Dependência emocional entre pais e filhos: até que ponto isso é saudável?

Entenda mais sobre as consequências e a relação com o futuro de construções de parentalidade baseadas na dependência emocional
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A dependência emocional é algo que pode acontecer em todas as nossas relações interpessoais. Vemos muito em relacionamentos amorosos, desde um simples namoro até casamentos duradouros, mas, e quando ela acontece nas relações entre pais e filhos, será que há algo de tão errado nisso? E para aqueles que já se encontram em uma situação de dependência, e não se admiram nessa posição, será que é possível encontrar caminhos para reverter e encontrar um equilíbrio? 

Para esclarecer mais sobre o tema, pesquisamos alguns dos sinais que podem te ajudar a identificar se a sua relação com os seus filhos está nesse caminho, e também pedimos apoio de uma educadora parental para esclarecer como essa construção pode ser ressignificada. 

O que é dependência emocional? 

Para iniciarmos o tema, perguntamos para Claudia Mascarenhas Reis, paulistana de 47 anos, psicopedagoga e educadora parental, sobre o que é dependência emocional.

“Antes de definir a dependência emocional como algo negativo e danoso, eu considero muito importante destacar que a relação entre pais e filhos, principalmente na primeira infância, é uma relação de dependência afetiva, em que a criança realmente precisa do amor, da segurança e de todo o ambiente criado para que ela possa se desenvolver de maneira saudável, e, assim, avançar nos seus processos de autoconhecimento, autonomia.”.

Segundo ela, entender esse processo inicial sobre o tema nos ajuda a tirar aquela culpa e questionamento que todo pai e mãe acabam se fazendo nesses momentos, como “será que eu amei, me doei e me dei demais, e por isso o meu filho está assim?” 

De forma contundente Claudia responde: “Não, o amor dado nunca é demais, muitas vezes o que acontece é que durante os inúmeros processos de desenvolvimento e de aprendizados da criança, nós, pais, não percebemos as reais capacidades que os nossos filhos têm, então ao invés de nos colocarmos apenas como apoio para que ela crie a sua própria autonomia, segurança e independência, nós fazemos por eles, entregamos pronto e, consequentemente, os deixamos dependentes e até inseguros de si.”.   

Outro ponto importante nessa discussão é que muitos desses acontecimentos estão dentro do nosso cotidiano, e a repetição dessa ausência de encorajamento e autonomia, faz com que a criança quando longe dos pais, ou de seus cuidadores, se sinta incapaz de realizar coisas sozinhas. “E é aqui que temos um sinal de alerta. Uma mensagem de que estamos realmente caminhando para um um processo de dependência emocional prejudicial no processo de desenvolvimento dessa criança”, pontua. 

Adolescência  

Não é apenas na infância que essa relação de dependência perdura, ela pode seguir junto com esse indivíduo e, nesse aspecto, Claudia avalia que entre as principais dificuldades, já apresentadas na adolescência, temos a dificuldade para aceitar mudanças, tomadas de decisão e comunicação assertiva, além de uma complexidade para saber identificar os próprios sentimentos. 

“Conforme esse indivíduo cresce, ele ganha mais contato com o mundo externo, então essas “inabilidades” se tornam mais evidentes, e isso pode gerar sentimentos de raiva e de medo. Na adolescência é comum que haja uma busca por outras formas de suprir certas dependências que antes eram com os pais. Em cenários mais extremos e difíceis, pode inclusive haver uma busca por satisfação pessoal com comportamentos compulsivos e uso de drogas lícitas e ilícitas.”, afirma. 

Pais dependentes 

O outro lado da moeda é quando temos pais que são a fonte principal dessa dependência emocional em relação aos seus filhos. Ou seja, são eles que não conseguem abrir espaço para que os seus filhos construam as suas vidas, e que, nem sempre, eles farão parte das tomadas de decisões, escolhas, e até de programas de lazer no fim de semana. 

Nesse sentido, psicólogos indicam que pais com esse modelo de comportamento estão, na verdade, anulando os interesses dos próprios filhos em busca da autorrealização. 

Em geral, eles costumam agir de forma a querer gerenciar a vida pessoal e o futuro profissional do filho, não respeitam as decisões tomadas por eles, invadem a sua privacidade, não aceitam quando o filho tenta se desvincular dessa dependência emocional e criam um sentimento de culpa, são controladores e, em geral, narcisistas. 

Porém, se faz também importante lembrar que muitas vezes essa relação de dependência pode ser construída a partir de uma história de vida dessa família, de traumas inclusive. 

“Tive a oportunidade de vivenciar, como educadora parental, o caso de uma avó que superprotegia a sua neta, pois ela precisou assumir os cuidados principais dessa criança juntamente com o pai, devido a morte da mãe. Era a forma dela de oferecer carinho e conforto dentro de uma situação traumática para todos os envolvidos. Então, é importante dizer que a dependência emocional sempre tem os dois lados, e afeta filhos e pais. Tratar essa questão envolve olhar para a família como um todo. A rede de apoio precisa estar ciente desse processo e a família estar aberta para rever conceitos.”, completa Claudia.

Mudança de comportamento 

Avaliando os dois cenários e considerando que há muitas questões emocionais envolvidas em ambos os processos, parece até difícil visualizar uma saída para reverter essas situações. Porém, Cláudia explica que há formas: “Quando há uma mudança na visão sobre o relacionamento, dos filhos e dos pais, essa nova perspectiva permite que a dinâmica se altere. É fácil? Não, é preciso esforço e dedicação. É possível.”

Em crianças, Claudia pontua que é preciso envolver toda a rede de apoio e de cuidados da criança, como escola, outros adultos cuidadores, como avós, tios e babás, para que eles possam contribuir para identificar quando esses momentos de dependência se manifestam.

“É importante compreender as causas desse comportamento e, por isso, muitas vezes, isso acaba envolvendo uma mudança de atitude no âmbito familiar. Então, promover uma rede de apoio à criança, em que ela se sinta segura e amada, e ao mesmo tempo encorajada, é um outro passo muito importante.”, complementa. 

Em determinados casos, ter uma ajuda profissional pode facilitar esse processo. “Apoio psicológico, psicopedagógico, em parceria com educadores parentais, orientarão a família com foco em práticas para transformar o dia a dia das crianças. A ideia é promover um espaço aberto para novas oportunidades de ação, e a criança conseguir atuar de forma segura, para acertar, errar, se frustrar e se reinventar.”, afirma. 

Por fim, lembrar que os espaços de diálogo em uma família é o que faz a gente ressignificar as nossas relações e combinados. “Os filhos e os pais podem compreender que todos estarão sempre ali, para o que precisarem e até quando não precisarem mais. Que o amor e a parceria sempre vão existir, e que isso pode ser feito de uma forma harmoniosa e saudável.”, finaliza.

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