Rosana Rezende: a produtora por trás do primeiro queijo artesanal brasileiro a conquistar uma medalha de ouro fora do país

A queijeira, responsável pelo sucesso do “Queijo Tulha”, é uma das proprietárias atuais da histórica Fazenda Atalaia, em Amparo, no interior de São Paulo
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Rosana é a grande responsável pelo primeiro queijo artesanal brasileiro a conquistar uma medalha de ouro fora do país (Foto: Divulgação)

Na cidade de Amparo, interior de São Paulo, a Fazenda Atalaia destaca-se como um exemplar da história nacional. Estabelecida em 1870 por Pedro Penteado, então presidente do Banco Industrial de Amparo, teve suas terras dedicadas à produção de café, atingindo seu auge comercial na era da Política do Café com Leite – processo de alternância de poder entre os estados de Minas Gerais e São Paulo que consolidou o domínio das famílias mais abastadas da época. 

Em 1930, com o fim da República Oligárquica e os efeitos da crise de 1929, o café deixou de ser suficiente para a subsistência da fazenda, que precisou diversificar sua produção. Em 1940, sob nova administração – do casal de origem libanesa Caram José Matta e Zakie José Matta -, um alambique para a fabricação de cachaça foi construído. 

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Naquela época, embora continuasse gerando renda, a fazenda finalmente deixou de ser um estabelecimento comercial para se tornar um espaço da família, onde Paulo Rezende, neto de Caram e Zakie, criou memórias e prometeu criar os filhos um dia.  “Nos conhecemos em Minas Gerais. Ele administrava uma agropecuária e eu trabalhava no departamento financeiro de uma empresa. Namoramos, casamos e, quando eu engravidei, ele logo disse que queria voltar para Amparo para criar nossos filhos na fazenda”, conta Rosana, que apoiou o sonho do marido. Em 1995, Paulo cumpriu a promessa e teve o seu primeiro filho em terreno Atalaia. 

Para Rosana, a decisão de mudar completamente o estilo de vida era uma simples concessão em comum acordo com o companheiro. O que ela não imaginava, no entanto, era o quanto a sua presença seria importante para os próximos capítulos daquelas terras. “Eu sou filha de fazendeiro, mas jamais imaginei morar em uma fazenda. Quando chegamos em Amparo, Paulo focou na plantação de café – que ainda era vigente -, e eu pensei que precisava ter uma atividade também”, lembra. “Na época, o laticínio que coletava o leite que a fazenda produzia fechou, então tivemos que fazer algo com o leite que estava em nossas mãos naquele momento, para não desperdiçar. Foi assim que eu fiz o meu primeiro queijo.” 

Rosana não tinha grandes experiências como queijeira, mas bastou vasculhar melhor suas memórias para se lembrar do pai produzindo queijo para o consumo da família durante sua infância. “Éramos uma família grande. Meus pais tinham 10 filhos, então o queijo era para o consumo da casa. Mas, claro, como um bom mineiro, o que sobrava ele vendia”, brinca. “Eu sempre o acompanhava nesses momentos de produção. Ficava ao lado, incomodando e tocando no queijo. Lembranças boas, mas jamais imaginei que um dia faria igual.” 

Após o primeiro queijo produzido e degustado, Rosana decidiu que realmente não faria igual – na realidade, faria mais: o queijo se tornaria a sua atividade e, consequentemente, sua renda. “Minha sogra era muito conhecida na cidade por conta da fazenda, então eu fazia os queijos, colocava no porta-malas e saía oferecendo pelas ruas de Amparo, apresentando-me como Rosana da Atalaia.” A partir daí, a cozinha da casa virou um espaço de produção, que foi ficando cada vez mais movimentado à medida que os queijos iam se popularizando pela cidade. Em pouco tempo, começou a vender outros produtos também, como bolos e pães, até ser chamada para produzir cafés da manhã – ou da tarde – em eventos e hotéis. 

“Não foi nada planejado, mas as coisas foram tomando uma direção boa”, recorda. Enquanto isso, embora a fazenda tivesse um longo histórico com café, a plantação focada no commodity não estava mais gerando lucros satisfatórios. “Quando eu comecei a atividade do queijo, a fazenda produzia café e vendia leite, mas a mão de obra da plantação estava ficando muito cara. Minhas vendas evoluíram tanto que pudemos focar apenas na produção de queijos artesanais.” Desde o início dos anos 2000, foram as mãos de Rosana que moldaram a nova fase da Atalaia. 

NOVOS MERCADOS

Em 2001, já trabalhando juntos, Rosana e Paulo conseguiram aprovação da inspeção municipal e abriram um laticínio com espaço para produção de queijos na fazenda – era o fim da fabricação em larga escala na cozinha de casa. A partir daí, a queijeira começou a explorar novas receitas e diferentes ambientes, até descobrir uma rica herança do café bem na sua frente. “O terreno da fazenda tem uma tulha, um espaço onde as paredes são todas de taipa – com madeira e barro – e sem cimento algum, gerando um frescor natural. Era ali que o café ficava armazenado e onde decidimos maturar um dos nossos queijos”, conta Rosana. 

A maturação feita na antiga tulha de café deu um dulçor diferente ao produto, segundo ela. “Além da matéria-prima e da maturação, o ambiente refrigerado teve o seu impacto na produção, já que não era nem muito frio – como nas produções industrializadas -, e nem muito quente.” Em homenagem ao processo, a criação foi batizada de “Queijo Tulha”, e começou a conquistar os consumidores. “Em 2016, conseguimos colocá-lo à venda em um mercado em São Paulo. Foi então que o proprietário de uma queijaria se apaixonou pelo sabor e me fez um convite: ele seria jurado de um concurso na Espanha e queria levar o nosso queijo para concorrer.” 

A herança do café rendeu mais do que Rosana imaginava: após enviar a peça para a Europa, o “Queijo Tulha” se tornou o primeiro queijo artesanal brasileiro a conquistar uma medalha de ouro fora do país. “Foi a tulha que nos deu esse queijo de presente, proporcionando uma maturação com identidade única”, diz Rosana, que mal teve tempo de se emocionar com a conquista. Logo que a mídia ficou sabendo da premiação, ainda em 2016, a Fazenda Atalaia começou a receber uma onda de visitantes muito maior do que o convencional. 

“Os cidadãos locais nos visitavam para comprar os produtos, mas muitas pessoas de fora começaram a chegar naquela época”, lembra. “Tivemos que nos preparar para essa recepção. Foi aí que estruturamos um espaço de vendas, um tour guiado pela fazenda e a plataforma de e-commerce para atender à região. Começamos até a abrir para café da manhã e almoço. Hoje, entendemos que vender queijo não é o principal. Proporcionamos uma experiência.” 

UMA VISITA CULTURAL 

Durante a entrevista para a Elas Que Lucrem, sentada de costas para a janela, Rosana exalava a tranquilidade que é viver em meio à natureza – o barulho dos passarinhos cantando ao fundo fizeram parte do cenário. Nos últimos 26 anos, a Fazenda Atalaia virou lar e negócio, e nunca deixou a desejar em nenhum dos dois quesitos. “Meu Deus, a gente cresceu”, ressalta ela, olhando para toda a trajetória que percorreu. “Tem dia que eu olho os carros entrando e saindo e me surpreendo. Quando comecei, era eu que produzia e entregava. Hoje, estamos com uma equipe de 70 funcionários. Eu entregava os queijos em um Uno. Agora, temos cinco carros refrigerados. Não tinha geladeira para tanta produção, agora temos seis câmaras frias.” 

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Atualmente, os visitantes que chegam à fazenda podem assistir a essa história de camarote – e em tempo real. Aqueles que não dispensam uma volta ao passado, também têm lugar garantido. Meiri Cardoso, historiadora e mestre em história da arte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é guia da Fazenda Atalaia e destaca a importância da preservação histórica do local. “Meu trabalho é sensibilizar as pessoas de que essa história é nossa, de todos nós, não apenas de quem vive na fazenda. O Brasil viveu mais de meio século tendo o café como sua principal atividade, algo que impactou uma série de questões culturais e de desenvolvimento da nação. Traduzimos tudo isso durante a visita”, explica. 

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Estabelecida em 1870 por Pedro Penteado, então presidente do Banco Industrial de Amparo, a Fazenda Atalaia teve suas terras dedicadas à produção de café (Foto: Divulgação)

Na opinião de Rosana, a presença de Meiri também ajuda a explicar a mágica por trás da produção de queijos. “Uma coisa é ver o produto em uma gôndola. A outra é ver como tudo acontece: um queijo carregado de história, de um modo de vida”, revela. “Em contato com o nosso trabalho, as pessoas conhecem um pouco da nossa trajetória. Somos uma empresa familiar, que nasceu na cozinha de casa e hoje tem a capacidade de empregar pessoas da região.” 

Em busca das autorizações governamentais necessárias para vender o produto no restante do Brasil e no mundo inteiro, Rosana enxerga um longo caminho pela frente. E a chance de continuar construindo essa história. Para ela, que um dia questionou se encontraria uma atividade para chamar de sua na fazenda, a produção de queijos se tornou muito mais do que um trabalho. É uma missão que já dura quase três décadas.

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