Professor e filósofo especialista em violência masculina é cocriador de manual SELO EQL Protege

Professor e filósofo especialista em violência masculina é cocriador de manual SELO EQL Protege.
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02

O professor e filósofo Sérgio Barbosa percorreu um caminho nada convencional até se tornar uma referência em violência contra a mulher, especificamente ouvindo os homens agressores. Sergio conta que uma experiência de dor o fez perceber o quanto a sociedade aprisiona os homens em uma fantasia, na qual eles não podem sentir dor, demonstrar sofrimento ou qualquer sentimento de vulnerabilidade. “Estava em uma caminhada, quando, ao chutar uma pedra, chorei de dor. Fui chamado de maricas, de mulherzinha, de fraco. Então comecei a entender o que é ser homem nessa sociedade”. Antes de estudar filosofia e sexualidade, trabalhou em um garimpo, um local de machismo e violência. Mas foi durante os estudos sobre gênero que teve a ideia de conversar com os homens para entender o outro lado da violência. A partir daí seu trabalho rendeu a criação da campanha laço branco no Brasil – Homens pelo fim da violência contra a mulher, e de grupos reflexivos no estado de São Paulo.

Sérgio foi o cocriador do Selo Aqui Protege EQL, um programa que estabelece um ambiente de  prevenção, acolhedor e preparado para lidar, com situações inesperadas como assédio psicológico, agressões físicas, abusos e as complexidades do comportamento humano.

Conversamos com ele sobre o Manual e sobre masculinidade no Brasil.

EQL: Como começou seu trabalho com homens agressores?

Sergio: Durante a epidemia de Aids na cidade de São Paulo, caí em um grupo na faculdade de Filosofia que estudava a questão da sexualidade. Foram dois anos de trabalho conversando com prostitutas, michês e travestis, mas, quando fomos discutir o relatório, percebi que faltava uma personagem, o cliente. Precisávamos entender porque o homem entra numa situação de risco, força uma situação de violência. Ali, descobri muitas coisas. Principalmente que ser homem é um castelo de fantasias, e a gente vive se apoiando nesse castelo.

Então, percebi que a masculinidade precisava ser investigada, discutida, para entender como se dá o processo de formação das masculinidades. 

Numa situação de violência, não olhávamos para aqueles que são donos do poder.

EQL: E como essa investigação ajudou a criar os grupos de apoio existentes?

Sergio: Ao estudar o homem, buscamos mais elementos do patriarcado e como se legitima esse lugar do homem na sociedade. Vimos que o próprio homem se torna prisioneiro desse lugar. Porque eu tenho que esconder o choro? Porque somos refratários a expressar sentimentos?

Queríamos entender como se constrói essa masculinidade que não aceita a igualdade entre homens e mulheres, que faz com que o homem seja tão frágil que recorra a violência quando uma mulher começa a se destacar, por exemplo.

Para entender essa metodologia, comecei a frequentar campos de futebol, sociedade amigos de bairro, sindicatos, a ir onde os homens estavam e passei a escutá-los.

EQL: E quais mudanças isso causou?

Sergio: Em um passado não muito distante, o homem que batia na mulher pagava com cesta básica, serviço comunitário. Isso não educava ninguém. Tanto que a reincidência era de quase 90%.

Eu queria pegar o homem que ameaça e entendê-lo. E essa se mostrou a melhor forma de prevenir: atuando na primeira denúncia que a companheira faz.

Começamos a transformar em uma metodologia de escutar o homem agressor, que era indiciado a participar dos grupos semanalmente com outros homens agressores. Nas primeiras reuniões, eles chegavam raivosos e sentindo-se vítimas, injustiçados de ter que comparecer à delegacia e conversar sobre isso.

Essas conversas começaram a fazer um homem que cometeu um crime, perceba que também poderia ter cometido um crime mais grave, levando-o a rever sua estrutura. Nessa conversa ele vai aprendendo a se ouvir de uma maneira transformadora.

EQL: E isso dá certo?

Sergio: Os índices mostram: antes a reincidência era quase 90%. Não existia uma forma educativa, pedagogia, sócio-cultural de reduzir machismo. Após esses grupos de conversa com homens agressores, o índice de reincidência caiu para 11, 7, e até 2%.

Homem quando participa, ele abre mão da violência. Ele se vê numa lógica do medo, machista, patriarcal, em que é necessário despertar. Por isso o nome do projeto: Tempo de despertar.

Um despertar para si mesmo, para essa sociedade, na qual as mulheres estão participando e mudando o jeito de ser da sociedade. Que o feminismo faz bem, que não é uma luta contra o homem, mas a possibilidade de uma sociedade justa e igualitária.

Em Taboão da Serra, esse projeto foi institucionalizado. Foi criada uma Lei municipal, que obriga que haja pelo menos dois grupos por ano de homens que cometeram violência contra suas companheiras.

Esse é só é o começo de uma mudança muito significativa.

EQL: Qual é a importância do SELO Protege EQL neste sentido?

Sergio: É de promover e valorizar empresas e empreendedoras startups que possibilitam que mulheres sejam protegidas, empoderadas, e, principalmente, que haja combate à desigualdade e violência de gênero. Ela também fomenta a igualdade de oportunidade nesse mundo de negócios, sendo a garantia de visibilidade de empresas que têm a mulher como foco de sujeitos de direito, ou seja, as mulheres tendo uma visibilidade e uma importância na sociedade.

EQL: Como foi participar da elaboração da cartilha?

Sergio: Foi a construção e o compartilhamento de ideia e sonhos. Foi, sobretudo, acreditar na possibilidade de que a informação salva, protege.

Entender que a informação e educação são ferramentas muito poderosas para que as mulheres possam sair do seu lugar de submissão, opressão.

A cartilha, sobretudo, é um instrumento rico pois transmite conteúdos que foram empregados em grupos de homens, de projetos de homens que foram autores de violência. 

Ela é resultado de vários projetos em que eu aposto, como elemento transformador da cultura de violência para uma cultura da paz.

Compartilhar a matéria:

×