Assédio não é normal e não pode ser aceito

Desmascarando a cruel realidade do assédio e porque ele não pode mais ser aceito
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Parece que faz anos em que era comum, ao caminhar pelos corredores de uma empresa, ouvir piadas sobre loiras, um chefe colocar as mãos no ombro de uma colaboradora, brincadeiras sobre a aparência física de uma pessoa. Mas o cenário faz parte de uma realidade não tão distante e ainda atinge muitos empregados.

Aos 43 anos de idade, a publicitária Mariana* vivenciou essa realidade nos primeiros anos como estagiária e por tempos depois. “Meu primeiro chefe, por volta de 2003, fazia comentários sobre minha aparência, sobre as cores das minhas unhas, meu corte de cabelo. Ele costumava me elogiar na frente dos outros, o que me deixava constrangida, mas nunca intervi. De certa forma, achava que era minha culpa, pois sempre ia arrumada e maquiada para o trabalho”.

No segundo emprego, já em uma grande empresa, achou que o cenário seria diferente, mas a única coisa que mudou foi que o assédio vinha da gerente de RH. “Quando engravidei, ela me colocou em uma sala e disse que conhecia uma outra moça que havia jogado a carreira no lixo para ser mãe jovem. Eu tinha 27 anos e saí chorando da sala. Obviamente fui demitida depois do fim da minha licença maternidade e também não fiz nada”. A publicitária diz que tem inúmeras histórias do tipo para contar, e que os assédios foram diminuindo com o passar do tempo. “Não sei se as pessoas ficaram mais conscientes, ou se, com a minha maturidade, elas entendem que não aceitamos qualquer coisa. Ou ambos os fatores, mas é notável que o que era aceitável antes, já não é mais”.

Igor Capelatto, psicanalista, diz que a pauta realmente mudou. “O assédio, as agressões, o bullying, a violência no trabalho, estão menores. Ainda que muita gente tenha receio de falar sobre, não é mais algo desamparado: hoje tem a justiça, leis, meios de proteção e defesa”, explica.

Assédio moral também é crime

A especialista em processamento de dados, Érica Martins, teve um chefe que zombava dela na frente de todos em reuniões nos anos 2000, quando tinha 20 e poucos anos. “Um dia estava chovendo e ele disse para eu sair da reunião e secar o carro dele começando por trás, para não ficar manchado. Havia mais de 20 pessoas na sala e todos riram. Não consigo imaginar esse cenário hoje e nem sei qual seria minha reação”, diz.

Igor explica que o que hoje considera-se como violência, não somente no campo do assédio, mas em todo tipo de opressão e agressão, é o que consideramos como desvalorização do sujeito. “No caso do assédio, em maior intensidade contra as mulheres, o que ocorria era que não se pensava nas consequências emocionais e, portanto, não era considerado crime. As pessoas sofriam em silêncio”.

“Parando para pensar sobre tudo o que vivi, mesmo sendo vítima, eu me culpei. E ainda hoje, esse pensamento me persegue: parece que por ter envelhecido e ficado menos atraente, as pessoas pararam de me assediar, o que é um alívio, pois nunca soube lidar bem com essa questão”, reflete Mariana.

Mudança ainda está em curso

De acordo com o psicanalista, a mudança veio quando se percebeu que as pessoas no trabalho estavam tendo um rendimento inferior ao esperado, e sintomas de depressão e melancolia surgiam, com aumento de mulheres com depressão grave e suicídio.

Igor ressalta que, apesar de terem ocorrido muitas mudanças, ainda há muito o que se fazer. “Precisamos perceber que não é só a agressão verbal, sexual, cobranças além dos limites que configura assédio, mas todo tipo de atitude que provoque sofrimento emocional, psíquico, precisa ser reavaliada. A saúde mental e o respeito deveriam estar no topo das prioridades de qualquer área trabalhista”, finaliza.

O psicanalista tem razão. De acordo com a pesquisa global “Gen Z and Millennial Survey”, elaborada pela Deloitte em 2023, o número de brasileiros da geração Z que relataram ter sofrido assédio ou microagressões no trabalho nos últimos 12 meses foi de 62%, enquanto entre os Millennials esse número foi de 51%. “As principais formas de assédio incluíram contato físico indesejado, e-mails ofensivos ou sugestivos e abordagens ou investidas físicas por colegas. Já as principais microagressões relatadas foram piadas inapropriadas, exclusão de interações ou conversas informais e desvalorização por líderes em função do gênero”, diz a pesquisa.

*Mariana teve seu nome modificado para preservar a sua identidade.

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