloísa Santana, Presidente-executiva da AMPRO (Associação de Marketing Promocional), acredita que este espaço já foi negligenciado por muito tempo.
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É inegável o poder da propaganda no mundo contemporâneo: vivemos no capitalismo e na sociedade de consumo. No entanto, por muitos anos a publicidade e a comunicação não refletiram a sociedade na qual estavam inseridas, mostrando corpos e tons de padrão. A representatividade dos consumidores e da sociedade, de fato, quase não existia. E neste cenário, a mulher negra ficava ainda mais por fora.

Porém, de acordo com uma pesquisa realizada pela Elife e a Agência SA365, a representatividade de pretos e pardos na publicidade aumentou 3 pontos percentuais de 2020 para 2022. O cenário, embora a passos lentos, parece estar mudando.

Segundo Heloísa Santana, Presidente-executiva da AMPRO (Associação de Marketing Promocional), co-autora do livro ‘Uma Sobe e Puxa a Outra’, CEO e fundadora da Nossa Praia e Head de ESG da B&Partners, “a representatividade negra na publicidade simboliza a conquista de um espaço que por anos foi negligenciado”.

A presidente-executiva analisa que o aumento expressivo desse percentual é consequência de diversos fatores. “Um deles é a cobrança por parte da sociedade para que o mercado de trabalho adote uma abordagem mais atenta e precisa em relação às questões sociais. Assuntos de grande relevância que impactam a vida de muitos, como gênero, raça e idade, agora são considerados parâmetros críticos e urgentes”, explica.

Heloísa conta que, atuando como jurada na categoria de Brand Experience & Activation na 70ª  edição do Festival de Cannes deste ano, pode perceber a maneira que o mercado, em especial o setor de Live Marketing, vem abrindo espaço para assuntos relacionados à representatividade, diversidade de gênero, combate ao etarismo e reconhecimento de ações mais sustentáveis como defende o ESG. “Além disso, no corpo de jurados, tivemos uma forte representação de mulheres negras, até mesmo em presidentes de júri de outras categorias. Esse movimento vem acontecendo de forma acelerada nos últimos 2 anos pelo festival, em função de um movimento global de um grupo de publicitários que pediu uma pauta com o CEO do Festival, para incluir mais diversidade no festival (lacuna essa preenchida, de forma global)”.

Mudanças vieram para ficar?

As transformações que estamos vendo em nossa sociedade são contínuas. “Temas que uma vez foram evitados, agora estão sendo amplamente discutidos, refletindo uma mudança significativa. Ao reconhecer a crescente prevalência dessas discussões, estamos capacitados a enfrentar o preconceito e oferecer representação a grupos que antes eram esquecidos. A força desse movimento é persistente, não efêmera, e sua relevância é inegável”, acredita Santana.

Por isso, empresas que não conseguiram acompanhar essa evolução, estão regredindo. Ainda de acordo com a presidente, é muito importante que a responsabilidade social esteja atrelada a esses mesmos valores que caminham juntos.

“Um exemplo prático disso, está interligado a oportunidades. Não basta contratar uma pessoa para ingressar no mercado, tem que acompanhar a jornada do(a) profissional, para que a performance venha. Esses conceitos estão interligados ao ESG, que vem ganhando cada vez mais espaço no segmento corporativo e na sociedade”, reforça.

Regulamentação pública e público

No Brasil, órgãos regulamentadores são responsáveis por fiscalizar e cobrar a representatividade negra nos comerciais. Porém, o público, sabendo de seus direitos, também quer se ver cada vez mais representado.

“Eu entendo que o assunto tem diferentes influências, seja por meio do público que quer se ver plenamente representado em peças publicitárias, pessoas pretas em cargos de liderança que promovem e incentivam ativamente essa mudança, e os órgãos regulamentares complementam esse ecossistema, porém com um olhar mais amplo”, diz Heloísa.

Ela cita, inclusive, organizações especializadas no assunto, como o Observatório da Diversidade na Propaganda, que é uma união de agências que visa acelerar essa visibilidade a grupos minoritários na comunicação de uma forma geral. O mercado como um todo vem se movimentando cada vez mais para que essa mudança alcance maiores espaços.

Para a regulamentação ver

Ainda é comum vermos empresas que olham para a representatividade na publicidade como algo apenas para os órgãos regulamentadores ou para alavancar as vendas, não internalizando a questão para seus funcionários ou em seus produtos.

“Ainda é algo muito comum ver marcas que promovem temas de inclusão e diversidade da porta para fora, e não conseguem estruturar essa demanda internamente. Ouvimos um forte discurso de que é difícil encontrar profissionais diversos, mas o problema é que eles estão sendo procurados na bolha errada”, afirma Heloísa.

Ela acredita que toda e qualquer ação que promova e mostre a importância do tema, impacta e contribui de alguma forma para um cenário mais igualitário. “Algumas marcas entenderam que é preciso conhecer a realidade do seu consumidor para crescer, principalmente nos últimos anos, que o tema vem sendo uma pauta amplamente discutida. Angela Davis disse inúmeras vezes ‘Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’.

 Ampliando a representatividade

Para que mulheres negras e minorias se vejam cada vez mais representadas, não apenas na publicidade, mas também em cargos de liderança, é preciso um envolvimento de todo setor da sociedade e de órgãos de governo.

“É preciso trazer políticas públicas com o poder de transformar e aumentar essa representatividade. Um passo anterior a isso é o letramento: racial, de gênero, orientação e de equidade, que já abordará temas que abrirão o olhar do mercado para a pauta”, explica.

“Enxergar essas transformações sociais que fazem parte do nosso cenário atual, é o começo para desconstruir e desmistificar conceitos e comportamentos ultrapassados, mesmo que de maneira gradativa. Quem resiste a essas práticas representativas estão sujeitos a sentir o impacto por parte da própria sociedade”, finaliza Santana.

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