Luana Génot: conheça essa mulher indispensável para a transformação de uma sociedade  

Luana Genot é uma mulher inspiradora que dá voz a importantes pautas de inclusão. Confira nosso papo com ela.
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Luana Génot é uma mulher absolutamente inspiradora.

Como uma voz ativa em pautas afirmativas para inclusão de negros e indígenas, está à frente do ID_BR – Instituto Identidades do Brasil.

A entidade é a responsável pela Campanha “Sim à Igualdade Racial”, que apoia empresas e organizações com educação antirracista e ESG (sigla que reúne premissas globais para a governança ambiental, social e corporativa). 

Como mãe da pequena Alice e do recém-nascido Hugo, está vivenciando as delícias e aprendizados constantes da maternidade. 

Como influenciadora, ela assume um papel de grande relevância como colunista semanal do Jornal O Globo na Revista Ela. 

Também é autora dos livros “Mais Forte – Entre Lutas e Conquistas”, “Guerreiras do Sim’’ – publicação voltada ao público infantil -, e do “Sim à Igualdade Racial”, finalista do Prêmio Jabuti, em 2020. 

Ela também reúne conquistas como o Prêmio Folha de SP 2022 na Categoria Direitos Humanos. Além disso, é integrante da Rede Young Global Leaders do Fórum Econômico Mundial e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.

Mesmo já tendo alcançado um protagonismo como esse, Luana quer ir mais longe. “Fico pensando: como fazer com que coisas que eu sei possam inspirar outras pessoas onde eu ainda não estou chegando”, diz ela.

Luana conversou com exclusividade para o Portal Elas que Lucrem. Ela falou sobre sua luta diária por uma sociedade igualitária, protagonismo feminino, maternidade, mercado de trabalho e investimentos.

Conheça agora o que pensa essa mulher, tão indispensável para uma sociedade em transformação.

EQL: O ID_BR está à frente da causa pela isonomia de oportunidades no mercado de trabalho. Ainda há uma imensa lacuna a ser preenchida, ao passo que muitos avanços podem ser destacados. O que você acredita que tem funcionado bem neste momento? Que tipo de ações se mostram mais promissoras? 

Luana: O ID_BR tem foco na mudança de culturas organizacionais para que sejam ambientes com mais igualdade de oportunidades. 

Cultura leva tempo e requer intencionalidade e frequência de educação antirracista para profissionais em todos os níveis da empresa.

Um exemplo prático foi uma grande empresa, que vem na jornada do selo Sim à Igualdade Racial junto com o ID_BR, e tem realizado treinamentos ligados ao seu plano de ação de contratação e promoções ao longo do ano. Além disso, chegaram a parar a fábrica de produção para fazer sessões de letramento racial com os funcionários. 

Para uma fábrica parar a produção precisa acontecer algo importante ou urgente, afinal, tempo é dinheiro. Quando a diretoria resolve parar a fábrica, passa a mensagem de que esse assunto é importante, é urgente e está comprometida com a pauta.

EQL: Quais são os tipos de posturas que as empresas assumem com relação à igualdade racial que não se sustentam no longo prazo. Por que isso acontece?

Luana: Medidas isoladas sem metas e prazos concretos. Não adianta fazer a contratação em massa de pessoas negras ou indígenas, sem educação antirracista contínua e um planejamento de desenvolvimento de carreira para essas pessoas ou sem entender a real importância desse movimento (o que vem com o letramento sobre os ganhos da inclusão, os contextos das desigualdades e as perdas que ela ocasiona). 

O que mais vimos esse ano foram notícias de grandes empresas fazendo “layoff” ou a famosa “demissão em massa”. Grande parte das pessoas demitidas foram contratadas em processos afirmativos para ter mais diversidade e inclusão. Mas, porque justamente essas pessoas são demitidas no momento de instabilidade?

EQL: As pautas ESG já são uma realidade mundial entre as empresas, com diversas iniciativas importantes que abarcam essas condutas. No entanto, vemos alguns retrocessos relacionados à tentativa de desqualificar tais práticas.

(Há pouco tempo, o CEO da BlackRock – a maior gestora de ativos do mundo -, Larry Fink, disse que parou de usar o termo “ESG” justificando que se tornou muito politizado, embora tenha afirmado que continuará conversando com as empresas nas quais tem participação sobre descarbonização, governança corporativa e questões sociais.)

Dentro do contexto acima, na sua visão, como é possível retirar as pautas ESG das guerras de narrativas?

Luana: A guerra de narrativas faz parte do processo, especialmente quando um termo ou pauta está em processo de popularização. Acredito que o grande desafio da pauta ESG seja provocar um plano de ação holístico e que vá além de um compromisso superficial com o verde, sem se importar com a inclusão das pessoas, seus saberes e experiências, sejam daquelas que vivem nas florestas, quilombos, aldeias ou em contextos urbanos, especialmente de vulnerabilidade.

Ainda sobre o termo ESG, apesar da sustentabilidade ser uma pauta com mais espaço nos setores público e privado, também entre a sociedade civil, o termo em si ainda é muito novo para muita gente. É comum gerar interpretações diferentes e formas distintas de tratar o tema, dependendo da atuação no mercado, inclusive. 

Assim como os temas de diversidade e inclusão são “novos” no mercado e geram debates. As cotas raciais existem há mais de 10 anos e parte da sociedade ainda não entende a motivação e a necessidade da medida, ainda estamos lidando com dúvidas sobre a efetividade da lei. É um processo de educação, aprendizado e mão na massa sobre a importância destas pautas e estamos aqui para acelerar esse processo.

EQL: De modo geral, no mercado financeiro, a visão de grandes investidores é a de que as pautas ESG ainda não são capazes de “fazer preço” no mercado. Ou seja, as práticas são bem vistas, desde que não diminuam os lucros no final do dia. Na sua opinião, como é possível mudar essa consciência?

Luana: Insistir nos resultados, num olhar holístico sobre ESG e na cultura de colheita a longo prazo. Para cada 10% de aumento da diversidade étnico-racial, é possível observar um crescimento de quase 4% na produtividade das empresas. Esse é o dado de uma pesquisa recente do ID_BR. 

O ESG é um conjunto de práticas que abarcam três temas e que não precisam ser tratados apenas de forma separada, ter uma visão holística e transversal sobre esses temas pode ajudar na percepção de desenvolvimento da economia, mas algumas empresas ainda não se atentaram a isso. 

Por exemplo, estamos agora em meio a uma corrida por descarbonização e várias empresas precisam pensar e desenvolver métodos para mudar processos. Uso de energia renovável é um campo a ser trabalhado, dá pra usar, por exemplo, o biometano, que é o gás que vem de aterros sanitários. Como você pode conectar essa necessidade à geração de emprego das pessoas que dependem desse aterro de alguma forma?

EQL: Quando falamos em mercado de trabalho na atualidade, como você analisa o papel da inteligência artificial no que tange a igualdade racial? Oportunidade ou risco?

Luana: Acredito que estamos em meio a uma coisa e outra. Toda tecnologia traz oportunidade e tudo que é novo também traz riscos, estamos todos aprendendo todos os dias a lidar com essas novidades. 

Existe um movimento que diz que a IA vem para substituir pessoas, outro que defende a adaptação das pessoas e cargos à nova realidade e a potencialização de características exclusivamente atreladas à humanidade como o exercício da empatia, entre outros.

Alguns dos riscos que eu enxergo hoje estão muito conectados à extinção de cargos operacionais onde grande parte são ocupados por mulheres, pessoas negras, indígenas e periféricas ao redor do mundo.

Empresas precisam se preocupar em, além de usar novas tecnologias para escalar, garantir que estão investindo em inclusão, desenvolvimento e acesso especialmente para pessoas de grupos vulneráveis. Para que elas não sejam apenas mal remuneradas, varridas e facilmente substituídas no mercado de trabalho. Quantos talentos são desperdiçados, toda economia perde.

Vemos, na prática, o número de trabalhadores operacionais como motoboys crescer absurdamente, ao mesmo tempo em que o mercado investe em programadores, carros e transportes autônomos. O que faz com que no futuro a profissão de motoboy, que é bastante arriscada, possa ser facilmente substituída.

Também precisamos nos atentar aos vieses conscientes e inconscientes que são reproduzidos através dessas inteligências. 

Até porque, elas ainda são desenvolvidas em sua maioria por homens brancos e as tecnologias escalam os vieses de quem os programa, mesmo que já existam iniciativas para criação de narrativas mais inclusivas nos resultados das buscas no ChatGPT e outros mecanismos de IA, por exemplo.

Precisamos incluir mais pessoas nesse processo de desenvolvimento, mais diversidade, para que a gente possa expandir narrativas possíveis e ampliar suas formas de distribuição para além das bolhas, além de direcionar acesso a oportunidades e à informação às pessoas, especialmente às mais vulneráveis.

EQL: O que independência feminina significa para você?

Luana: Autonomia, acesso à informação para além das opções limitadas que chegam às mulheres e liberdade de escolha.

EQL: Quando falamos da independência financeira da mulher negra, que tipo de avanços podemos citar? Quais indicadores podemos olhar hoje?

Luana: Nos últimos anos, especialmente no período mais agudo da pandemia e neste pós, tivemos o crescimento de pessoas começando a empreender. Muitas, vindas de processos de demissão em massa e da dificuldade de acesso ao trabalho formal. Empreender, nestes casos, está ligado à necessidade, não à “vocação” ou “aspiração” à vida empreendedora.

A falta de acesso e oportunidade dentro do mercado de trabalho leva essas pessoas a criarem seus próprios negócios e sua renda. Temos inúmeros casos de mulheres que sustentam a si e a família através dessas rendas. 

Um levantamento do Sebrae mostrou que só no ano passado foram criadas mais de 2,5 milhões MEIs.

A questão da independência financeira coletivamente ainda está mais ligada à sobrevivência do que a abundância ou a perspectiva de criar empregos.

Há, historicamente, a falta de educação financeira para que mulheres negras tenham informações sobre como se planejar financeiramente, investir de modo mais rentável e com mais retornos.

Acredito que com mais programas afirmativos e educação financeira para mulheres negras, indígenas e outros grupos mais vulnerabilizados historicamente consigamos criar mais independência financeira para além da sobrevivência.

EQL: Qual foi o seu principal acerto e qual foi o seu principal erro em sua trajetória de independência e auto realização?

Luana: Como um acerto, citaria o fato de não ter medo e ser intencional em me conectar com grupos de pessoas diferentes de mim e provocá- las sobre o que de fato estavam fazendo pela igualdade racial e de gênero. 

Construir um networking e conviver com pessoas diferentes de mim foi e ainda é um grande desafio na construção de alianças potentes, que vão além do discurso, e que geram acesso, afeto e possibilidades de negócios e planos de ação conjuntos com ganha-ganha para ambos lados.

Erro foi não ter sabido antes o quanto networking e convivência em rede entre pares e diferentes são tão potentes quanto as formações que nos ensinam a colocar nos currículos. 

Muitas de nós mulheres negras e indígenas acabamos não tendo tantas redes profissionais e somos ensinadas a sermos excelentes em conteúdo e formação, mas continuamos sem acesso às oportunidades pela falta de conexões e visibilidade.

EQL: Você é mãe e acaba de dar à luz ao seu segundo filho. Como você analisa o seu processo de maturidade na educação da Alice em relação à que terá com o Hugo? Sua visão de mundo com relação à educação deles passou por alguma mudança?

Luana: Tenho sido mais pragmática. Entendo que preciso estar bem para cuidar dos dois. 

Com a Alice, eu acho que me priorizava menos, reservava menos tempo pra cuidar de mim. Hoje, consigo ativar mais a rede de apoio e já separar mais tempo pro cuidado físico e mental. Entendo que se eu estiver bem, darei pra eles uma melhor versão de mim a cada dia. 

Continuo achando que, mais do que teoria, minha prática diz mais sobre mim do que outra coisa. Sempre que possível, encaixo Alice no meu dia a dia para que entenda o que faço, o propósito pela igualdade que me move, e que ela faça parte, elogie, critique. As trocas com ela têm sido cada dia mais potentes. E a intenção é que Hugo também embarque nesta.

EQL: Você já passou por situações de racismo e preconceito enquanto criança. Que tipo de postura pessoal foi importante para que você se mantivesse firme e se tornasse uma grande porta-voz da igualdade racial?

Luana: Minha base foi e é minha mãe e minha avó que me ensinaram a nunca baixar a cabeça e agarrar cada oportunidade. 

Desde pequena, escrevia em diários tudo o que sentia. As duas sempre encorajaram o hábito. 

Este processo catártico foi essencial para conseguir estruturar meus pensamentos e mais tarde conseguir externá-los de alguma forma. A escrita continua sendo um processo terapêutico e de organização de pensamentos, muito importante pra mim.

EQL: Qual o primeiro pensamento que vem à sua cabeça logo quando acorda? O que lhe motiva no dia a dia?

Luana: Como uma mamãe em meio ao puerpério e com uma criança de 5 anos, eles são a primeira coisa que me vem à cabeça. Até porque, na maioria das vezes sou acordada pelo choro do Hugo e não tem como ser diferente. É um período desafiador e delicioso ao mesmo tempo. 

E eles me motivam a buscar a melhor versão, ou a versão possível, todos os dias. Outra coisa que me motiva é furar bolhas. Fico pensando: como fazer com que coisas que eu sei possam inspirar outras pessoas onde eu ainda não estou chegando.

EQL: Embora muito ainda precise ser feito para uma sociedade igualitária, como lidar com pensamentos auto sabotadores? Como sustentar uma postura de auto realização? Como dissolver pensamentos, atitudes e sentimentos que vão na direção oposta a isso?

Luana: O ponto de equilíbrio é muito individual e cada um vai encontrar suas próprias respostas do que é, de fato, de auto realização que é uma construção contínua. 

A gente ainda tem muito que avançar, são lutas diárias e cuidar da saúde mental é, sem dúvida, essencial para quem é afetado dentro desse contexto, assim como quem luta para mudar essa realidade.

E cuidar da saúde mental passa por processos, seja a terapia, criar rede de apoio, se desconectar por um tempo, fazer exercícios físicos, ajustar alimentação, se conectar com a sua fé, viajar… que tem sido algumas formas que tenho encontrado de me dar pausas e reorganizar pensamentos e prioridades. 

Cada pessoa precisa encontrar seu próprio modo de auto cuidado. Só testando diversas alternativas pra ver o que melhor se encaixa para cada pessoa e contexto.

EQL: Considerando o momento atual da sociedade, o que uma mulher pode fazer hoje para ser independente e autoconfiante em todos os aspectos da vida?

Luana: Não existe uma fórmula mágica, até porque, à medida que a gente avança, existem diversas barreiras que deixam essa autoconfiança distante várias vezes. 

As mulheres, constantemente, pedem mais desculpas que homens, se aplicam a menos vagas de empregos, sofrem com o fenômeno da impostora, têm jornadas duplas ou triplas. Tem menos redes de networking que elas possam contar para apoiá- las numa transição de carreira ou de cargo.

E grande parte desse sentimento de falta de autoconfiança é incentivado pelo próprio mercado de trabalho, criado para sucesso dos homens e com condições pouco favoráveis para as mulheres.

Então, é quase injusto dizer o passo a passo para que essa mulher se torne independente e confiante, se existe um movimento muito mais forte, dizendo o contrário o tempo todo.

O que posso dizer é que sendo o mercado de trabalho e a sociedade machista, patriarcal e racista de modo estrutural, conhecer esta equação é importante não para paralisar, mas para saber transitar cada uma à sua maneira, construindo maneiras individuais e, sobretudo, redes para não andar só e entendendo que estas estruturas já postas são independentes da nossa vontade e que hackeá-las é preciso e possível.

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