O fim de uma era: como Angela Merkel atravessou graves crises e consolidou sua popularidade

Após 16 anos, chanceler deixa o poder na Alemanha como uma das líderes mais longevas da história contemporânea
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Angela Merkel se prepara para deixar o cargo de chanceler. (Foto: Michele Tantussi/Reuters)

Depois de atuar por 16 anos como chanceler da Alemanha em quatro mandatos consecutivos, Angela Merkel, uma das mais influentes líderes mundiais, está deixando o posto no país mais poderoso da União Europeia. Aos 67 anos,  a “Mutti” (“Mamãe”, em alemão), como é chamada pela população local, decidiu não concorrer a um quinto mandato, mesmo sem nenhum impedimento legal.

“Eu não vou buscar nenhum posto político depois que meu mandato acabar”, disse em entrevista coletiva. “Chegou a hora de abrir um novo capítulo”, acrescentou a primeira mulher a comandar a Alemanha.

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Merkel integra o grupo dos dirigentes mais longevos da Europa na história contemporânea. A revista “Forbes” a elegeu por dez vezes a mulher mais poderosa do mundo e outras duas como a pessoa mais poderosa do mundo. A alemã, nascida em Hamburgo, foi a única mulher a conseguir o feito. Em 2015, também foi escolhida pela “Time” como a pessoa do ano.

“Os líderes são testados apenas quando as pessoas não querem segui-los. Por pedir mais de seu país do que a maioria dos políticos ousaria, por permanecer firme contra a tirania, bem como a conveniência, e por garantir liderança moral inabalável em um mundo onde ela é escassa, Angela Merkel é a personalidade do ano da Time”, justificou a revista na ocasião.

Ontem (26), os alemães foram às urnas para decidir o futuro do país, num movimento que marca o fim de uma era. O resultado oficial sobre quem governará a maior economia da Europa ainda deve levar semanas para ser divulgado.

Ao longo de seus quatro mandatos, Merkel foi vista por muitos como um símbolo de estabilidade em meio a crises econômicas, políticas e humanitárias. Ela enfrentou a crise financeira em 2008, a instabilidade da União Europeia com o Brexit, uma onda migratória em 2015 e a pandemia de Covid-19. Apesar de sua popularidade ter oscilado ao longo do tempo, a líder foi conseguindo se consolidar no poder ano após ano. 

Para ter uma ideia do que isso representa em números, no auge do combate à pandemia na Europa, especificamente em janeiro, o índice de aprovação dos alemães com o governo era de 75%. Agora, é de 67%. A chanceler também é responsável pelos bons números do país, como a redução na taxa de desemprego, de 11,2% para apenas 5,7%.

Chegada ao poder

Angela Merkel nasceu no dia 17 de julho de 1954, em Hamburgo, na então Alemanha Ocidental. Na época, seu nome era Angela Kasner e, com apenas três meses, mudou-se para o lado oriental do país para que o pai assumisse um cargo de pastor em Perleberg. 

Estudou Física e concluiu um doutorado em Química Quântica em 1978. Os registros históricos da vida da chanceler mostram que ela era uma cristã dedicada e, por ter sido criada num ambiente comunista, optou por também aprender russo, idioma que na época era associado ao movimento.

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Aos 23 anos, casou-se com Ulrich Merkel, um colega de universidade que lhe deu o sobrenome que ela usa até os dias de hoje e pelo qual é mundialmente conhecida. Após quatro anos, eles se divorciaram. Em 1984, casou-se novamente, desta vez com o físico Joachim Sauer, com quem vive até hoje. Eles nunca tiveram filhos.

O início da trajetória política se deu logo após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Merkel foi a porta-voz do governo alemão-oriental, após a realização de eleições democráticas. Também integrou o partido governista conservador CDU (União Democrata Cristã0 e ocupou os cargos de ministra das Mulheres e da Juventude (1991 a 1994) e do Meio Ambiente (1994 a 1998).

Em 2005, tornou-se primeira-ministra da Alemanha – a primeira mulher e a pessoa mais jovem a conquistar o cargo, aos 51 anos. “Este é um forte sinal para as mulheres e, certamente, para alguns homens”, disse o então presidente do Parlamento alemão, Norbert Lammert, ao anunciar o resultado da votação para os parlamentares.

Em setembro de 2009, Merkel venceu pela segunda vez a disputa pelo cargo de chanceler e, em 17 de dezembro de 2013, a terceira vitória foi conquistada com a maioria absoluta dos votos. Em 2017, Angela Merkel e os conservadores alemães também ganharam as eleições.

Especialista em crises

A influência da chanceler foi tão marcante que o seu sobrenome virou verbo na Alemanha. “Merkel”, usado informalmente como “zu merkeln, significa algo como hesitar e ser passivo. Isso porque, mesmo em situações muito difíceis, ela nunca abandonou o jeito cuidadoso de governar, mantendo uma postura mais sóbria, o que a ajudou em negociações importantes. 

Apesar da popularidade, há quem a considere pouco carismática e dona de discursos fracos. Dados da Alemanha revelam que entre 2009 e 2013, a presença dos eleitores nas urnas atingiu mínimas históricas desde a fundação da República Alemã, em torno de 70%. O voto no país não é obrigatório.

No entanto, a política de Merkel de combate à Covid-19 foi elogiada como uma das melhores do mundo.

Outro feito celebrado em seus 16 anos à frente do comando do país foi o compromisso de eliminar todas as 17 usinas nucleares da Alemanha até 2022. Em 2011, após o tsunami no Pacífico e o desastre nuclear em Fukushima, no Japão, Merkel anunciou a decisão. Agora, o país vê um crescente aumento no uso de energia renovável. No ano passado, 46% da energia utilizada no país veio dessa fonte.

Merkel também teve que lidar com a crise financeira de 2008. Ela conseguiu costurar a política de socorro aos países da União Europeia e, naquele momento, foi a principal negociadora, contribuindo para que a Grécia, com a economia em seu pior momento, deixasse o bloco.

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Em 2015, a Europa passava por uma crise migratória, a mais grave desde a Segunda Guerra Mundial, em função dos conflitos na Síria. Ao contrário do que muitos esperavam como resposta, Merkel mudou as regras migratórias e adotou uma política de “portas abertas”. Com isso, a Alemanha foi o país que recebeu o maior número de pessoas do continente: 476 mil pedidos de asilo em 2015 ou 36,6% do total de 1,3 milhão, segundo dados da Eurostat. 

A decisão trouxe dificuldades para a chanceler, que sofreu críticas de setores conservadores da população e de seu próprio partido.

“Ela aprendeu a se afirmar em um ambiente masculino e talvez, às vezes, a representar um pouco a posição da mulher. Mas ela nunca se propôs a ser realmente uma lutadora pelas mulheres”, diz a biógrafa de Merkel Jacqueline Boysen.

Já perto do fim do seu governo, no início de setembro, Angela Merkel se declarou feminista pela primeira vez. Ela afirmou que o princípio do feminismo consiste em dizer que homens e mulheres são iguais na participação na sociedade, e que nesse sentido agora pode dizer que é feminista. “Parece que já teve até gente se perguntando por aí se um homem também poderia concorrer ao cargo”, brincou, durante uma cerimônia em 2018 em memória aos 100 anos do sufrágio feminino.

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