Morte da socialite mineira Ângela Diniz completa 45 anos

Crime virou símbolo da luta pelo fim do argumento masculino de “legítima defesa da honra”
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Ângela Diniz morreu no dia 30 de dezembro de 1976 (Foto: Reprodução)

A trágica morte da socialite mineira Ângela Diniz – assassinada a tiros por seu companheiro, o empresário Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, na Praia dos Ossos, em Búzios, no Rio de Janeiro – completa, hoje (30), 45 anos. 

A Pantera de Minas, apelido dado pelo colunista social Ibrahim Sued, foi casada com Milton Villas Boas, de uma tradicional família mineira, e era mãe de três filhos. O relacionamento com Doca Street começou em setembro de 1976, durante uma festa na casa dele, em São Paulo. O casal vivia junto há três meses quando ocorreu o assassinato.

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O caso ganhou projeção na época por uma série de motivos. O primeiro deles é o fato de ambos serem figuras conhecidas da alta sociedade do eixo Rio-São Paulo. Em seguida, pela característica do crime – que, atualmente, seria considerado um feminicídio, mas na época, quando o termo ainda não havia sido oficializado por aqui (isso só aconteceu em 2015), foi tratado como passional. Depois de uma discussão na praia motivada por ciúmes, num potencial triângulo amoroso envolvendo a alemã Gabrielle Dayer, Ângela rompeu o relacionamento com Doca Street e o expulsou da casa de veraneio onde estavam. De volta algum tempo depois, o playboy acertou quatro tiros na companheira de 32 anos: três no rosto e um na nuca. Após se esconder por três semanas, ele se entregou à polícia.

Como se esses componentes não fossem suficientes, o episódio causou furor na imprensa: boa parte dela promoveu uma verdadeira campanha para difamar a vítima e tentar salvar a imagem de seu algoz, o que interferiu diretamente no primeiro julgamento do caso, em outubro de 1979.

Protagonizado por duas das maiores estrelas dos tribunais brasileiros da época – o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Evandro Lins e Silva, responsável pela defesa de Doca Street, e o advogado criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho, representante da família de Ângela Diniz – o julgamento, que durou 21 horas, aceitou a tese de que o assassinato foi motivado por “legítima defesa da honra”, dando a Doca Street uma pena de dois anos de prisão, com direito a cumpri-la em liberdade. Praticamente uma absolvição.

“Ela tinha direito de fazer da vida dela o que quisesse. Ela tinha o direito de não viver mais com esse homem. Ela não queria mais viver com ele. É um direito que ela tinha”, afirmou Maria Diniz, mãe de Ângela Diniz, em depoimento ao “Globo Repórter” exibido na ocasião.

Este foi, provavelmente, o caso brasileiro mais emblemático de uso do argumento de “legítima defesa da honra” para desculpabilizar o homem em um assassinato de uma mulher. A tese era válida desde o Código Penal de 1940, mas não pode ser usada mais no Brasil desde a Constituição de 1988.

Como resposta, o movimento feminista organizou uma campanha embasada no slogan “Quem Ama Não Mata”. A promotoria recorreu da sentença e o primeiro julgamento foi anulado. 

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Dois anos mais tarde, em 5 de novembro de 1981, um novo julgamento definiu o futuro de Doca Street. Após 18 horas de argumentações, os jurados entenderam que Ângela foi pega de surpresa, o que não lhe deu qualquer chance de defesa. O crime foi classificado como homicídio doloso qualificado, o que garantiu ao assassino uma pena de 15 anos de reclusão. Após o cumprimento de um terço do tempo em penitenciárias do Rio de Janeiro, Doca Street ganhou liberdade condicional.

“A reação feminista foi fundamental para virar a opinião pública contra a ideia da legítima defesa da honra naquele caso específico. As feministas fizeram uma campanha muito estratégica e eficaz na imprensa. Fizeram de tudo, desde atos públicos e manifestos até panfletar na praia de Ipanema para convencer os banhistas a apoiarem uma revisão do caso”, diz Branca Vianna, que, ao lado de Flora Thomson-DeVeaux, conduziu o podcast “Praia dos Ossos”, um dos mais comentados de 2020. 

“Na véspera do segundo julgamento, já era consenso entre os advogados de ambos os lados que as feministas tinham mobilizado a imprensa de forma muito hábil para mudar a opinião pública. A gente vê isso na origem do movimento ‘Quem Ama Não Mata’, por exemplo, no qual várias participantes eram jornalistas e usaram seu conhecimento do que seria uma pauta interessante e até o timing da transmissão para o ‘Jornal Nacional’ de forma a potencializar o ato que fizeram em agosto de 1980”, complementa Flora.

A versão de Doca Street é relatada em “Mea Culpa”, livro lançado em 2006, e que foi alvo de críticas da família da socialite. O assassino de Ângela Diniz morreu no dia 18 de dezembro de 2020, de parada cardíaca, aos 86 anos.

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