Em 1621, quando peregrinos norte-americanos comemoravam uma grande colheita, o peru, uma ave robusta e composta por grande quantidade de carne, foi colocada na mesa como prato comemorativo e símbolo de fartura. Segundo registros históricos, essa foi a primeira vez que a ave foi utilizada como símbolo de celebração, dando origem aos clássicos cardápios de Ação de Graças e Natal – pelo menos nas Américas. O Brasil de 2021, no entanto, não combina com essa tradição. Em tempos de crise, estamos longe de comemorar a fartura.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas no Brasil subiu 0,5% em novembro – quando comparado ao mês anterior -, chegando a 26,1% da população. Para piorar a situação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), a ceia está, em média, 27% mais cara do que no ano passado. As altas foram percebidas, principalmente, na carne bovina (18,68%), no bacalhau (7,98%) e no lombo suíno (6,48%).
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Para a educadora financeira Aline Soaper, especialista em finanças pessoais e fundadora do Instituto Soaper de Treinamentos de Desenvolvimento Profissional e Pessoal (Efinc), esse aumento representa uma queda de um quarto no carrinho de compras de fim de ano dos brasileiros. “É um aumento considerável que vai fazer toda a diferença na hora das compras”, ressalta ela. “Por isso, é importante se planejar financeiramente, fazer uma boa lista e evitar excessos. Mesmo com as altas dos preços, é possível fazer uma ceia agradável, de acordo com o padrão financeiro da família.”
Essa adaptação, no entanto, exige alguns esforços. Primeiramente, é preciso que a família converse sobre o assunto para entender o que cabe no orçamento – levando em conta os gastos essenciais de todos os meses. “O ideal é apresentar a nova realidade e envolver todos nas compras e na criação do novo cardápio”, recomenda. Quando as pessoas se sentem parte de um coletivo – principalmente as crianças -, é mais fácil levar a situação de forma leve e consciente.”
Na visão de Luísa Mendonça e Thina Izidoro, proprietárias de restaurantes veganos, a alimentação à base de vegetais pode ser um bom caminho para aqueles que querem economizar no cardápio de casa – seja no dia a dia ou nas festividades. “Infelizmente, boa parte da população brasileira está sem dinheiro para comprar carne e acaba optando pelos pratos sem a proteína animal. Uma situação financeira difícil, que acaba gerando antipatia pela gastronomia vegetal”, diz Luísa.
Para ela, as pessoas valorizariam mais os legumes e os vegetais se aproveitassem os alimentos sem julgamento prévio, explorando os sabores que eles podem oferecer. Talvez o Natal seja o momento certo para começar essa experiência. “A nossa sugestão é fugir um pouco desse cardápio europeu natalino, descobrir novos sabores, valorizar o pequeno produtor e fazer escolhas conscientes”, completa Thina.
Juntas, Aline, Luísa e Thina dão algumas dicas sobre como economizar na ceia de Natal sem perder a magia da festividade:
1. Esteja atualizado sobre os preços
Na hora de consumir, a pesquisa de preços é sempre essencial. Segundo Aline, o primeiro passo para economizar é dar atenção a eles e ficar de olho nas variações do mercado. Muitas vezes, uma promoção online ou um desconto no supermercado pode fazer com que um alimento mais caro se torne viável na ceia. Uma surpresa agradável para quem está contendo os gastos. “É normal encontrar o mesmo item mais barato no site do que na própria loja. Isso acontece porque as empresas têm menos custos com as operações online e podem oferecer descontos mais atrativos”, explica Aline.
Além disso, ao estar atualizado sobre os preços, é possível saber se um estabelecimento está cobrando um valor justo pelo produto, evitando cair em golpes de final de ano, quando os produtos ficam mais caros por conta da alta procura. Conhecer o mercado é importantíssimo para quem quer economizar.
2. Pesquise novas receitas e inove na cozinha
Para Luísa, chef confeiteira na Conflor, uma fábrica de doces veganos, a criatividade na cozinha já faz parte da rotina. Acostumada a explorar o sabor dos vegetais, ela dá algumas dicas para novos interessados no assunto. A lentilha, por exemplo, que sempre aparece nos cardápios de fim de ano, pode virar um rocambole maravilhoso. Já a carne de jaca, vítima de grande preconceito, é um super coringa, podendo ser usada no salpicão ou numa jacalhoada – quem disse que bacalhoada é a única opção? “A gastronomia vegetal é muito rica em sabores, só é preciso estar disposto a experimentar para descobrir as maravilhas que podem ser feitas”, destaca.
Thina Izidoro, chef do restaurante Vegan Vegan, concorda com as sugestões de Luísa e revela suas receitas preferidas para o período. “Para quem não quer deixar o sabor do peru de Natal de lado, uma boa couve-flor recheada, ao molho de laranja, pode ser uma opção. Já para quem busca lembrar do sabor do bacalhau, há produtos como algas nori e wakame, que podem desempenhar um sabor semelhante ao prato clássico.”
3. Não seja impulsivo
Quando integrantes de uma família não conversam sobre orçamentos e gastos, é fácil cair em armadilhas do consumo, como comportamento de manada e impulso. Não é preciso comprar algo apenas porque todos à sua volta estão comprando. Assim como não é recomendado comprar algo sem planejamento, apenas agindo por impulso. “Na busca por agradar tudo e a todos, muitas famílias acabam fazendo novas dívidas porque não conseguem falar não”, explica Aline. “Por isso, na hora de ir às compras, tenha sempre uma lista em mãos.” A partir de uma lista assim, feita em conjunto com os membros da família, incentiva-se o sentimento de coletividade e união. Todos estão de acordo com aqueles gastos e vão se controlar para não quebrar o combinado com movimentos precipitados.
4. Explore os produtos nacionais
Outra dica para evitar estourar o orçamento é saber fazer boas escolhas e explorar os produtos nacionais. Nas festas de fim de ano, é comum que muitas pessoas almejem um bom vinho. Mas, como o dólar está alto, o ideal é apostar nos nacionais, que têm preços melhores. “Muitos produtos da ceia de Natal também são importados e, por causa do câmbio, estão muito acima do que no ano anterior. Então, para driblar esse aumento e evitar gastos acima do necessário, devemos dar preferência aos produtos nacionais, comprando sempre com antecedência, para aproveitar os melhores preços do mercado”, explica Aline.
Entre os produtos nacionais, também é possível analisar e escolher as opções mais econômicas. Na hora de fazer as sobremesas, por exemplo, tanto Luísa quanto Thina recomendam o uso do amendoim no lugar de iguarias como a castanha do Pará, que é mais cara. Com o amendoim, é possível fazer diversas combinações e receitas, como pavê e tortas.
5. O planejamento financeiro não deve ser feito apenas no final do ano
Embora essa seja uma matéria com dicas sobre como economizar na ceia das festas de fim de ano, é importante ressaltar que o planejamento financeiro deve ser feito o ano inteiro, não apenas em datas comemorativas. Quando uma família avalia o orçamento e organiza os gastos durante os 12 meses do ano, fica ainda mais fácil ter uma festa de Natal. “Alimentação e moradia são despesas que se repetem todos os meses, então essa é uma preocupação constante”, destaca Aline. “É necessário fazer a avaliação dos gastos logo que se percebe o aumento da inflação e a dificuldade em pagar as contas.”
Embora muitas famílias façam dívidas consideráveis no fim do ano, isso pode ser resultado de uma desorganização financeira que se mantém o ano inteiro. De certa forma, as dicas para uma ceia agradável e econômica podem ser aproveitadas em diversos momentos do próximo ano – sejam eles festivos ou não. “O segredo, para o Natal e para a vida, é nunca gastar mais do que se ganha.”
Bônus: Para ajudar ainda mais quem quer começar a explorar a gastronomia vegetal mas não sabe por onde começar, Luísa e Thina ofereceram duas receitas veganas para ceias econômicas e deliciosas:
Rabanada Vegana (Luísa Mendonça)
Tempo de preparo: 2 horas
Ingredientes para o pão:
500g de farinha de trigo
15g de açúcar demerara
3g de sal
360g de água
5g de fermento biológico seco
Calda para molhar a rabanada:
500g de leite de amêndoas
500g de leite de coco
150g de açúcar
Raspas de uma laranja
Finalização:
Óleo para fritar
Açúcar com canela para passar em volta
Modo de preparo:
Comece fazendo o pão da sua rabanada. Em uma tigela, adicione o açúcar, o fermento e a água. Deixe fermentar por cinco minutos. Depois, adicione a farinha de trigo e comece a sovar, adicione o sal. Sove por 15 minutos mais ou menos, até ficar bem lisinha. Faça o formato de pão, enrolando a massa, e deixe fermentar por 30 minutos em uma assadeira. Depois, asse em forno pré-aquecido a 180° por 35 minutos. Para a calda, é só misturar todos os ingredientes e ir molhando as fatias de pão, apertando levemente para que o líquido penetre. Depois, é só fritar e passar no açúcar com canela antes de esfriar
Seitan (Thina Izidoro)
Ingredientes da massa:
1 kg de farinha de trigo branca
Água
Ingredientes do caldo:
1/2 xícara de shoyo
1/2 xícara de água
1 colher de chá de páprica picante
4 dentes de alho
2 folhas de louro
1 colher de chá de cominho em pó
temperos a gosto
1 laranja
Modo de preparo:
Coloque a farinha num recipiente fundo e vá acrescentando água e amassando até que a massa solte da mão. Deixe descansando durante 30 minutos. Em seguida, no mesmo recipiente, vá lavando essa massa e trocando a água, para retirar todo o amido (não deixe a massa se desfazer). O uso da farinha integral não é indicado, porque além de retirar o amido, o processo também retira a fibra. À medida que o amido vai saindo, fica uma massa cinzenta que é o glúten puro (a proteína do trigo). Faça um caldo com os ingredientes e jogue o glúten nesse caldo, deixando cozinhar durante 30 minutos. Com o molho que sobrar, misture o suco de uma laranja e coloque o seitan em um refratário. Regue com o molho e leve ao forno por 20 minutos, até ficar dourado.
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