Mulheres negras ainda enfrentam mais dificuldades no mercado de trabalho

Empresas têm papel fundamental no combate ao racismo e ao machismo
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02

A escravidão no Brasil teve fim, por lei, há 135 anos, mas isso não foi suficiente para que nossa sociedade se tornasse igualitária. Pessoas negras seguiram sendo vítimas do preconceito racial e tendo dificuldades de acesso à educação, trabalho, moradia e espaços sociais. 

As consequências desse cenário são sentidas até hoje pela população negra brasileira, que é formada por pretos e pardos e representa 56% das pessoas do país, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Apesar de serem maioria, ainda são sub-representados em diversos espaços e sofrem mais com o desemprego. E, quando falamos das mulheres negras, a situação é ainda pior, pois enfrentam a discriminação de gênero e raça ao mesmo tempo. 

Uma pesquisa do Infojobs, HR Tech que desenvolve soluções de tecnologia para o RH das empresas, revelou que 61,1% das mulheres pretas e 57,1% das mulheres pardas perderam o emprego em 2022. Entre as mulheres brancas, esse percentual foi de 47,6%. As dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho são uma realidade entre todas as mulheres, mas se agravam de acordo com a cor da pele.

“A mulher negra em sua essência vive primeiramente uma jornada de luta e resistência por existência, respeito e direitos humanos. No dia a dia da sociedade, nas relações sociais seja em casa, no clube, na escola ou no trabalho, ela busca romper o racismo, o sexismo e o machismo impregnados em nossa sociedade. O mercado de trabalho é o reflexo das vulnerabilidades, pois o racismo é estruturante e suas artimanhas promovem as desigualdades de gênero e raça”, aponta Ednalva Santos, gerente de Relações Institucionais da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial. 

Maior informalidade e menores salários

Em um país onde o desemprego é uma realidade, a taxa de informalidade também é grande. São considerados informais as trabalhadoras e trabalhadores domésticos ou do setor privado que não possuem carteira assinada, além de pessoas autônomas e empregadoras sem CNPJ. 

Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas, feito com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD), mostra que a taxa de informalidade entre pretos e pardos era de 44,5% em 2022, enquanto entre pessoas brancas e amarelas era de 33%.

Ednalva Santos explica que, no final de 2022, a Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial utilizou uma década de informações da PNAD e de outros estudos do IBGE para chegar ao relatório Índice Mulher Negra. O relatório mostra que as mulheres pretas e pardas estão em situação desfavorável no mercado de trabalho brasileiro, seja em representatividade ou nos salários, quando comparadas a outros grupos, como homens brancos, mulheres brancas e homens negros.

De acordo com o levantamento, o salário médio de uma mulher negra no Brasil equivale a 46% do ganho de homens brancos. A realidade, que ainda está longe do ideal, já foi pior. Em 1987, o salário de uma mulher negra chegava a ser 33% do rendimento médio mensal de um homem branco.

Mais distantes dos cargos de liderança

Mesmo quando as empresas têm pessoas negras nas equipes, quantas delas se encontram em cargos de liderança? 

O Instituto Ethos realizou uma pesquisa com 117 das 500 maiores empresas do país. O estudo mostrou que pessoas negras são a maioria entre aprendizes (57,5%) e trainees (58,2%) nessas companhias, mas seguem sendo minoria nas funções gerenciais (6,3%) e no quadro de executivos (4,7%).

O mesmo estudo do Ethos aponta que mulheres negras estão em situação mais desfavorável quando o assunto é liderança: elas ocupam 10,3% dos cargos de nível funcional, 8,2% nos cargos de supervisão e somente 1,6% se encontram na gerência. 

“A mulher negra representa 28% da população de mulheres brasileiras, mas a invisibilidade, a falta de reconhecimento das competências técnicas e cognitivas são aspectos limitantes que norteiam o mercado de trabalho, independente do setor da economia. As pessoas subestimam a competência da mulher e o fazem com naturalidade. Esse tipo de comportamento é inadmissível. Por isso, cabe a nós mulheres negras, demonstrar as nossas capacidades e potencialidades, bem como denunciar todas as vezes que o direito profissional for negligenciado ou estiver mediante a uma situação de assédio ou discriminação de raça e gênero”, alerta Ednalva Santos, do Pacto de Promoção da Equidade Racial.

O papel das empresas neste cenário

O levantamento do Infojobs, que citamos no início dessa matéria, trouxe ainda outro dado importante sobre a empregabilidade feminina: 86% das mulheres que responderam à pesquisa acreditam que as chances profissionais são desiguais na comparação entre mulheres negras e brancas. Para 59,1% delas, a raça interfere nas chances de conseguir um emprego. 

Outro dado preocupante apresentado pelo Infojobs é que 49,5% das mulheres pretas e pardas que participaram do levantamento responderam que já sofreram racismo em processos seletivos de emprego, enquanto 58,8% afirmam que sofreram preconceito em outras situações no mercado de trabalho.

Para que essa realidade se modifique, é fundamental a atuação das empresas. Além de processos seletivos que tenham foco na diversidade, elas precisam implementar uma cultura antirracistas no dia a dia do ambiente de trabalho.

“O RH das empresas precisa investir em capacitação constante para políticas mais igualitárias e promover ações no dia a dia para erradicar comportamentos racistas e machistas. Nos processos seletivos, o foco deve ser nas habilidades do candidato, sem perguntas invasivas a respeito de assuntos sem relação com a vida profissional”, explica Ana Paula Prado, CEO do Infojobs. 

Ana Paula Prado destaca ainda cinco passos importantes para que ocorram mudanças reais dentro das empresas:

  • Processo seletivo: é preciso estabelecer vagas afirmativas para mulheres negras, com equidade salarial e condições igualitárias para todos.
  • Políticas internas: é necessário implementar políticas que promovam a diversidade dentro da empresa, que podem incluir um programa de conscientização sobre racismo e discriminação, com palestras e outras atividades durante todo o ano. 
  • Programas de capacitação: é muito importante para desenvolver as habilidades e contribuir para a ascensão profissional, já que mulheres negras ainda representam uma porcentagem extremamente baixa nos cargos de liderança. Isso reforça a ideia que é preciso de fato incluir, não apenas contratar para que haja a diversidade nas empresas. 
  • Canal para denúncias: é preciso oferecer um ambiente seguro, com opção de relato anônimo para atitudes discriminatórias e racistas.
  • Atenção constante: o RH precisa estar atento a todas as implementações, de políticas e programas, para entender a efetividade e realizar mudanças quando necessário. 

E, além dessas ações apontadas por Ana Paula, vale lembrar que ambientes diversos proporcionam ideias e olhares plurais que vão beneficiar não só a convivência dentro do ambiente de trabalho, mas também os resultados das empresas.

Um apoio à mudança

Para reivindicar, agilizar e orientar as mudanças rumo a um mercado de trabalho que ajude a reduzir as desigualdades raciais, iniciativas como o Pacto de Promoção da Equidade Racial são fundamentais. 

Ele surgiu com o objetivo de implementar um protocolo ESG Racial para o país, promovendo a adesão de empresas e investidores institucionais para estimular a equidade racial, seja na melhoria da qualidade da educação pública, ou na formação de profissionais negros. 

Dentro desse protocolo, há uma ferramenta que mensura o desequilíbrio, estimula a construção de metas e o monitoramento anual da diversidade: o Índice ESG Equidade Racial. Ele é gerado por meio da análise do quadro de colaboradores de acordo com as ocupações, salários e da distribuição racial na região em que a empresa atua.

O índice melhora conforme ações e investimentos que levam à equidade racial são adotados. As empresas que aderem ao protocolo ESG Racial passam a fazer parte da Rede do Pacto. Com isso, elas realizam trocas com outras empresas participantes, têm ações de letramento racial, são avaliadas e, ao final de 12 meses, recebem uma certificação de comprometimento com a equidade. 

“As empresas devem ser propositivas e disruptivas no que tange a diversidade, por meio de ações ambientais, sociais e de governança. Elas não podem ter receio. Requer coragem e investimento. Se cada uma fizer a sua parte e compartilhar práticas de promoção da igualdade racial e de gênero, será benéfico para a companhia e para toda sociedade. Considero que, em alguns anos, a maioria das empresas estarão atuantes, seja pelo âmbito da responsabilidade social ou pela pressão do setor público, privado e da organização social comprometidos com a diversidade e a pluralidade brasileira”, conclui a gerente de Relações Institucionais da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial, Ednalva Santos. 

Compartilhar a matéria:

×