“A discriminação causa muito impacto na saúde mental da comunidade trans”, diz a psicóloga Vanessa Jaccoud

Especializada no público transgênero, transexual e travesti, profissional oferece serviços a custos baixos na Associação TRANquilaMENTE
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Vanessa é especialista no público trans (Foto: Divulgação)

Há 18 anos, o 29 de janeiro entrou no calendário brasileiro como o Dia da Visibilidade Trans. Na data, transexuais, transgêneros e travestis levaram até o Congresso Nacional a campanha “Travesti e Respeito”. O ato marcou a luta contra a transfobia no país, chamando a atenção para a pauta.

Embora sejam quase duas décadas de avanço em relação aos direitos do grupo, a população trans ainda está longe de ter a sua igualdade assegurada em território nacional.  Dados de 2021 da organização Transgender Europe (TGEU) mostram que o Brasil é – pelo 13o ano consecutivo – o país mais perigoso para um transexual viver. Segundo o levantamento, a cada 10 vítimas de transfobia no mundo, quatro são brasileiras. 

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Motivada por estatísticas como essa, a psicóloga Vanessa Jaccoud, de 47 anos, decidiu dedicar sua carreira ao atendimento de pessoas trans. Membro da Associação Profissional Mundial para Saúde Transgênero (WPATH), com certificação em Excelência Avançada em Saúde para Transgêneros pela Harvard Medical School, a profissional fundou, no ano passado, a Associação TRANquilaMENTE. 

A organização, explica ela, é dedicada a atender, com  custos baixos, pessoas trans e suas respectivas famílias. Localizada no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, o projeto inclui uma equipe formada por psicólogos e psiquiatras, além de promover o acesso a cursos de capacitação na área.

Para financiar os atendimentos da associação, Vanessa também lançou o livro “Transgeneridade: um Caso de Transcendência”, pela Cartola Editora. Toda a renda obtida com a venda dos exemplares será destinada a manter os serviços em funcionamento. Já o conteúdo, por sua vez, tem como objetivo esclarecer o tema para aumentar a inclusão e acolhimento por parte da sociedade. 

“A transgeneridade ainda é muito incompreendida por aqueles que se pautam em rótulos sociais e não levam em consideração a individualidade do ser humano. É preciso enxergar como o outro se apresenta para o mundo, de forma a acolhê-lo da maneira mais respeitosa possível em suas singularidades”, destaca a psicóloga. 

Leia, a seguir, a entrevista que Vanessa Jaccoud concedeu à Elas Que Lucrem: 

Elas Que Lucrem: Como surgiu o seu interesse em se dedicar à saúde mental do público trans?

Vanessa Jaccoud: Meu interesse surgiu a partir do momento que passei a experienciar algumas dificuldades de pessoas que viviam nessa situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, elas chegam a viver na rua, à mercê da violência e discriminação. Fora a fragilidade envolvida na inserção social desse grupo. Até as histórias pessoais de alguns dos meus pacientes começaram a me despertar para isso, fazendo com que meu interesse aumentasse e eu decidisse que iria me colocar à disposição desse público. Foi quando busquei uma capacitação específica para me tornar apta a recebê-los, acolhê-los e direcioná-los em relação aos cuidados da saúde mental.

EQL: Entre os especialistas de saúde, você ainda percebe uma resistência em relação ao diagnóstico e o processo de redesignação sexual?

VJ: De modo geral, a gente percebe que essa resistência está cada vez menor. Mesmo entre profissionais da geração anterior existe uma abertura em relação à integração, capacitação e o que há de novo nesses conceitos. Acredito que a ciência seja isso, um aprimoramento constante para uma entrega cada vez melhor. No início, eu cheguei a me deparar com isso, mas as coisas têm mudado para melhor, e esse processo de acolhimento entre os profissionais faz toda a diferença. 

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EQL: Quais são as demandas mais recorrentes da população trans quando pensamos em saúde mental?

VJ: São demandas existenciais. No meu caso, que sou da área psicossomática, o processo vem acompanhado de um estudo sobre o corpo e a mente. Falamos muito sobre perdas, afastamentos, impossibilidades, invisibilidade e não aceitação do próprio eu. Apesar das demandas serem muito subjetivas e individuais, mais ou menos presentes em algumas pessoas, alguns fatores como comportamento de terceiros e discriminação causam muito impacto sobre esse grupo. 

EQL: O que falta para o Brasil se tornar um lugar mais seguro e respeitoso para a comunidade trans?

VJ: Primeiro, estudo e respeito às diferenças. A questão de gênero é apenas uma característica do outro, ela não causa nenhum impacto negativo na vida de terceiros – as pessoas têm direito de serem quem são e isso não está na condição do outro aceitar ou não. Ponto. Segundo, é preciso educar a população, principalmente na questão de transgeneridade, para fazê-la entender que uma condição de gênero não tem nada a ver com a orientação sexual. Existe muita confusão em relação ao tema e a desinformação leva a isso, enquanto, por outro lado, a educação ajuda na construção de um lugar mais seguro. Precisamos entender que essas pessoas são iguais a quaisquer outras e merecem bem-estar e qualidade de vida. 

EQL: Recentemente, você publicou o livro “Transgeneridade: um Caso de Transcendência”. Que outras pautas pertinentes a essa comunidade você trouxe na obra?

VJ: Trago informações sobre uma transição segura e assistida, os perigos da terapia hormonal feita por conta própria, um guia prático de documentações necessárias durante o processo e a inserção da visão da família durante a transição – que acredito ser o conteúdo mais inovador. Em sua maioria, a população trans começa a ser rejeitada e discriminada dentro de casa, então abordo os aspectos domésticos e suas consequências para o indivíduo, incluindo o sentimento de luto que permeia a família, seguido do nascimento de um novo membro. 

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