Olimpíada no Japão tem quase 49% de participação feminina, mas igualdade ainda é projeto de longo prazo

Para hoje Tóquio carregar a bandeira da equidade de gênero, sendo a edição mais igualitária das Olimpíadas, muitas barreiras precisaram ser enfrentadas pelas mulheres
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As três medalhistas olímpicas do Brasil até a manhã desta sexta-feira. Da esquerda para a direita: Rayssa Leal, Mayra Aguiar e Rebeca Andrade.

Ontem (29), a brasileira Rebeca Andrade conquistou a inédita prata brasileira na ginástica artísticas das Olimpíadas. Além de ser uma das maiores conquistas olímpicas para o Brasil, o triunfo da ginasta, aos 22 anos, representa a importância da participação das mulheres nos Jogos de Tóquio. Isso porque essa edição do evento é um marco no protagonismo das atletas, com quase 49% de participação feminina.

Parece até esquisito imaginar essa diferença, mas pela primeira vez na história dos Jogos, as competidoras são quase metade dos atletas participantes.

Dados do Comitê Olímpico Internacional (COI) mostram que são 11.090 atletas, sendo 48,8% mulheres, enquanto os homens representam 51,2%. Já nos Jogos Paralímpicos, a expectativa é que as atletas mulheres representem 40,5% do total.

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Por meio de um comunicado, o COI explicou que os esportes podem ser um veículo poderoso para superar vários desafios sociais, incluindo a igualdade de gênero. “Temos certeza de que nosso progresso na igualdade de gênero servirá de modelo dentro do Movimento Olímpico para as edições futuras dos Jogos de Inverno e Verão, em Pequim 2022 e Paris 2024”, informou a entidade.

Na história dos Jogos, a participação feminina aumentou pouco a pouco ao longo dos anos, passando de 9,6% em Amsterdã, em 1928, para 45% no Rio de Janeiro, em 2016.

Veja a evolução no gráfico abaixo:

Participação feminina nas Olimpíadas só começou em 1900

A participação das mulheres nem sempre foi presença garantida nas Olimpíadas. Na Grécia Antiga, elas não podiam competir e nem assistir os jogos, uma exclusividade dos homens.

A primeira edição dos Jogos Olímpicos de Verão da Era Moderna foi realizada no ano de 1986, em Atenas, na Grécia. Eram 241 atletas de 14 nacionalidades diferentes e nenhuma mulher. Pierre de Frédy, responsável por idealizar o retorno da competição vetou as mulheres.

“Uma mulher nos Jogos Olímpicos seria algo impraticável, desinteressante, ruim para a estética e incorreto. Os Jogos devem ser reservados aos homens; o papel da mulher dever ser coroar os campeões”, disse o Pierre.

Apenas na edição seguinte dos Jogos, realizada em Paris, na França, em 1900, as mulheres puderam participar da competição, nas modalidades golfe e tênis. A escolha dos esportes foi baseada em atividades de menos contatos físico. Os registros históricos mostram que 22 mulheres participaram, de um total de 997 atletas.

A tenista inglesa Charlotte Cooper se tornou a primeira campeã olímpica da história, mas não teve direito a receber a medalha, já que a mulher não era considerada atleta, apenas uma participante.

Em 1904, elas participaram em apenas um esporte, o tiro com arco. No judô, por exemplo, as mulheres só passaram a competir nos Jogos Olímpicos a partir de 1992. No futebol, só em 1996.

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A brasileira Aída dos Santos, especialista em salto em altura, foi a única mulher da delegação do Brasil nos Jogos de Tóquio, em 1964, e a única na modalidade de atletismo. Ela não tinha uniforme, tênis adequado ou técnico. Mesmo com a falta de estrutura, conquistou o quarto lugar no salto em altura, um feito inédito na época e foi a primeira mulher a disputar uma final Olímpica.

Para hoje Tóquio carregar a bandeira da equidade de gênero, sendo a edição mais igualitária das Olimpíadas, muitas barreiras precisaram ser enfrentadas pelas mulheres. Até os Jogos Olímpicos do México, em 1968, existia uma política de verificação de gênero. As mulheres que se destacavam, por exemplo, por serem mais fortes precisavam passar por uma inspeção para verificar se eram homens fingindo ser mulheres.

Decreto brasileiro proibia mulheres de praticarem esportes

Marta se tornou a 1ª mulher a marcar em cinco Olimpíadas seguidas. (Foto: Molly Darlington/Reuters)

No Brasil, muitas mulheres não podiam competir oficialmente na maioria dos esportes. Na época, o governo acreditava que as atividades físicas poderiam atrapalhar a capacidade delas de serem mães. 

O decreto 3.199 foi publicado em 14 de abril de 1941 e até 1979. Com a frase “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, a legislação listava as modalidades como futebol, rúgbi e até artes marciais. 

A primeira vez que o Brasil participou das Olimpíadas foi em 1920, nos Jogos Olímpicos de Antuérpia. Mas a primeira mulher brasileira a competir nos Jogos Olímpicos foi Maria Lenk, em 1932, com 17 anos.

A primeira medalha só foi conquistada 64 anos depois do início da participação feminina das mulheres brasileiras nas Olimpíadas. Em 1996, quatro brasileiras chegaram à final do vôlei de praia e Sandra Pires e Jaqueline Silva conquistaram a inédita medalha de ouro feminina do Brasil ao bater Adriana Samuel e Mônica Rodrigues.

Até as Olimpíadas do Rio de Janeiro, o Brasil conquistou 129 medalhas, 101 com os homens e 28 com as mulheres. A maior campanha feminina da história, em números absolutos, foi em Pequim 2008, com um total de sete.

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Na última edição dos Jogos Olímpicos, em 2016, a delegação brasileira contou com cerca de 45% de presença feminina entre os 465 atletas participantes. Neste ano, dos 301 atletas da delegação brasileira, as mulheres representam 46,5%. A menor diferença aconteceu nos Jogos de Atenas, em 2004, quando a participação feminina chegou a 49% da delegação brasileira.

Medalhas para colecionar

Larissa Latynina foi a estrela dos Jogos Olímpicos entre as edições de 1956 e 1964. (Foto: Divulgação/COI)

A maior recordista de medalhas é Larisa Semyonovna Latynina, uma ex-ginasta artística, daUcrânia, mas que representava a União Soviética nos jogos. Ela participou das Olimpíadas de Melbourne (1956), de Roma (1960) e de Tóquio (1964). Ao todo, foram 18, sendo 9 de ouro. Seu recorde só foi superado em 2012, pelo nadador Michael Phelps.

Apesar do número histórico de medalhas até 1964, a participação feminina nas competições ainda caminhou a passos muito lentos.

Somente em 2012, nas Olimpíadas de Londres, que pela primeira vez na história, as mulheres estiveram presentes em todas as modalidades que os homens participaram.

Igualdade em números mas não em oportunidades

O Instituto Esporte Mais (IEMais) foi fundado em 2014. (Foto: Divulgação)

Em entrevista ao Elas que Lucrem, Jessyca Rodrigues, diretora do Instituto Esporte Mais, ONG cearense que leva o esporte para crianças e mulheres com o intuito de promover um mundo mais justo, diz que os avanços foram muitos, mas as atletas precisam de mais atenção.

“As Olimpíadas deste ano representam um marco na história pela quase igualdade, é um pouco do retrato das mudanças que a gente observa na sociedade. Mas o assunto precisa ser visto com mais atenção. As mulheres estão conseguindo chegar, mas com quais condições? Muitas não têm patrocínio, Mas a maneira que essas mulheres estão participando precisa ser revista. Muitas atletas estão lá sem patrocínio, não conseguem treinar e precisam se esforçar muito mais do que os homens para chegar até lá”, destaca Jessyca.

Para ela, alguns fatores contribuíram e contribuem para as mulheres ainda serem desacreditadas no esporte. A falta de incentivo , o ambiente predominantemente masculino, as proibições e a própria construção social e cultural de que a mulher é “fraca”.

“Isso afastou os investidores dessas mulheres. A gente não tem apoio da mídia, de grandes marcas, estamos avançando, mas ainda de forma precária. Temos que entender que os salários são ruins, o reconhecimento também e tudo isso influencia”, acrescentou.

Ela acredita que na busca por mais igualdade entre homens e mulheres dentro do esporte, na edição de 2024, em Paris, 124 anos depois da primeira participação feminina, as mulheres serão metade dos atletas, mas diz que é preciso mudanças estruturais.

“Em 2024 talvez tenhamos uma igualdade em números, mas ainda não em tudo que o esporte pode oferecer, como salários, patrocínios, respeito e treinamento. Acho que isso ainda vai demorar um pouco. A falta de mais mulheres em cargos de poder no esporte, de decisão, ou na liderança de grandes empresas ainda é um empecilho”, concluiu.

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