Mulheres lideram mudança e mercado de trabalho aposta na diversidade e inclusão nas empresas

O cargo de D&I dobrou nos últimos cinco anos no LinkedIn; especialistas consideram papel da mulher como essencial nessa transformação
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No dicionário, diversidade quer dizer ”tudo aquilo que é diverso, que tem multiplicidade”. Já inclusão é a “introdução de uma coisa em outra, de um indivíduo em um grupo.” O debate sobre a sociedade ser diversa e que todos precisam ser incluídos de alguma forma ganhou força nos últimos anos e chegou também ao mundo corporativo.

Apesar de ainda ser um movimento tímido, de olho na cobrança de consumidores, na maior representatividade e nos benefícios que uma equipe diversa pode ter, muitas empresas aumentaram a preocupação em promover ambientes de trabalho com mais espaço para pessoas de diferentes cor de pele, orientação sexual, gênero, pensamentos e culturas.

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E em muitos casos, isso não é feito de forma aleatória, pelo contrário, há organização e debate em torno do tema. As companhias modernas também têm dedicado equipes inteiras, inclusive diretorias, a cuidar exclusivamente desse aspecto. A posição de diretor de diversidade e inclusão (D&I) dobrou nos últimos cinco anos no LinkedIn. Só no último ano, o número de buscas pelos termos diversidade e inclusão no Youtube cresceu 71% e 24%, respectivamente.

Entre as 70 empresas identificadas como os melhores ambientes de trabalho para mulheres em 2021, na avaliação da consultoria Great Place to Work no Brasil, 88% já possuem alguém designado para essa função.

Entre os objetivos das práticas de inclusão estão os acompanhamento de indicadores e metas relacionados à diversidade na liderança e equidade de gênero, por exemplo.

No Brasil, das 12,8 milhões de pessoas que estavam desocupadas no primeiro trimestre de 2020, mais de 8,2 milhões se identificam como pretas ou pardas, 64,2% do total, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Camila Martins trabalha com diversidade nas empresas há mais de dez anos

Camila Martins, que foi a responsável por iniciar o programa de D&I do Burger King no Brasil, explica que diversidade e inclusão é muito mais do que só conectar as empresas na realidade econômica de um país. “É sobre garantir transformações sociais, oportunidades, promover trocas de conhecimentos e experiências, além de consequentemente trazer mais lucro para o negócio, já que é comprovado em estudos e pesquisas a correlação entre novas ideias, lucro e pessoas diversas”, diz. 

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Um levantamento de 2017 da consultoria McKinsey mostra que empresas com mais diversidade de gênero em suas equipes executivas são 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média.

A especialista, que nasceu no Capão Redondo, periferia de São Paulo, conta que escolheu trabalhar nesse setor influenciada por toda sua trajetória de vida. “É impossível dividir minha vida pessoal e profissional. Aos três anos de idade fui matriculada em uma ONG e o suporte recebido lá foi essencial para minha base. Decidi que trabalharia com algo que tivesse um propósito maior, que pudesse impactar de fato a vida das pessoas, assim como impactaram a minha. Sou mulher, não branca, lésbica e trabalho hoje na área com a responsabilidade e com o comprometimento de quem vive na pele e luta contra todas estas questões”. 

Camila acredita que os grupos com menos representatividade têm um papel importante nessa mudança no mercado de trabalho. “Mas considerando o histórico de negligência das mulheres no setor, acredito que tenham realmente um papel fundamental nessa transformação. Também fica evidente que hoje temos publicamente mais mulheres lutando diariamente”, afirma a especialista que em 2019 assumiu a área de D&I do Pride Bank, primeiro banco digital focado no público LGBTQIA+, construindo projetos de impacto e acolhimento para a comunidade.

Laura Vicentini acredita que a diversidade nos colaboradores de uma empresa traz melhores resultados

Laura Vicentini, vice-presidente de Pampers e líder da plataforma de Diversidade e Inclusão na Procter & Gamble Brasil, nasceu em Caracas, na Venezuela. Há mais de dez anos se naturalizou brasileira para atuar no país e diz que sempre se sentiu muito incluída no Brasil. “Considero o cargo que ocupo hoje e o meu papel como uma paixão. Eu aprendo todos os dias e sei que ainda temos muito para fazer e avançar na igualdade no mercado de trabalho. Para mim, também é um jeito de retribuir um pouco para a sociedade brasileira tudo o que fizeram por mim na última década”, conta.

Laura explica que o papel da P&G não é ter esse olhar porque outras empresas estão tendo ou porque está na moda. Pelo contrário. “A gente acredita que isso vai trazer melhores resultados”, explica.

Na prática, a líder de D&I descreve que a empresa tem quatro grandes prioridades, a igualdade de gênero, igualdade racial, inclusão de PCDs e da comunidade LGBTI+. “A gente busca primeiro impactar o nosso quadro de funcionários e depois, por meio das nossas marcas, em um ecossistema de clientes, fornecedores e locais onde atuamos. Hoje já temos 40% de mulheres no quadro de funcionários e 50% estão em cargos de liderança, como eu”, diz Laura.  

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Um exemplo do que foi implementado P&G é a campanha #PrideSkill, feita com o apoio do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. O objetivo é incentivar que os profissionais desse grupo adicionem a categoria “pride” na seção skills do LinkedIn, já que muitas empresas têm dificuldade em aumentar suas populações de LGBTI+ pela falta de meios de identificação de profissionais do grupo. “

“Estamos no começo da jornada, temos feito progressos e outras empresas também. Mas a caminhada é muito longa, o que inclui mudar o processo de recrutamento nas empresas, por exemplo. Não que essas iniciativas devem ser só das mulheres, de pessoas pretas ou maiorias minimizadas, precisa ser algo comum de todos, até do homem branco”, destaca Laura.

Um problema histórico é a diferença da remuneração entre mulheres e homens. De acordo com o GPTW, as mulheres recebem hoje 15,79% menos que homens na alta liderança. Em 2017, a diferença era de 20,22%.

Mariana Pedron diz que o caminho ainda é longo, mas há um balanço positivo

Mariana Pedron Macário foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de gerente de Diversidade e Inclusão do Google para a América Latina. “O meu papel na empresa era diagnosticar quais processos e aspectos da cultura criava, reproduzia ou fomentava, ainda que de forma não intencional, desigualdades e injustiças sociais”, explica.

Ela acredita que a mulher negra é fundamental nessa mudança na sociedade como um todo. “Isso impacta as empresas. Antes, as mulheres brancas contestavam a desigualdade de gênero, mas sem a perspectiva de raça e isso ficava muito limitado”, analisa.

Em agosto de 2020, a Nestlé anunciou Helen Andrade como gerente executiva de Diversidade & Inclusão da companhia no Brasil. A ideia é formar equipes diversas e liderar um centro de competência em gestão de pessoas dedicado exclusivamente a alavancar a diversidade de pensamento e impulsionar a criatividade e a inovação.

“Minha trajetória foi uma trajetória de bastante resiliência e persistência. Eu entendo que eu cheguei até aqui, óbvio, não só por mérito meu. Tiveram várias pessoas que me ajudaram, mas a resiliência é importante para quem quer chegar em uma posição de liderança, seja aonde for, e sendo negro em um país como o nosso. Ninguém escapa. Não adianta ter dinheiro ou ter estudado nas melhores escolas. Quando você vive em um país que é um país racista, ainda, espero que a gente evolua, esse tema vem e é a cor da pele”, admitiu Helen, em entrevista ao programa “Mulheres Positivas“, da Jovem Pan.

A Nestlé no Brasil tem 46% dos funcionários autodeclarados como pretos e pardos. “É ótimo, mas ainda precisamos evoluir para as posições de liderança”.

Mariana ressalta que ainda há muito a conquistar e entende que a transformação do mercado de trabalho está sendo feita aos poucos. “Quero acreditar que o balanço é positivo, apesar da tragédia cotidiana que vivemos com o racismo, a misoginia, transfobia, discriminação de vários tipos, agravadas pelas consequências da pandemia. Mas vejo um número crescente de pessoas se vendo como agentes de transformação e se educando para formar uma massa crítica que faça coro e apoie as pessoas e grupos que há décadas lutam por igualdade no Brasil. Temos um caminho gigante pela frente”.

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