Violência doméstica traz prejuízos para a mulher no mercado de trabalho

Esta realidade é muito mais comum do que imaginamos e afeta as mulheres em todas as classes sociais
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Elisabete* era formada em pedagogia e tinha tudo para desenvolver sua carreira de forma brilhante: era independente, comunicativa, tinha espírito de liderança e era segura de suas escolhas. Quando conheceu seu futuro marido, ele a convenceu a sair do seu trabalho para constituir família. Entrou em um ciclo de violência doméstica que durou mais de 10 anos e minou sua autoestima e perspectiva de futuro.

A realidade de Elisabete está longe de ser uma exceção: 27% das mulheres de 15 a 49 anos sofreram violência doméstica durante a vida, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em países menos desenvolvidos esse número pode ser ainda maior.

Após anos de abusos, ela finalmente conseguiu terminar o casamento. Porém, já estava “velha” para o mercado de trabalho e para conquistar posições com boa remuneração, além de ter uma filha que precisava dela no período contrário ao dos estudos, o que reduzia muito as possibilidades. “Consegui um emprego com um salário baixíssimo, faço um excelente trabalho, mas não tenho coragem de pedir reajuste salarial”, conta.

A falta de independência financeira é um grande empecilho para quebrar o ciclo de violência.

Marcela* estava prestes a ser promovida quando começou um relacionamento abusivo. Não só perdeu a promoção, como teve queda no rendimento e quase perdeu o emprego alguns meses depois. “A gente não percebe quando está dentro da situação, mas as pessoas à minha volta disseram que eu fui perdendo meu brilho, murchando. Lembro que eu chegava tão cansada às segundas-feiras, porque eram tantas brigas no final de semana, que eu não conseguia descansar nem me concentrar no trabalho”.

Percebendo a mudança, a gestora de Marcela recomendou que ela procurasse um psicólogo, que era conveniado com a empresa em que trabalhava. Ela começou a fazer terapia escondida do namorado, que não aceitava a mudança. Após alguns meses, ela conseguiu colocar um ponto final no relacionamento. “Foi um sofrimento enorme sair daquele lugar, mesmo ele me fazendo mal, parecia que eu estava em transe, não conseguia enxergar o quanto ele era tóxico”, explica.

Dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC (2003)) demonstram que cerca de 8 milhões de dias de trabalho remunerado são perdidos nos Estados Unidos por causa da violência doméstica e os custos dessa violência excedem US$ 5,8 bilhões por ano, incluindo gastos médicos, de saúde mental e perdas de produtividade.

No Brasil, o Instituto Maria da Penha e a Universidade Federal do Ceará (UFC) realizam uma pesquisa sobre as Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDFMulher). O relatório “evidencia como a violência doméstica afeta diretamente o contexto econômico e social das mulheres, das famílias e do País como um todo”.

De acordo com o relatório, “foi constatado que a submissão constante às agressões produz impactos negativos na capacidade laboral e na produtividade das mulheres, porque afeta a autonomia, a capacidade física e motora, a capacidade decisória, elevando o nível de stress e diminuindo a concentração. Além disso, as vítimas de violência doméstica intercalam períodos de curta duração de emprego com períodos de curta/longa duração de desemprego, o que prejudica o seu desenvolvimento profissional e reduz a sua renda. ”

O psicanalista Igor Capelatto explica que há prejuízo emocional, com bloqueio da criatividade, do raciocínio, das tomadas de decisões e das relações com os colegas de trabalho. “A profissional começa a duvidar de suas habilidades e competências, a sentir-se culpada pelos abusos sofridos ou ter baixa autoconfiança. O estado de alerta do medo é o de que aquilo que acontece na presença do agressor possa acontecer a todo instante – há uma perda do ambiente seguro, inclusive com a ideia de que no trabalho também possa acontecer”, diz.

 Segundo o psicanalista, esse estado de alerta gera a ansiedade de que uma hora do dia ela terá de voltar para a casa. “Com o psicológico prejudicado, a mente não para de pensar no agressor, na agressão, na violência e, portanto, não permite desvincular do medo. Não é possível se concentrar numa tarefa e realizar qualquer que seja o trabalho. Algumas vítimas de violência doméstica não dão conta nem de cuidar de sua higiene pessoal, param de tomar banho, escovar os dentes, de se arrumarem, de se alimentar, estagnam-se com o medo”, conta.

Para que os colegas e a empresa possam ajudar essa mulher, é necessário acolhimento.

“É importante que nos canais de comunicação da empresa sempre tenha mensagem de acolhimento, informações sobre denúncia e se a empresa puder oferecer acolhimento através de um serviço psicológico é interessante”, explica Laís Sellmer, psicóloga. “Acolhimento às vezes significa dar espaço para a pessoa que pode não querer abordar o assunto. Caso ela queira abordar, novamente tente não julgar, porque a vítima normalmente é culpabilizada pelo agressor”, explica Laís.

*Os nomes das vítimas de violência doméstica foram modificados para preservar sua identidade

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