Após conquistar a medalha de bronze no judô, no último domingo (25), o brasileiro Daniel Cargnin foi ao encontro dos braços de sua mentora, a técnica Yuko Fujii, primeira mulher a treinar a seleção brasileira masculina de judô. “Você agora é medalhista olímpico”, disse a treinadora visivelmente emocionada. Certamente, o momento vai estar na lista dos mais emocionantes dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.
Uma das poucas representantes do gênero a chefiar homens em equipes olímpicas do país, Yuko Fujii, 38, nasceu na cidade de Toyoake, no Japão, mas está no Brasil desde 2013.
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Ela veio morar no país após receber o convite da Confederação Brasileira de Judô para auxiliar na preparação dos judocas brasileiros, especialmente na transição da categoria júnior para a sênior.
Judô sempre esteve em sua vida
A paixão pelo judô começou cedo e teve muita influência da família japonesa. Aos cinco anos, ela levou um golpe em um treino de rotina e quis abandonar o esporte. Por insistência dos pais, decidiu continuar.
Aos 10 anos, passou a treinar na arena Nippon Budokan, construída no ano de 1964 para ser palco da primeira participação da modalidade nos Jogos de Tóquio daquele ano. O local é considerado um centro de artes marciais japonesas e foi justamente ali que começou desenvolvimento de Yuko no judô.
“Desde os 10 anos, eu sempre lutei aqui. Tenho muitas lembranças. Ver o nosso atleta fazer o excelente campeonato que fez aqui é muito emocionante”, disse referindo-se à histórica arena, em entrevista à Confederação Brasileira de Judô (CBJ).
A técnica foi atleta da seleção nacional júnior do Japão entre 1997 e 2000 e é mestre em educação física pela Universidade de Hiroshima. Mas foi apenas em 2007 que ganhou experiência como treinadora, quando comandou a equipe de judô da Universidade de Bath, na Inglaterra. Ela lembra que a ideia era apenas aprender inglês na Inglaterra, mas o judô acabou por conquistar mais espaço em sua vida.
A carreira da técnica ganhou mais notoriedade ainda porque Yuko fez um importante trabalho à frente da equipe de judô da Grã-Bretanha que resultou em duas medalhas nas Olimpíadas de Londres, em 2012. A treinadora trabalhou com os ingleses por cinco anos e meio.
Yuko Fujii à frente da seleção masculina do Brasil
Antes de assumir o comando da equipe masculina, Yuko já fazia trabalhos de assessoria para diversas categorias da seleção brasileira desde 2013.
Ela se mudou para o Rio de Janeiro com o objetivo de trabalhar os fundamentos básicos do judô com os atletas brasileiros e ficar mais próxima da preparação do Brasil para a Olimpíada de 2016.
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O convite oficial para liderar a equipe masculina veio em maio de 2018, depois de participar dos Jogos do Rio como técnica assistente. Na época, ela sempre afirmou que o cargo não a assustava.
“Cheguei ao Brasil em 2013 e comecei a trabalhar com todas as categorias: juvenil, júnior, sênior, principal, equipe olímpica, masculina e feminina, e ganhei bastante experiência”, recorda. “Agora, virei técnica da seleção masculina e já conheço todos os atletas e eles me conhecem. Estou acostumada com esse trabalho e eles também com o meu”, explicou ao site Rede do Esporte.
A adaptação ao Brasil não foi um problema. Mesmo com as diferenças culturais, ela diz ter sofrido mais na Inglaterra por ser a primeira vez fora do Japão.
Para se comunicar, aprendeu português com a ajuda dos atletas e hoje já não tem muitas dificuldades para responder qualquer pergunta.
“Quando cheguei aqui, todo mundo me recebeu bem. É fácil fazer amizade. Então, eu não senti muita dificuldade quando cheguei ao Brasil. Eu senti um desafio, porque aqui no Brasil o judô é grande. Na Inglaterra não tinha dinheiro. Não era uma modalidade favorita. Aqui, todo mundo está olhando, todo mundo está cobrando, e eu pensei bastante sobre como eu posso ajudar os atletas, como eu posso ajudar o judô brasileiro”, acrescentou.
O talento e o seu papel no judô brasileiro fez com que a Federação Internacional de Judô (FIJ) a convidasse para participar de um seminário às vésperas do Mundial de 2018, em Baku, sobre igualdade de gênero no esporte.
De volta ao Japão
Desde o início do seu trabalho em 2018, entre os principais desafios estava preparar a equipe para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
Por causa da pandemia da Covid-19, a competição atrasou em um ano, mas agora, de volta à sua casa, no Japão, o objetivo é mostrar todo o potencial do judô brasileiro naquela arena que um dia foi seu local de treino. O primeiro objetivo de classificar atletas em todas as sete categorias de peso foi alcançado ao final do ranqueamento olímpico.
“Inicialmente, nosso trabalho era fortalecer os fundamentos e potencializar o jogo brasileiro. Mas só com isso não conseguíamos medalhar nas competições internacionais. Discutimos e conversamos bastante para conscientizar os atletas, e sempre buscamos estimular treino e trabalho muito competitivos. Sempre que saíamos do Brasil nesse momento difícil da pandemia, mesmo com toda dificuldade, nossa equipe conseguia ganhar mais experiência, e nossos atletas sempre traziam coisas boas, mantendo o nível de treinos no Brasil aumentando a competitividade. Deu certo, e é agora que tenho certeza disso”, afirmou após se emocionar com a conquista do bronze de Daniel Cargnin (66kg).
O judô mantém a liderança entre os esportes que mais deram medalhas ao Brasil na história dos Jogos Olímpicos. Ao todo são 21, sendo três ouros, duas pratas e dezesseis bronzes. Aurélio Miguel, com um ouro e um bronze, é considerado o principal atleta brasileiro na história da modalidade.
Ao UOL, A treinadora garante acreditar muito no potencial do judô brasileiro. “Anos atrás, descendentes de japoneses começaram a lutar judô, não só como esporte, mas como um espírito. Esse espírito permanece nos atletas até hoje, e isso fortalece o judô brasileiro. Nós temos que manter isso para o futuro.”