Para que não sejamos mais interrompidas.

Por que certas coisas parecem caminhar para um futuro de mais equidade e outros não? Avaliamos junto a uma especialista sobre as dificuldade que mulheres ainda enfrentam em serem ouvidas no mundo corporativo
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02

O mercado de trabalho nunca foi fácil para a entrada e a permanência das mulheres. Isso, sem dúvidas, deve-se muito à estrutura social patriarcal em que vivemos. Mas, de certa forma, temos avançado em um progresso neste sentido; mesmo que seja apenas para abrir o diálogo sobre o tema. 

E nós, da EQL, sempre abrimos esses assuntos. Queremos, principalmente, informar você, com a maior qualidade possível, para que você encontre o caminho para ter as suas percepções e formar a sua opinião. 

Nesta matéria, conversamos Juliana Algodoal, PhD em Análise do Discurso em Situação de Trabalho, Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, que vai nos apoiar com a questão das dificuldades que mulheres, inclusive em cargos de alta liderança, ainda enfrentam para serem ouvidas dentro dos seus espaços corporativos. 

Se ainda fosse “só” o salário

Quando paramos para pensar a respeito das diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho, automaticamente já consideramos a questão salarial. E esse raciocínio não está errado.

Segundo pesquisa publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, uma mulher recebe, em média, apenas 78% do que ganha um homem. Essa diferença já poderia ser corrigida, pois, recentemente, tornou-se proibida tal distinção na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no que diz respeito a ocupações ou funções semelhantes.

Mas, infelizmente, não é “só” isso que vemos de desigualdade e a nossa entrevistada, Juliana Algodoal, já levanta a questão: “Por que, apesar de tudo, as mulheres ainda não são escutadas ou são interrompidas por homens numa reunião?” 

“Essa história de que o mundo está mudando é mesmo fato e as demandas por justiça e igualdade estão na pauta. Quando um homem interrompe a fala de uma mulher, ou pior ainda, não a deixa falar, está revelando algo muito além do perfil profissional. Ele se mostra incapaz de lidar com a diversidade de ideias e aponta a sua predileção por repetir comportamentos machistas. É uma opressão contra a mulher e tem nomes variados”, afirma.

Esses nomes variados, apesar de serem termos em inglês, já começam a ser mais amplamente conhecidos nos escritórios e nas redes sociais corporativas. E, mais do que isso, é muito importante que possamos “dar nomes” a esses acontecimentos recorrentes, pois esse é o primeiro passo para identificarmos que há um problema, uma questão social e coletiva, algo maior do que um acontecimento pontual e individual.  

Vamos aos termos:

Gaslighting – em tradução livre, significa “manipulação” e é quando o homem invalida a fala da mulher.  

Manterrupting – “continuar interrompendo”, que é quando o homem interrompe uma mulher mudando de assunto ou para explicar o que ela está falando. 

Mansplaining – “reclamação”, quando o homem resolve dar uma palestra sobre um tema que ela domina, como se ela não soubesse de nada. 

Isso não significa que você precisa sair por aí decorando todos esses termos e letrando por onde passa. Até seria interessante esse letramento, uma vez que conhecimento nunca é demais. Porém, ao entender que há um conceito para o que está acontecendo dentro do seu espaço corporativo, as coisas começam a ganhar mais sentido. 

Guerra dos sexos?

“A procura por treinamentos e estratégias focadas em se fazer ouvida só tem aumentado, mesmo quando as mulheres alcançam cargos de alta liderança. ‘Como faço para ser escutada numa reunião?’ é mais um desafio que a mulher precisa driblar.”, completa Juliana.

Bom, então se pensarmos que, como a especialista afirmou, cada vez mais mulheres buscam aperfeiçoamento no trabalho, inclusive, para driblar questões como essa, será que teremos uma verdadeira guerra corporativa entre os sexos em uma reunião de trabalho? 

Juliana nos explica que precisamos encarar essa situação como de fato uma questão a ser enfrentada, pois trata-se de uma opressão e uma violência contra mulheres, e que estão sendo normalizados.

“Não se trata de uma guerra declarada, mas é preciso pôr fim ao machismo que muito fala e pouco ouve nas corporações. A tentativa é de desqualificar a fala da mulher. Nem sempre intencionalmente, mas causa dor do mesmo jeito. É uma opressão. Porque parte dela é a repetição de comportamentos que não podem mais ocorrer.”, afirma.

Ou seja, não se trata apenas de sermos vistas, essa situação pode nos levar a problemas que vão muito além de uma exposição negativa no trabalho e isso é comprovado.

De acordo com o Índice Regional de Assimetrias, criado em 2022, para o Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino (IPEFEM), que investiga a associação do surgimento da Síndrome de Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, em mulheres por conta de ambientes de trabalho machistas, mulheres que trabalham em ambientes desiguais em relação a gênero, têm até 67% mais de chances de apresentarem os sintomas e o diagnóstico do Burnout, do que mulheres que estão em espaços mais igualitários.    

“Na verdade, a luta é para ser considerada. As mulheres aceitaram a interrupção das suas falas pelos homens desde sempre, desde em casa com seus pais, irmãos, tios e avós. Agora não aceitam mais. E estão fazendo isso sem briga, sem embate, porque ainda lidam com os julgamentos quando falam de formas mais incisivas. Enquanto o homem que fala da mesma forma é visto como firme, inspirador, seguro.”, completa Juliana. 

Não serei interrompida

Você tem a liberdade de buscar um espaço seguro para ter onde trabalhar melhor as suas técnicas para desenvolver ainda mais capacidade de se expor no seu ambiente de trabalho e lidar com as adversidades, e interrupções, que aparecerem. Mas essa luta não é individual, ela é coletiva. 

Segundo Juliana, as mulheres aprenderam a buscar pessoas aliadas, comprometidas verdadeiramente com a diversidade, justiça, equidade e que se identificam com a luta. Em geral, são essas aliadas que sinalizam o opressor quem está naquele momento com a palavra e que deve ser ouvida.     

“Precisamos de mais pessoas aliadas. Entre as próprias mulheres inclusive. Aprender a dar voz às mulheres é um cuidado de todos. Não se trata de uma briga de torcida de futebol, ou de meninas versus meninos. É um convite para nos conscientizarmos de que interromper falas femininas diz mais sobre quem interrompe do que quem é interrompida.”, conclui.  

Compartilhar a matéria:

×