Conheça a empreendedora que criou um processo de entrevista às cegas depois de sofrer preconceito com seu sotaque

Startup de recrutamento digital usa recursos de vídeo para facilitar a seleção de novos colaboradores e tornar o processo mais justo
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Cammila Yochabell, fundadora e CEO da Jobecam. (Foto: Divulgação)

Já imaginou participar de uma entrevista de emprego sem que o recrutador saiba detalhes, como o seu nome verdadeiro, rosto, informações pessoais e até mesmo a sua voz? Essa modalidade, conhecida como “seleção às cegas”, é semelhante ao que acontece no programa de música “The Voice”, no qual os jurados votam nos participantes apenas pelo que escutam. A diferença é que no caso do processo seletivo, até o sotaque passa despercebido, já que a voz do candidato é alterada para que o foco das avaliações seja apenas nas habilidades e competências do profissional.

De olho na importância de entrevistas remotas nos processos seletivos e no aumento da diversidade no mercado de trabalho, a potiguar Cammila Yochabell decidiu criar, em 2016, a Jobecam, uma plataforma de seleção de talentos em vídeo que tem o objetivo de transformar o setor de recrutamento e seleção. A principal meta da empreendedora é aumentar a diversidade e inclusão nas empresas, a partir da desconstrução dos vieses inconscientes, que são generalizações estereotipadas de etnias, raças, classes sociais, orientações sexuais, gêneros e outras questões comportamentais.

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A CEO da empresa explica que esses vieses são inerentes ao ser humano e podem interferir no resultado dos processos seletivos. Por isso, a ideia é que os profissionais sejam avaliados por suas reais experiências e diferenciais – e não por sua cor de pele, gênero, idade e outras questões pessoais. 

“Temos que nos atentar a isso para evitar julgamentos tendenciosos e preconceitos relacionados a estereótipos de gênero, raça, classe, orientação sexual, idade. A nossa ideia não é realizar entrevistas para esconder uma pessoa negra, uma mulher, um gay ou uma nordestina. Fazemos dessa maneira para empoderar essas pessoas, principalmente as minorias, porque acreditamos que é fundamental ter inclusão no mercado de trabalho”, diz. 

A preocupação com a diversidade nas empresas tem respaldo dos números. Um levantamento da Vagas.com, empresa de soluções tecnológicas de recrutamento e seleção, mostrou que apenas 0,7% dos negros no Brasil tem cargos de diretoria. Uma outra pesquisa, feita pelo Instituto Ethos com as 500 maiores empresas do país, revelou que apenas 13% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.

No caso das mulheres transgêneros, a maioria esmagadora, cerca de 90%, está na prostituição, apenas 4% possuem emprego formal e 6% informal, segundo levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2020.

Cammila explica que o propósito da empresa também é solucionar essa falta de diversidade, além de tornar o processo seletivo mais justo. 

Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, a empreendedora sentiu na pele o foco dos entrevistadores em seu sotaque quando se mudou para São Paulo, em 2014, para entrar de vez na área de recursos humanos com um MBA em Gestão Estratégica e Econômica em RH na bagagem.

Mulher, branca, loira e de olhos claros, Cammila quase sempre causava surpresa nos processos seletivos quando os recrutadores descobriam que ela não era gaúcha. “Eles não acreditavam que eu era nordestina, e eu me incomodava com isso porque tenho muito orgulho de ser de onde sou e da minha terra”, frisa. 

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Um outro problema para conseguir emprego depois da mudança de estado foi a área de trabalho. Quando era mais jovem, Cammila se formou em Petróleo e Gás. Era um assunto que estava em alta na época e ela achou que poderia ganhar algum dinheiro ao se destacar profissionalmente. “Eu me formei, mas depois descobri que mulheres não são tão bem-vindas nessa área. Da minha turma, nenhuma continua na área”, diz. Para migrar para recursos humanos, ela também precisou desconstruir os vieses inconscientes dos recrutadores. 

Candidatos além de um pedaço de papel

Com mais de oito anos de experiência no setor, Cammila conta que começou a entender cada vez mais os desafios dos recrutadores e dos candidatos. Mas o projeto da startup só saiu mesmo do papel em 2016, quando ela estava na Nova Zelândia para estudar inglês.

“Eu precisava de um emprego e queria me destacar diante de tantos perfis. Minha vontade era ser vista muito além de um pedaço de papel”, lembra, referindo-se ao currículo. Foi quando teve a ideia de gravar um vídeo para enviar às empresas. Mas pensou melhor e decidiu fazer disso o seu próprio negócio, já que não encontrou nenhum site de emprego que usasse o método como forma de seleção.

Como a plataforma funciona

Para realizar o cadastro, o candidato entra na plataforma, preenche os dados pessoais, profissionais, acadêmicos e habilidades que deseja destacar nos campos sugeridos. 

Hoje, a Jobecam tem quatro principais modalidades de seleção. Os cadastrados podem criar, de forma gratuita, um vídeo-currículo, e candidatar-se às vagas com entrevistas gravadas, ao vivo e as famosas entrevistas às cegas. Tudo de forma remota. No último caso, o empregador só vai conhecer a aparência da pessoa interessada se depois da primeira conversa achar o candidato qualificado para o cargo. 

A Elas Que Lucrem teve acesso à plataforma. Aqueels que optarem pela entrevista às cegas terão, no lugar da imagem do candidato, um avatar, que pode ser uma mulher, um jovem negro, uma muçulmana usando um hijab ou até um homem com terno. A voz é totalmente modificada em quatro diferentes formatos, uns mais robóticos do que outros.

No caso das entrevistas gravadas, com perguntas enviadas pelo contratante, a CEO explica que a tecnologia de inteligência artificial capta todo o áudio dos vídeos. Em seguida, faz-se um match, unindo o que o recrutador busca e o que o candidato falou. “Sempre orientamos que as perguntas sejam em um formato mais técnico, comportamental, evitando questões pessoais. Isso gera um ranking dos perfis mais aderentes”, explica Cammila. 

Para a executiva, o caminho da diversidade e inclusão é essencial para as corporações. “O que a liderança precisa focar é na real habilidade e competência do profissional e não em outras questões, como a orientação sexual do candidato”, pontua. A fundadora da Jobecam acredita que o fato de ser uma mulher nordestina também pode inspirar outras mulheres a empreenderem e se tornarem líderes. 

Empresa cresceu 200% na pandemia 

Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, Cammila achou que a empresa ia fechar, já que as entrevistas diminuíram e a crise se instalou em praticamente todos os setores. Mas, meses depois, quando a modalidade online ganhou espaço e o remoto se mostrou eficaz, a Jobecam se consolidou no mercado e cresceu em torno de 200%. 

Nesses cinco anos de mercado, a Jobecam já recebeu um total de R$ 2 milhões em aportes, recurso que ajudou a incrementar a ferramenta. A empresa também foi acelerada pela Oracle, Google, Microsoft e Estação Hack from Facebook, e ganhou o primeiro lugar no prêmio Bravers na categoria Social, da Accenture, em 2020.

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Desde a criação, a startup diz que já aumentou em 68% a diversidade nas contratações, principalmente depois da tecnologia de seleção às cegas. A novidade atraiu empresas como Bradesco, Magalu, Oracle,  BRQ, Vivo e Honeywell.  

Neste ano, a startup pretende seguir com o plano de expansão no mercado brasileiro e projeta um crescimento de 50% até dezembro. Já em 2022, o objetivo é internacionalizar a companhia. “Queremos transitar na América Latina e – quem sabe? – nos Estados Unidos”, revela.

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