Conheça Ágnes Souza, a escritora de “Pouso”, livro de poesias com temática LGBTQIAP+

Nordestina, poetisa fala sobre as dificuldades de viver dos versos, publicar obras no Brasil e conciliar tudo com a sala de aula
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Conheça Ágnes Souza, a escritora de “Pouso”, livro de poesias com temática LGBTQIAP+
Pernambucana, Ágnes Souza publicou dois livros nos últimos anos, “Re-cordis” e “Pouso” (Foto: Beatriz Aguiar)

Professora de formação. Escritora de coração. Desde pequena, a escrita acompanhava Ágnes Souza, uma criança muito tímida. Por isso, sua forma de se comunicar era por meio do desenho, da leitura e das “historinhas” que escrevia. “Mas não sei o momento exato em que parei pra começar a escrever poesia. Algumas pessoas têm esse recorte, um momento específico quando as coisas começam. No meu caso, quando me dei por mim, já tinha um material e comecei a organizá-lo”, conta a escritora. 

A pernambucana, que atualmente também está no processo de doutorado, publicou dois livros nos últimos anos. Em 2016, graças a um financiamento coletivo, Ágnes conseguiu publicar sua obra de estreia pela Editora Moinhos, que na época estava nascendo no mercado literário, assim como ela. “Re-cordis” não circulou tanto quanto seu segundo livro, “Pouso”, lançado em 2020. “Dizem que a gente não pode falar isso, mas, pessoalmente, eu gosto mais de ‘Pouso’. Ele gera uma identificação maior com as pessoas porque foi pensado especificamente para um público LGBTQIAP+, principalmente de mulheres.”

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Segundo Ágnes, o boca a boca acabou gerando uma divulgação orgânica. “Algumas pessoas do meio literário leram e divulgaram, e isso ajuda demais quando a gente não tem um sobrenome e um público fixo”, conta. Para ela, esse processo tem sido muito importante, principalmente pela visibilidade de mulheres nordestinas negras na literatura. 

Ser nordestina, e escrever em “nordestino”. Ágnes não deixou de lado suas raízes quando passou a escrever poesia, mas foram justamente elas que dificultaram ainda mais um processo que já é difícil no Brasil: publicar um livro. “Uma barreira que eu enfrentei foi a concentração de editoras no Sul e no Sudeste, tanto que a Editora Moinhos, pela qual publiquei meus dois livros, não é daqui do Nordeste”, explica. 

Essa realidade se choca com outra: das dez capitais com maior público leitor, cinco são nordestinas, de acordo com pesquisa mais recente do Instituto Pró-Livro, divulgada em 2019.

“No fim, as editoras acabam procurando autores sulistas e sudestinos. Já no meu caso, por ser uma escritora do Nordeste, tive que fazer o movimento contrário e ir atrás de alguma editora para tentar publicar meu livro”, lembra.

E engana-se quem acredita que a editora ser ou não do Nordeste não faz diferença. Ágnes explica que o endereço da editora impacta diretamente na edição do livro. “Na poesia, principalmente, a gente cita muitos aspectos da nossa cultura. Se a gente pega um editor ou editora que não tem contato com o modo como falamos aqui, nossas coloquialidades e a maneira como usamos determinadas expressões, o processo de edição do próprio livro pode ficar complicado”, explica Ágnes. 

Conheça Ágnes Souza, a escritora de “Pouso”, livro de poesias com temática LGBTQIAP+
Capa de “Pouso”, publicado em 2020 pela Editora Moinhos (Foto: Divulgação)

E não foi apenas como nordestina que ela enfrentou barreiras, mas também como mulher. Ágnes ainda sente que há obstáculos, principalmente na poesia, por onde se aventura, para escritoras do gênero feminino. “Apesar de estarmos em 2022, ainda há dificuldade de publicar um livro sendo mulher”, relata. Um estudo da professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, mostra que, entre 1990 e 2014, apenas 30% de todos os livros nacionais publicados no país pelas grandes editoras eram assinados por mulheres. 

Mesmo assim, algumas barreiras parecem estar sendo transpostas. Ágnes conta que, apesar de ficar receosa com a publicação de um livro LGBTQIAP+ em meio a um governo fechado para essas questões, a temática de “Pouso” foi bem aceita. “Já na dedicatória do livro eu deixo bem claro. Então, quem pegá-lo para ler não vai ter nenhuma surpresa.”

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E, por fazer parte de sua vida, esse era um assunto que Ágnes sempre quis tratar em seus versos, mas que não havia encontrado um caminho de escrita para falar até a organização da obra. “No processo de feitura do livro eu consegui deixar isso claro: que é um livro atravessado pela temática LGBTQIAP+.” 

E seus processos de produção de um livro são raramente programados. Seu quarto é cheio de cadernos e folhas espalhadas com rascunhos desorganizados de seus versos. Por isso, Ágnes conta que suas inspirações podem vir das situações mais improváveis, como a legenda de uma foto no Instagram. “Às vezes, estou vendo uma série, tomando banho ou saindo pra comprar pão e vem alguma coisa na minha cabeça. Eu fico repetindo até chegar em casa e escrevo. Não é o que eu gostaria, facilitaria muito minha vida se eu fosse organizada, mas é assim”, explica, rindo. 

Seus horários também não são os mais favoráveis para um processo de escrita organizado. Entre um verso e outro, Ágnes é professora na rede estadual de Pernambuco. Formada em letras, ela ensina a seus alunos do primeiro ano do ensino médio, dentre outras coisas, a arte da poesia. Mas ainda que gratificante, a sala de aula exige mais do que Ágnes gostaria, e suas rimas geralmente ficam para depois. “A vida profissional demanda muito, principalmente agora na pandemia e na rede estadual, onde os alunos sofrem mais para manter os estudos”, diz. 

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Entre versos, Ágnes Souza é professora da rede estadual de Pernambuco (Foto: Beatriz Aguiar)

E é desse cenário que Ágnes tira sua renda principal. Não é dos livros, nem de sua escrita. Para ela, ainda é muito difícil viver da literatura, principalmente das rimas, no Brasil. “Eu queria muito que esse momento chegasse para mim. Espero que um dia chegue. Mas às vezes dá um cansaço, sabe? Por que você escreve, edita, procura editora, publica em revista, publica em revista eletrônica, manda projeto para edital… Estou sempre nessa procura. É possível [viver da escrita], mas uma soma de vários aspectos torna isso bem complicado no Brasil. Infelizmente, ainda não me vejo tão perto dessa possibilidade”, lamenta. 

Mas será que toda essa busca vale a pena? Para Fernando Pessoa, tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Para Ágnes, a pandemia nos mostrou uma coisa: não conseguimos viver sem arte. “A cultura é muito importante para o desenvolvimento. A leitura, inclusive, tem o aspecto de desenvolvimento cognitivo. Se tem uma coisa que a literatura nos mostrou nesses últimos tempos, é que ela é uma válvula de escape. É o que nos mantém vivos.”

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