“Quando viajam, as mulheres ultrapassam fronteiras físicas e internas”, diz fundadora da WomanTrip

Criada pelas irmãs Dandara e Larissa Degon, agência de turismo exclusivamente feminina monta roteiros sob uma nova perspectiva
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As irmãs Dandara e Larissa Degon são fundadoras da WomanTrip, fórum sobre viagens que se consolidou como a primeira agência de turismo para mulheres (Foto: Arquivo Pessoal/ Larissa Degon)

Em 1962, se uma mulher quisesse trabalhar fora de casa, abrir conta em um banco, ter um comércio ou viajar, precisava pedir autorização ao marido. O Código Civil de 1916, que impunha tais condições, entendia que mulheres casadas eram consideradas “incapazes”.

Ainda hoje, quase seis décadas depois, uma mulher que viaja sozinha precisa enfrentar uma série de desafios e encarar um tabu que ainda cerca essa prática. “Viajar desacompanhada só se torna um problema quando você é mulher”, desabafa Larissa Degon. Sua irmã Dandara completa: “Quando um homem viaja sozinho, ele não dá atenção às mesmas coisas que uma mulher. A gente sempre se pergunta: será que a hospedagem está localizada numa região segura? Até que horas eu posso ficar na rua? Eu, como mulher, posso entrar nesse país?”. 

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Graças a uma experiência desagradável de Dandara durante uma viagem solo, as irmãs mineiras decidiram fundar, em 2014, a WomanTrip, um fórum para mulheres viajantes. “O nosso objetivo inicial era criar um local seguro para que mulheres pudessem trocar informações, dicas, marcar viagens entre elas. Uma vez formada essa comunidade, foi muito natural que surgisse também a demanda para que nós viabilizássemos essas viagens”, conta Dandara. 

Foi assim que, quatro anos mais tarde, a WomanTrip se consolidou como uma agência de viagens exclusivamente para o público feminino. “O nosso propósito não mudou, mas com a agência a gente conseguiu torná-lo mais palpável”, explica Larissa. 

As empreendedoras contam ter percebido um aumento no número de mulheres viajando  sozinhas desde 2014. “Claro que somos apenas um grãozinho de areia nessa praia, mas acho que a WomanTrip fez uma diferença nesse cenário”, diz Larissa. E, de fato, as viagens de turistas desacompanhadas aumentaram nos últimos anos. 

Um estudo da traveltech MaxMilhas aponta um crescimento de 8% no número de mulheres que compraram passagens aéreas sem acompanhante para o Carnaval de 2020 em relação ao ano anterior. Além disso, a Associação Brasileira de Intercâmbio mostrou que 60% dos brasileiros que querem fazer intercâmbio são mulheres e a maioria delas prefere viver a experiência sozinha. O Ministério do Turismo também possui dados que corroboram esse movimento: o índice de mulheres que desejam viajar desacompanhadas (17,8%) é maior do que o de homens (11,8%). 

E os fatores que estimulam as viagens que Larissa e Dandara proporcionam se repetem com frequência. “A questão da companhia geralmente aparece, seja a falta dela ou o desejo de fazer uma viagem com outras mulheres, porque assim elas se sentem mais seguras”, aponta Dandara. 

Mas mesmo com esse aumento de procura, as fundadoras da WomanTrip sentiram uma resistência, principalmente do mercado, quando começaram a se consolidar como agência. “Ouvimos muitos questionamentos sobre o negócio ser exclusivo para mulheres, como se estivéssemos fazendo alguma diferenciação. Na época, até pensamos em não seguir com o projeto, mas quando os feedbacks das clientes começaram a chegar, entendemos que tínhamos que continuar”, conta Dandara. 

Ainda assim, elas sentem alguma oposição. “O mercado e o empreendedorismo ainda são universos machistas. Muitos dizem que precisamos de investidores homens para termos uma empresa mais diversa. Não vejo o mesmo acontecer na maior parte das empresas lideradas apenas por homens.” 

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Atualmente, a comunidade virtual possui mais de 50 mil cadastros, enquanto a agência já foi responsável pela organização de mais de 25 viagens em grupo para diversos lugares do Brasil e do mundo, feitas com um guia local e uma acompanhante da WomanTrip.

Olhos de cigana oblíqua e dissimulada

Nas viagens, assim como na maioria dos segmentos da sociedade, o olhar masculino é quase uma imposição. Para as empreendedoras, é preciso mudar essa narrativa, pensando em roteiros construídos para as mulheres. Hoje, além de oferecer informações seguras, um dos principais objetivos do fórum, elas oferecem viagens pensadas sob a ótica feminina, do roteiro à companhia e hospedagem. 

E pensar dessa forma significa incluir na viagem as mulheres que impactaram a história do destino: trocar um pintor por uma pintora, um poeta por uma poetisa, olhar para o lugar com os olhos de uma mulher, de cigana oblíqua e dissimulada. “É preciso estar atenta para conseguir enxergar essas nuances, do que é a visão masculina sobre o mundo e sobre a viagem. Quando a gente pensa em um roteiro no Chile, por exemplo, em vez dos museus de Pablo Neruda, temos que lembrar dos museus de Gabriela Mistral e Violeta Parra, duas grandes poetisas chilenas”, explica conta Dandara. 

Segundo ela, outra questão a ser considerada é que as mulheres têm grande interferência  junto à comunidade, na formação cultural de um lugar. Dandara explica que isso faz, inclusive, com que a segurança de um espaço seja medida pela presença de mulheres e crianças em um local.

A viagem entre mulheres é, além de tudo, uma forma de acabar com essa divisão imposta à sociedade. “Quem disse que muita mulher junto não dá certo?,” questiona Dandara. Para viajar, uma mulher ultrapassa, nas palavras de Larissa, fronteiras físicas e internas. E para isso, é necessário coragem. 

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