Conheça Julia Alves, a atriz que só se sentiu representada quando virou protagonista de uma série infantil 

Artista dá vida à personagem principal de “A Caverna de Petra”, do Canal Futura
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Julia como Petra
Julia Alves como Petra nas gravações de “A Caverna de Petra” (Foto: Iza Campos e Ricardo Moura)

Em julho de 2021, em um teatro na cidade de São Paulo, Julia Alves dava vida a uma personagem para lá de especial: uma moradora – a única – de uma caverna mágica. Durante os ensaios e as filmagens de “A Caverna de Petra”, série infantil do Canal Futura, uma coisa passava recorrentemente pela sua cabeça: “Quem me dera ter tido a oportunidade de assistir um programa assim quando era criança”.

Isso acontecia não apenas pela felicidade que Julia sentia por estar pertinho da sua estreia como atriz na televisão ou por fazer parte de uma série que abordava assuntos tão relevantes. Na verdade, a artista sonhava acordada por estar dando vida a uma personagem que, durante a sua infância, ela raramente via na TV: uma protagonista negra. 

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“Fazer a Petra foi importante por poder representar uma referência que eu nunca tive. Por isso, eu voltava deslumbrada das gravações… Eu gostava tanto da personagem que queria ser amiga dela e poder conhecê-la”, brinca. 

Petra
Petra mora em uma caverna mágica, um lugar cheio de lembranças esquecidas pelas crianças (Foto: Iza Campos e Ricardo Moura)

Petra é uma jovem esperta, brincalhona, que vive na Caverna das Lembranças Esquecidas, um lugar mágico, assim como ela. E, nesse caso, não estamos falando de super poderes, como fazer castelos de gelo com as mãos, mas o dom de, simplesmente, poder ser criança e se aventurar por aí. 

“A Petra é exatamente tudo que eu gostaria de ter sido quando pequena: autoconfiante, divertida, inteligente, tem autoestima e sabe de tudo isso. Eu, por outro lado, passei parte da minha infância muito insegura em relação a mim mesma, minha aparência, minha inteligência, meu cabelo. Ela não tem nada disso, por isso penso que, se tivesse visto alguém como ela na televisão, se ela tivesse feito parte da minha infância, eu teria crescido de uma maneira diferente.”

Pequenos e primeiros passos

Julia e sua mãe
“Minha mãe continua sendo minha maior inspiração” (Foto: Maria Fernanda Pereira)

Julia nasceu e cresceu rodeada de arte. A mãe, artista, apresentou à filha o encanto da música e as aventuras da atuação. “Eu cresci indo com ela a ensaios de peças e shows. Se não fosse isso, não teria tido contato com a arte desde o berço. Eu a assistia e pensava que queria ser daquele jeito: talentosa e determinada, para brilhar nos palcos como ela”, lembra.

Mas Julia só teve a certeza de que seguiria pelo tenuoso caminho das artes cênicas aos 14 anos, quando entrou, pela primeira vez, em um curso livre de teatro. Depois, foi para a Escola de Atores Wolf Maya, ainda durante o ensino médio, e então se matriculou no Célia Helena Centro de Artes e Educação. 

Foi logo após se formar que ela teve a oportunidade de fazer um teste – que jurava que não daria em nada. Tanto que, quando recebeu o telefonema da produção avisando que tinha passado para a próxima fase da seleção, ela nem se lembrava mais do que se tratava. Depois disso, foram apenas mais duas semanas até que começasse a gravar “A Caverna de Petra”.

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Foi interpretando uma personagem infantil que Julia Alves, já adulta, pode refletir sobre sua própria infância. Onde estavam as pessoas com seu tom de pele? Na redoma da sua casa, todos são iguais a ela: pai, mãe, irmão e avós, todos negros. “Desde pequena, meus pais me criaram com essa consciência, de que sou uma menina preta.” 

Julia, a mãe e o pai
Julia, o pai e a mãe (Foto: Maria Fernanda Pereira)

Por outro lado, Julia convivia, na rua e na escola, com crianças brancas. “Isso criou um choque, trouxe traumas e questões. Eu era excluída de algumas coisas, as pessoas brincavam com meu tom de pele, com o meu cabelo. Assim, comecei a conviver com o racismo ainda muito pequena”, lamenta.

Referência, persistência e resistência

Julia na infância (Foto: Arquivo Pessoal)

Seja nas séries infantis, seja nos filmes de animação, os “clássicos” nunca foram muito representativos. Basta lembrar das princesas da Disney e dos super-heróis: a grande maioria branca. “Acho que todas as meninas e crianças pretas crescem sem muitas referências. Por muito tempo, na verdade, nossas referências foram brancas, então a gente se desencontra”, diz. 

A atriz se acostumou a receber mais “não” do que “sim”. Segundo ela, ser artista no Brasil já é difícil, afinal a profissão não é valorizada. E ela sabia que como mulher negra teria ainda mais dificuldades. “Eu não via pessoas iguais a mim na televisão. E, quando via, pensava que já tinha alguém, então não haveria espaço para outra. É como se a cota de pessoas pretas fosse mínima, então se já tem uma não precisa de outra”, explica. 

Não é à toa que a coisa mais difícil que Julia faz na vida é viver da arte no Brasil. “É tudo muito incerto, estamos sempre esperando uma resposta, esperando um teste. É uma área cheia de instabilidade.”

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Mesmo assim, a artista acredita que, ainda que de maneira muito lenta, as coisas estão mudando. “Eu acho que a pluralidade nos elencos está evoluindo com o tempo, senão eu não teria oportunidade de fazer a série que eu fiz. Estão ocorrendo mudanças, mas as oportunidades ainda não são as mesmas para todo mundo no audiovisual”, reitera.  

“Eu não via pessoas iguais a mim na televisão” (Foto: Maria Fernanda Pereira)

Julia dá um exemplo muito simples. “Se o teste diz que precisa de uma atriz de 18 a 25 anos, por exemplo, já sei que o papel não é para mim. Nesses casos, eles sempre querem uma menina branca. Agora, se deixam claro que precisam de uma artista preta, aí sim eu envio meu material”, conta.

A caverna de Julia

Elenco de A Caverna de Petra
Julia Alves e parte do elenco de “A Caverna de Petra” (Foto: Iza Campos e Ricardo Moura)

Por outro lado, a arte é o universo onde Julia se encontrou. É nessa caverna mágica que ela, como atriz e ser humano, pode ser inspiração e referência, além de aprender a cada fala decorada, cada figurino colocado, cada “luz, câmera e ação” que se ouve nas gravações.  

“A Caverna de Petra” presenteou Julia Alves e milhares de crianças com o poder da identificação e da representatividade. Mas, mais do que isso, mostrou que uma caverna, geralmente escura e sem brilho, pode ser mágica. 

“Não me lembro de ter assistido algo assim na infância e acho isso extremamente necessário para as crianças de hoje.” Uma série que fala sobre a aceitação, autoestima, cuidado com o meio ambiente, padrões impostos às mulheres, igualdade de gênero, assédio e até desinformação não podia deixar de transformar até aqueles que não são crianças.

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“A mensagem que a Petra deixou, e que eu carrego comigo, é que eu posso ser quem eu quiser ao mesmo tempo em que não preciso deixar de ser quem eu sou. Agora, posso ser o que quiser sem perder a minha essência”, finaliza.

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