Maternidade compulsória: o que nos faz precisar ser mães, mesmo sem querer

Assim como a carreira, o parceiro, o local onde morar, a maternidade também é uma escolha, não uma obrigação. E precisa ser olhada como tal
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“Eu não estou grávida, estou farta”. Foi assim que Jennifer Aniston começou seu grande ‘texto-desabafo’ em uma coluna que escreveu para o HuffPost USA. Para as mídias americanas, afinal, a atriz tinha tudo para ter a história perfeita e o tão esperado ‘final feliz’ dos filmes que fazia, na vida real também. O que faltava para conquistá-lo? Para boa parte dos tablóides da época: ser mãe.

Falar ‘da época’, neste caso, pode parecer até mesmo um exagero. O texto publicado pela atriz, afinal, foi ao ar em 2016, o que, convenhamos, foi ontem! Nele, ela desabafa justamente sobre essa questão: por que, para mulheres, existe sempre essa pressão constante para a maternidade? Como se, aos poucos, transformássemos o ser mãe em uma necessidade, não um desejo.

No Brasil, essa pressão tem nome: maternidade compulsória. O termo reflete justamente nessa necessidade do maternar, na pressão externa que mulheres sofrem para ser mães, principalmente quanto mais velhas. É quase como se nosso ‘final feliz’ da vida real só existisse se seguíssemos os roteiros dos filmes: crescer, namorar, casar, ter filhos e, aí sim, ser feliz para sempre. Mas nem sempre esse é o caso para todas as mulheres.

Vale ressaltar que não estamos dizendo que essa fórmula prescrita não é capaz de trazer a felicidade que todos sonham. Muito pelo contrário, ela pode sim se transformar em uma vida de realizações. Mas essa não é a única possibilidade. E, se feito de maneira errônea, o final feliz pode se transformar, talvez, em um plot de filme de terror.

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Para Telma Abrahão, biomédica, especialista em neurociência do desenvolvimento infantil, idealizadora da Educação Neuroconsciente e autora dos best-seller’s “Pais que Evoluem” e “Educar é um ato de amor, mas também é ciência”, essa pressão pelo maternar vem não só da sociedade num geral, mas como do biológico. “A mulher não vai poder ser mãe em qualquer idade como um homem, por exemplo, então ela tem realmente essa questão de ter que decidir em algum momento”, explica.

“Mas o mais importante é escolhermos ser mãe pelos motivos certos, ser mãe porque deseja cuidar, amar e se dedicar a um outro ser humano. E para cuidar do outro precisa existir, principalmente, disponibilidade emocional. E não pelos motivos errados, como por exemplo: a amiga falou que tem que ter, porque você quer ter um filho para cuidar de você na velhice, ou porque você sente que se não tiver um filho as pessoas vão te julgar. Esses são motivos errados para colocar um ser humano no mundo”, reforça.

O peso de uma vida

Sim, ter um filho pode (e vai ser) algo mágico, quando no tempo certo. Entrar no caminho da maternidade pelos motivos errados, como os citados por Telma, no entanto, pode acarretar em uma série de problemas, tanto para a mãe quanto para o filho.

“Hoje os estudos científicos mostram o quanto o desenvolvimento do cérebro, do sistema nervoso humano, desde o ventre, impactam o nosso desenvolvimento e comportamento. Um bebê que é rejeitado dentro da barriga sente isso e vai refletir mais tarde na vida dele. É importante que esse bebê seja gerado com amor, com afeto, com vontade da mulher de se tornar mãe”, explica a biomédica.

Por parte da mãe, por outro lado, a especialista na área explica que os prejuízos também podem chegar. Afinal, a maternidade é repleta de desafios e, quando eles começam a aparecer após uma gravidez indesejada, a mulher pode vir a se arrepender do que aconteceu e entrar em uma possível depressão. 

Uma maternidade compulsória, no entanto, “traz malefícios, porque primeiro que a criança sente essa rejeição e segundo que a mãe começa a se martirizar, ‘puxa vida eu não queria ser mãe’, ‘meu Deus por que que eu fui fazer isso’ e o filho é um caminho sem volta. Não é algo passageiro, pois dura o resto da vida, então realmente precisa ser uma decisão madura, consciente e feita com um real desejo, mas sabemos que nem sempre é assim que acontece”, aponta Telma Abrahão.

“Nós determinamos nosso próprio ‘e viveu feliz para sempre’”

Essa frase é mais uma dos grandes desabafos de Jennifer Aniston sobre a decisão de não ter filhos e as pressões que sofreu ao longo da vida por isso. Afinal, como a própria atriz reiterou, quem garante que um filho é a fórmula para a felicidade?

Muito pelo contrário, como explicado por Telma Abrahão, quando vindo pelos motivos errados, uma criança pode fazer o oposto de trazer o ‘feliz para sempre’. E isso impacta não só a vida da família, como a do bebê. 

Mas, claro, não estamos em um mundo perfeito e cor-de-rosa. Ou seja: tudo que destoa do roteiro previsto pela sociedade, gera julgamentos. Mas, afinal, quem nunca foi julgado por algo?

“Deveríamos ficar em paz e confiar em nossas próprias escolhas, mas nem sempre fomos educados para ouvir nossa própria voz. A maioria de nós viemos de uma educação em que aprendemos a fazer o que o outro queria para nos sentirmos amados. “Faz o que eu estou mandando, senão vai apanhar”. E esse tipo de educação nos distancia de nossa verdade e nos coloca atentos a opinião alheia, mais do que a nossa própria opinião”, diz a autora dos best-sellers “Pais que Evoluem” e “Educar é um ato de amor, mas também é ciência” 

“Tomar decisões exige boa autoestima e um alto senso de capacidade que deve ser treinado desde a infância. O problema é que lá na infância, a maioria das mulheres não foram criadas para ter voz, para se posicionar e ter vontade própria e isso também reflete muito também nessa falta de firmeza para decidir e se posicionar com frases como “Eu não quero ser mãe, estou bem com isso”. Tem pessoas que realmente não querem e estão super em paz com essa decisão. Mais importante do que se preocupar com o que os outros vão achar, é entender qual é a sua verdade, o que realmente faz sentido para você. Quando você tem um filho, ele é sua responsabilidade e não do outro. A opinião que realmente precisa importar é a nossa como mãe, mulher e ser humano”.

Para a felicidade, não existem fórmulas

Ah, que bom seria se os roteiros criados na nossa mentalidade coletiva fossem segredo para uma vida de sucesso e felicidade. Mas, infelizmente, todos  nós sabemos que não é assim. Um casamento não é o segredo para o final feliz, filhos também não. O segredo talvez seja aprender a tomar decisões baseadas na sua verdade e saber lidar com as consequências delas.

“O que acho muito importante é a mulher buscar entender os reais motivos que a levaram a não querer ter filhos: é um trauma de infância? É medo de repetir padrões? Não se sentir suficientemente madura? E buscar refletir sobre essas questões com perguntas como, ‘eu quero mudar isso? Eu quero trabalhar para mudar isso? Eu quero resolver esses traumas? Desejo quebrar esse padrão?’, porque isso também é possível”, aconselha Telma.

“Muitas vezes a mulher que decide não ser mãe, descobre mais tarde que  queria sim, estava traumatizada e agora não está mais, decide ter um bebê e aí já é tarde demais. Acho que para evitar esse sentimento de culpa os motivos de sua decisão devem estar muito claros”, completa.

Em suma, está tudo bem você querer seguir uma vida longe da maternidade e ser plenamente feliz com ela. E também está tudo bem querer criar uma nova ‘família Kardashian’, com várias crianças andando por aí. Desde que essa seja a decisão certa para você, baseada nas suas verdades, sonhos e vivências. Já diz Jennifer Aniston: “Estamos completas com ou sem marido, com ou sem filhos. Temos que decidir sozinhas o que é a beleza com relação aos nossos corpos. Essa é uma decisão que cabe unicamente a nós. Tomemos essa decisão por nós mesmas e pelas mulheres jovens deste mundo que nos veem como exemplos.“ 

Tomemos essa decisão de forma consciente, afastadas do ruído dos tabloides. Não precisamos estar casadas nem sermos mães para nos sentirmos completas. Nós determinamos o nosso próprio “e viveu feliz para sempre“.

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