Quem foi Sylvia Beach, editora responsável pela publicação de “Ulisses”, de James Joyce

Controversa obra do escritor irlandês completa hoje 100 anos
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02
Sylvia Beach
Sylvia publicou “Ulisses” em 1922 pela editora da qual era proprietária, a “Shakespeare and Company” (Foto: Reprodução/ Entrevista de Sylvia Beach para a  Teilifís Eireann, em 1962)

“Ulisses”, romance do escritor irlandês James Joyce que completa hoje (2) um século – mesma data em que ele próprio faria 140 anos -, poderia nem ter existido se não fosse por uma mulher. Sylvia Beach era proprietária de uma livraria, batizada de Shakespeare and Company, em Paris, no século 20. As cartas que a norte-americana costumava trocar com o autor, que era também contista e poeta, foram organizadas no final de 2021 e se transformaram em um livro publicado pela Brill/Rodopi e desenvolvido por Ruth Frehner e Ursula Zeller.

Batizada de “Your Friend If Ever You Had One: The Letters of Sylvia Beach to James Joyce” (“Sua Amiga, Se Você Já Teve Uma: As Cartas de Sylvia Beach para James Joyce”, em tradução livre), a obra expõe, entre outras coisas, as questões financeiras e as dificuldades que ela teve para publicar a obra do escritor. 

Conheça a plataforma de educação financeira e emocional EQL Educar. Assine já!

Além das cartas, o lançamento também incluiu uma série de textos e notas produzidos pelas organizadoras. Escritos e outros documentos, que complementam a obra, foram doados à Fundação James Joyce de Zurique por Hans Jahnke, filho de Asta Osterwalder Joyce, segunda mulher de Giorgio Joyce, filho do escritor.

Veja, a seguir, o trecho de uma das cartas escritas por Sylvia a James Joyce, considerado um dos mais importante escritores do século 20:

“Tenho refletido sobre a questão das suas finanças. Estava impossibilitada de pensar nelas claramente na sua presença por conta do feitiço lançado por seu gênio e da morosidade da minha aritmética.

Você disse que tinha apenas 9.000 francos por mês para viver e, então, eu lhe lembrei que ‘Ulisses’ lhe renderá 125.000 desde o último agosto. Isso dá cerca de 12.000 francos por mês, que somados aos 9.000 totalizam cerca de 21.000 francos mensais. Você não considerou os direitos autorais de ‘Ulisses’ importantes o bastante para mencionar. Mas teria sido mais correto da sua parte confessar que vem gastando esse montante de dinheiro considerável do que contar um monte de histórias da carochinha para mim, que sou sua amiga – se é que algum dia você teve uma. Você é o maior escritor vivo, mas até Pound tem mais juízo. Ir a um agiota… Os Brandleys não podem ter uma falsa noção de suas circunstâncias maior do que você mesmo tem. Mas o que isso importa?

Com os mais sinceros cumprimentos,

Atenciosamente,

Sylvia Beach”.

Sylvia Beach e James Joyce 

O escritor irlandês e a editora norte-americana se conheceram em 1920, quando Sylvia já era proprietária da Shakespeare and Company e grandes nomes da literatura, como Gertrude Stein e Ernest Hemingway, conheciam seu trabalho na França.  

Um ano após o primeiro encontro, Sylvia propôs publicar “Ulisses” pela editora, uma vez que James enfrentava dificuldades para publicar o título. Ela conta, no livro “Shakespeare and Company: Uma Livraria na Paris do Entre-Guerras”, que o escritor não hesitou em aceitar a proposta e que parecia “encantado” com a ideia. 

A editora desejava presentear o amigo em seu aniversário de 40 anos com a publicação do livro e, por isso, preparou duas impressões da obra. Uma foi dada ao escritor, enquanto a outra recebeu um espaço na vitrine da livraria parisiense. Com a exposição, logo começaram a aparecer interessados no romance. 

OLHA SÓ: Morre, aos 83 anos, Lya Luft, escritora de “Perdas e Ganhos”

Oito anos após o lançamento de “Ulisses”, em 2 de fevereiro de 1922, o livro já estava na 11a edição e contava com 28 mil cópias. James escreveu um poema para contar sobre a publicação que, mais tarde, recebeu a adaptação de Vitor Alevato do Amaral. Veja, abaixo, um trecho do material:

“A multidão vinha animada/ E pré-comprava o tal ‘Ulisses’,/ Mas ia embora ensimesmada./ À Sylvia cante toda a gente,/ Pois o seu tino é inclemente;/ Com sua lábia, de repente,/ Fez livro chato ter cliente/ Que a clientela só aumente”.

Desde que se conheceram, Sylvia assumiu vários papéis na vida de James Joyce. Além de editora, ela era amiga, confidente, secretária, contadora e cumpria mais uma lista de funções para ajudar o escritor. 

Em muitas de suas cartas, a norte-americana demonstra cuidar de questões que saíam do escopo de editora e se confundiam com outras atividades, como quando ela o ajudou a escolher um novo apartamento para a família ou nas vezes em que o acalmava sobre seus problemas financeiros. James não tinha controle sobre o dinheiro e priorizava os luxos em vez de buscar manter as finanças em equilíbrio. 

Como amiga ou editora, Sylvia tinha bastante trabalho quando se tratava do escritor. Ele requisitou várias revisões do livro, o que causava atraso no andamento da publicação e ainda gerava mais gastos, que eram custeados por ela. Além disso, antes mesmo do lançamento, a norte-americana teve de enfrentar uma série de censuras impostas à versão original do título. 

Mesmo com as implicações e o histórico de denúncias e censura de “Ulisses” em editoras dos Estados Unidos, Sylvia não desistiu da publicação e, se não fosse pelos seus esforços, o lançamento da obra teria tomado rumos totalmente diferentes. 

LEIA MAIS: 8 escritoras brasileiras para colocar a leitura em dia

O caso envolvendo o livro era tão complexo que algumas obras foram lançadas para contar a extensa trajetória de publicação do romance. Um dos mais famosos é “The Scandal of Ulysses” (“O Escândalo de Ulisses”, em tradução livre). de Bruce Arnold.

Em seu livro de memórias, Sylvia conta que o autor de “Ulisses” costumava procurá-la em momentos inadequados, como durante as férias, e geralmente o assunto das cartas estava relacionado aos seus problemas financeiros. Apesar de tê-la usado, muitas vezes, como uma espécie de funcionária e não apenas amiga, o irlandês afirmou que a editora lhe proporcionou “os melhores dez anos” de sua vida. 

Sylvia Beach faleceu em 5 de outubro de 1962, aos 75 anos, em Paris, 21 anos depois do amigo irlandês.

Fique por dentro de todas as novidades da EQL

Assine a EQL News e tenha acesso à newsletter da mulher independente emocional e financeiramente

Baixe gratuitamente a Planilha de Gastos Conscientes

Compartilhar a matéria:

×