Ela já considerou seu primeiro emprego um tanto quanto masculino. Daiani Gonçalves tinha apenas 13 anos quando lhe ensinaram a arte de colher laranjas. “Era um trabalho braçal, no sol, de subir e descer escada. E eu só tenho a agradecer, porque ele me fez a pessoa que sou hoje”, conta a youtuber que ensina, para mais de 147 mil inscritos em seu canal, a reformar móveis, assentar o piso e até a pintar uma parede.
Mas essa é uma história recente. Entre colher laranjas e assentar pisos, Daiani fez de tudo um pouco na vida. Foi babá, doméstica, formou-se em matemática, mas não quis ser professora. Acabou indo parar em uma fábrica de tecelagem. “Fiz muito guardanapo por lá”, brinca.
Depois de tudo isso, surgiu a oportunidade de trabalhar na empresa de lingerie onde está até hoje. Começou no setor financeiro, mas agora divide a carreira de youtuber com os desafios de ser uma representante comercial no atacado online. De um lado, pode-se dizer que Daiani trabalha com o que há de mais feminino. Ainda assim, ela mesma diz que quando se trata de reformas, obras e mão na massa, ela faz trabalho de macho.
Faça você mesmo
A ideia surgiu durante a pandemia de Covid-19, quando Daiani decidiu se mudar para a casa da mãe, em Cosmorama, interior de São Paulo. Por trabalhar no comércio, ela estava receosa, afinal, o setor sofreu duramente as consequências do isolamento social. Somado a isso, a mãe estava com depressão. “Minha família não estava passando por um momento muito bom, tínhamos acabado de perder meu padrasto para o câncer”, relembra Daiani.
Foi no novo endereço que ela se deparou com as ferramentas do padrasto – que era pedreiro e pintor – guardadas em um quartinho. “A casa da minha mãe estava muito pra baixo. Eu senti que precisava mudar essa energia com uma pintura e algumas reformas”, conta. Daiani começou pelo quarto onde dormia: o cômodo exibia paredes sujas e não tinha cama. “É aquela velha história: casa de ferreiro, espeto de pau. Ele não pintou a casa dele, fez só o que deu porque tinha necessidade de trabalhar fora.”
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Mesmo não sabendo nada de reformas, pinturas e obras, Daiani decidiu encarar o projeto – e foi aprendendo sobre o ofício do padrasto com a mão na massa. “Eu gastei tão pouco que percebi que poderia mostrar que isso era possível para outras pessoas. Foi quando decidi fazer a reforma da cozinha da minha mãe e gravar todo o processo.”
Assim nasceu, em julho de 2020, o seu canal no youtube “Daiani Oficial”, bem no meio de uma pandemia – fator que impulsionou ainda mais o interesse do público. “Juntou o tédio de não ter o que fazer, o tempo livre e a necessidade de reforma e acabou dando certo. Acredito que esses fatores influenciaram muita gente também”, explica.
Reforme como uma garota
Na mesma proporção em que os elogios apareceram, as críticas também deram as caras. E a maioria vindas de homens que atuam profissionalmente na área. “Eles não aceitam que a gente consegue fazer algo do tipo sem a ajuda deles”, conta Daiani.
A youtuber percebeu, ainda, que muitas mulheres têm medo até de chegar perto de uma ferramenta. Para ela, foi criado um tabu sobre o tema, afinal são poucas mulheres que fazem o que ela faz ou que trabalham em construção civil – mesmo que esse número venha crescendo nos últimos anos.
Para Daiani, a ideia de que um martelo ou uma furadeira são objetos para homens foi concebida na sociedade há muito tempo. “Mas eu sempre falo para as mulheres que querem começar: pensa que a ferramenta é um secador de cabelo e vai!”, brinca.
Para ela, este é justamente o motivo de suas redes sociais terem crescido tão rápido: uma mulher à frente de funções consideradas tipicamente masculinas. “Às vezes eu até me assusto ao ver onde cheguei. Eu comecei na ingenuidade, publicando os vídeos para ajudar outras pessoas. Mas acredito que foi por isso. É muito raro ver uma mulher botando a mão na massa, dando a cara a tapa. E restaurar as coisas do lixo, reciclar e reformar um guarda roupa ou um armário velho também acabou gerando um aumento dos números”, explica.
Prestes a comemorar dois anos do canal, Daiani comemora as mais de 6 milhões de visualizações e 147 mil inscritos no YouTube, além de quase 760 mil seguidores no Instagram e 323 mil no Tik Tok. “Tem quem diga que ser criador de conteúdo é fácil, mas a gente trabalha muito, até dobrado”, conta ela, que ainda divide o dia a dia com o emprego como representante comercial.
“Às vezes fico até meia-noite editando vídeos curtos no celular ou passo o domingo todo trabalhando. Mas se queremos chegar em lugares que nunca estivemos, temos que fazer coisas que nunca fizemos”, finaliza.
Assista, a seguir, a entrevista na íntegra:
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