Oferta hostil: será esse o caminho para a Azul controlar a Latam?

O impacto da pandemia nas finanças das companhias deu lugar a um movimento de fusões e aquisições que nem sempre são feitas de maneira amistosa
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Os impactos causados pela pandemia de Covid-19 nas finanças das companhias mundo afora deram espaço a um grande movimento de redefinição de setores da economia e intensificou a tendência de concentração de mercados.

Isso quer dizer que os fortes sobreviveram às turbulências da crise e, agora, aproveitam para eliminar a concorrência por meio de fusões e aquisições. Em alguns casos, até adotam a estratégia da aquisição hostil: quando uma empresa é comprada sem o consentimento de seus principais acionistas.

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No início deste mês, a companhia aérea brasileira Azul adotou um tom mais agressivo nos planos de compra da chilena Latam, que passa por um processo judicial de reestruturação financeira.

Se antes a Azul anunciava publicamente o interesse de aquisição apenas da operação da Latam no Brasil, agora passou a considerar a compra de toda a companhia.

Segundo notícia da Reuters, David Neeleman, fundador e presidente da aérea brasileira, disse à imprensa chilena que está pronto para fazer uma oferta caso os credores da Latam não cheguem a um acordo para um plano de reestruturação.

“Nós sabemos exatamente o que vamos oferecer”, afirmou Neeleman na entrevista. Ele faz referência ao prazo apertado da Latam – até 23 de novembro – para fechar o acordo com os credores. A Azul só poderá fazer uma oferta de compra da rival caso este prazo não seja cumprido.

“Compraríamos todo o ativo. Acredito que o grupo tem muito valor e não estamos pensando em cindir ou vender divisões”, declarou o executivo. A Latam, por sua vez, sempre demonstrou rejeição às intenções da Azul.

Em agosto deste ano, as duas empresas decidiram encerrar um acordo de codeshare – quando ambas comercializam um mesmo voo.

Afinal, o que é uma oferta hostil?

A economista Cristiane Mancini explica que uma oferta hostil ocorre quando as empresas não negociam a venda ou compra. A operação tem esse nome porque não é solicitada ou previamente conhecida pelo conselho de administração da empresa alvo da aquisição. Como o negócio é anunciado publicamente, também recebe o nome de OPA – oferta pública de aquisição – e é válido para todos os acionistas da empresa. “Uma OPA é sempre anunciada de forma bastante transparente e o objetivo é justamente controlar uma companhia”, afirma a especialista.

Ela lembra que as ofertas hostis fazem parte de um grupo maior de negócios conhecido no mercado financeiro como “take over”, ou seja, qualquer compra de empresa por meio de ações na bolsa de valores. “O interessante é que esta aquisição também pode ser um pouco mais amigável, mesmo sendo uma oferta hostil, quando vai ao encontro de uma negociação ganha-ganha e as duas partes saem satisfeitas”, explica.

A OPA exige uma série de condições estabelecidas por lei e autorizadas por entidades regulatórias, a exemplo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “A partir do momento que o órgão regulador é avisado sobre a OPA, ele suspende a negociação com as ações e isso significa que o preço não vai subir ou cair com o negócio.”

A economista lembra dois exemplos deste tipo de aquisição: um caso mais amigável foi a aquisição da The Body Shop pela Natura, em 2017. Outro, mais hostil, envolveu a Netflix, que passou por uma tentativa de take over quando gigantes do setor de tecnologia, como Amazon, Apple e Microsoft, especularam sobre a possibilidade de comprar a companhia em 2012. “A Netflix, então, usou mecanismos conhecidos por “poison pill” – pílula de veneno em inglês – para se proteger contra as possíveis ofertas hostis”, lembra Cristiane. No caso, uma das poison pill da Netflix estava no estatuto da empresa que não permitia a qualquer investidor pessoa física ter 10% ou mais de ações da companhia. No caso dos investidores institucionais, esse limite era de 20%. 

O bicho “pega” via mercado de ações

Depois de meses de análises e contestações, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a concentração de empresas nos setores da economia, só aprovou em definitivo, no último dia 20 de outubro, a compra de ações da BRF pela Marfrig via bolsa de valores. A operação causou grande polêmica no mundo dos negócios brasileiro.

Sem fazer barulho, o empresário controlador da Marfrig, Marcos Molina, comprou ações da companhia concorrente diretamente dos fundos Petros e Previ, que tinham fatias representativas na BRF. O banco J.P. Morgan coordenou a operação para a Marfrig.

Entre uma operação e outra na bolsa de valores brasileira e sem o consentimento direto da direção ou do conselho administrativo da BRF, a Marfrig abocanhou uma participação de 31,67%, tornando-se a maior acionista da companhia.

Dois anos atrás, Marcos Molina havia tentado comprar uma participação na BRF, mas as negociações não avançaram na época. O controverso empresário também já tentou comprar uma fatia de 25% do frigorífico Minerva da família Queiroz, controladora da empresa.

Molina ainda é acusado pela CVM por insider trading, crime caracterizado pelo uso de informações privilegiadas para operar ações na bolsa.

O custo-oportunidade

A própria BRF é resultado de uma aquisição hostil da Sadia pela Perdigão, num momento de custo-oportunidade. A operação ocorreu depois de perdas excepcionais da Sadia em operações financeiras com derivativos de dólar por causa de oscilações bruscas do câmbio, em 2009, durante a crise financeira global desencadeada pelas hipotecas subprime nos Estados Unidos.

O erro de gestão da Sadia virou um case no mundo dos negócios sobre o risco para empresas que se alavancam, ou seja, ficam endividadas em operações do mercado financeiro, e esperam mais receita com rendimentos do que com as vendas em sua principal atividade.

Anos depois, em 2018, a Energisa tentou comprar a Eletropaulo com uma oferta de R$ 19,38 por ação, mas não teve êxito. Em seguida, a Enel fechou negócio com uma oferta de R$ 45,22 por ação em uma operação de R$ 5,55 bilhões.

Outro exemplo ocorreu no ano passado, quando acionistas da Tecnisa rejeitaram uma proposta de fusão da Gafisa feita diretamente a eles, ainda sem o conhecimento por parte do conselho de administração da construtora.

Luciene Miranda é repórter especial na Elas Que Lucrem

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