(Foto: Elas que Lucrem)
Em 2021, apenas dez estudantes alcançaram a tão sonhada nota 1000 na redação do Enem até o momento (o número oficial do Inep ainda não foi divulgado). Três delas, todas pernambucanas, têm mais em comum do que o feito e o local de origem: estudaram com a professora Fernanda Pessoa. A docente, que também é nordestina, possui um cursinho pré-vestibular que leva seu nome e ministra aulas presenciais e remotas de redação, as quais as estudantes Daiane Souza e Fernanda Quaresma, ambas de 20 anos, e Giovanna Dias, 19, tiveram acesso para estudar para a prova.
Fernanda e Daiane têm, ainda, outra similaridade: as duas querem fazer medicina. Apesar da coincidência, elas tiveram trajetórias diferentes até a decisão. Fernanda, natural de Iguaracy, interior de Pernambuco, considerou a opção apenas dois anos após entrar na faculdade de biomedicina na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aos 18 anos. Já Daiane, nascida em Recife, desejava tornar-se médica desde a pré-adolescência.
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Fernanda decidiu iniciar os estudos para o vestibular pela segunda vez quando faltavam apenas seis meses para a realização do Enem, e enfrentou dificuldades para manter a rotina, já que continuou frequentando as aulas do curso que escolheu em 2019. “Além do fator psicológico, que me trouxe ansiedade devido ao potencial abandono da biomedicina e das pressões envolvidas no processo, também não me dou bem com as aulas online e, muitas vezes, me sentia desmotivada”, afirma.
Assim como Fernanda, Daiane também se sentiu sobrecarregada e ansiosa durante o ano, e recorreu à terapia para lidar com a carga mental. Segundo ela, uma das maiores adversidades, além da ansiedade, foi a escassez de recursos para custear os estudos. “Tive que me virar com as possibilidades que eu tinha, por meio de cursos online que não fossem tão caros. Minha realidade era gastar, no máximo, R$ 200 com isso.”
(Foto: Daiane Souza/ Acervo pessoal)
A estudante destaca, ainda, que viveu uma grande frustração no ano anterior, quando foi aprovada em medicina com bolsa integral do Prouni. “Eu passei em outro estado, mas não pude ir porque não conseguiria me manter no local”, conta. Para ela, encarar a concorrência tendo que se adaptar a condições diferentes das de outros alunos com os mesmos objetivos ainda é difícil, mas a nota tornou o sonho mais próximo da realidade, mesmo não tendo passado no curso em Pernambuco – desta vez.
Caminho para o 1000
Tirar 1000 na redação sequer era uma meta para as estudantes. Tanto Fernanda quanto Daiane foram surpreendidas pela nota, ainda que esperassem um bom desempenho. “Tinha gostado bastante do meu texto, mas achei até que tinha fugido um pouco do tema. A sensação de ter o esforço recompensado é muito gratificante”, relata a aluna de biomedicina.
Para Daiane, que é vestibulanda há três anos e já obteve bons resultados nas redações anteriores do Enem, a nota era uma possibilidade, mas podia não vir devido à competência 1, relacionada ao domínio da gramática. “Apesar de ter facilidade em redigir um texto, nos outros anos perdi pontos por causa disso. Dessa vez foi diferente”, declara.
A rotina de estudos para a redação de cada uma delas foi bastante distinta. Enquanto a recifense escrevia toda semana pelo menos um texto e se dedicava aos estudos oito horas por dia, Fernanda deixou para se concentrar no tema apenas quando faltavam poucas semanas para a prova. “Comecei a estudar em junho, mas, na reta final, fiz várias redações por semana.”
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Ela ressalta, ainda, que não tinha constância para estudar os conteúdos devido à rotina da faculdade que já cursava, mas que lia sobre possíveis temas e tentava escrever quando estava inspirada. Foi assim que, durante uma das leituras, encontrou materiais sobre a falta de registro civil no país, tópico relacionado ao tema da redação do Enem de 2021: “Invisibilidade e Registro Civil: Garantia de Acesso à Cidadania no Brasil”.
Daiane e Fernanda utilizaram como referência a história dos filhos de Fabiano, do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Na obra, a família é composta pelo pai, pela mãe Sinhá Vitória, pela cachorrinha Baleia e pelo “menino mais novo” e “menino mais velho”, que exemplificam a problemática da falta de registro.
(Foto: Fernanda Quaresma/ Acervo pessoal)
Além da ideia de utilizar um clássico da literatura brasileira, Fernanda conta que também foi influenciada pelo auxílio familiar no momento de escrever. “Minha família sempre me apoiou, tanto emocional quanto financeiramente, o que reconheço como um privilégio. Tudo isso além do estímulo ao senso crítico recebido no curso da professora Fernanda”, diz. Já para Daiane, três pilares fizeram com que ela chegasse ao feito: “A fé, o apoio emocional da família e amigos e a determinação”, destaca.
Inspiração feminina
Para as meninas, Fernanda Pessoa foi fundamental para o bom resultado na redação. “Admiro a forma como ela instiga os alunos a refletirem sobre os problemas sociais e ensina a passar esses conceitos para o papel. Ela dá as ideias, mas, ao mesmo tempo, estimula a nossa criatividade para escrever os nossos próprios textos. A aula dela é incrível, ela tem o dom de ensinar”, declara Fernanda Quaresma.
Outras mulheres também foram inspiração na trajetória para a nota 1000. Para Daiane, a figura feminina mais importante foi a mãe, por tê-la apoiado e motivado em todos os seus objetivos. “Ela nunca me disse uma palavra negativa nesse caminho”, afirma. Fernanda também cita as mulheres da família como fontes de inspiração. “Elas são referências para mim, não no sentido acadêmico, mas no aspecto pessoal, principalmente minha mãe e avó, pela determinação”, ressalta. A estudante ainda conta que admira a historiadora Lia Schwartz. “Para mim, é uma das autoridades acadêmicas mais incríveis do Brasil.”
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