Amanda Freires: a empreendedora que uniu sorvetes saudáveis e capacitação feminina

Mato-grossense é dona da Petit Potê, que oferece workshops mensais em parceria com a ONG Mulheres Solidárias e a Escola Sorvete
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02
Divulgação
Amanda Freires oferece workshops mensais em parceria com a ONG Mulheres Solidárias e a Escola Sorvete (Foto: Divulgação)

Nascida em Cuiabá, capital do Mato Grosso, Amanda Freires cresceu numa família que sempre a incentivou a aprender coisas novas. Na infância, a menina fez natação, ballet, jazz e até piano. Um mundo o mais diverso possível para que ela encontrasse sua verdadeira paixão. Mesmo assim, quando chegou aos fatídicos 17 anos, idade em que normalmente precisamos decidir pela carreira que seguiremos a vida toda, ela não fazia ideia de qual era sua vocação. Só tinha uma certeza: não seria na medicina, por mais que sua família aprovasse e torcesse por esse caminho. 

Amanda acabou cursando arquitetura e urbanismo, mas a realidade é que a escolha, almejada por muitos universitários, não lhe despertava a faísca da realização profissional que ela imaginava. Foi apenas no fim dessa trajetória, de forma natural e quase imperceptível, que a motivação surgiu. Primeiro, com o trabalho de conclusão de curso (TCC), um projeto urbanístico em uma penitenciária feminina. Em seguida, durante sua atuação como voluntária no Peru, para onde foi após o fim da graduação, para dar aulas de dança e, assim, levar autoestima de mulheres que viviam numa região com altos índices de feminicídio e dependência financeira e emocional. Quando voltou ao Brasil, passou a fazer parte de cursos de capacitação na produção de sorvetes para o público transexual de um presídio em São Paulo. Em vários momentos dessa jornada, sua atuação se voltou para o direito das mulheres – mas enxergar isso não foi exatamente fácil.

Conheça a plataforma de educação financeira e emocional EQL Educar. Assine já!

“Foi apenas quando descobri que havia sofrido abuso que eu percebi o quanto ajudar outras mulheres era a minha grande motivação”, destaca. “Até os 29 anos, eu me envolvia com esses assuntos de forma natural, até que comecei a reparar que tinha problemas para me entregar em relacionamentos amorosos. Além disso, comportava-me diferente em locais onde havia apenas homens. Isso me incomodou e fui procurar uma terapeuta. Foi aí que a memória de um abuso sexual que eu sofri aos oito anos foi desbloqueada.”

Amanda passou por um caso de amnésia dissociativa, uma espécie de perda da memória provocada por trauma ou estresse, que resulta na incapacidade de recordar informações pessoais importantes. As pessoas com esse quadro clínico têm falhas de memória que podem durar de poucos minutos a décadas – como foi o caso dela. “Quando a lembrança voltou, eu senti uma falta de ar como se estivesse me afogando. Esse trauma estava escondido no meu subconsciente como uma forma de proteção. Precisei de mais de uma sessão para lembrar de tudo que tinha acontecido.” 

“Eu já estava ligada às causas das mulheres, mas descobrir esse abuso fez com que eu sentisse vontade de falar sobre o assunto para apoiar quem já passou pela mesma coisa”, diz. Mas, para isso, Amanda sentia a necessidade de contar o episódio aos pais antes de expor para o mundo. “Marquei uma conversa com eles. Não é fácil sentir a dor dos seus pais em uma situação dessas, mas eu precisava contar. Quando desabafei, a reação da minha mãe me surpreendeu. Ela estava calma, e acabou me contando que havia sofrido abuso na infância também. Ela me apoiou muito, tanto para que eu soubesse que a dor um dia ia passar, quanto para que eu seguisse em frente para acolher outras mulheres.”

Desde então, Amanda se envolve em projetos sociais com a consciência de que sua vocação envolve o ato de comunicar. Empreendedora e fundadora da loja de sorvetes saudáveis Petit Potê, ela sabe que qualquer negócio tem espaço para iniciativas que mudam vidas. Neste ano, ela está à frente de um projeto de capacitação de mulheres por meio de workshops mensais em parceria com a ONG Mulheres Solidárias e a Escola Sorvete. As alunas, já selecionadas para o primeiro workshop, que será no dia 12 de fevereiro, são mães de crianças que vêm a São Paulo para fazer tratamentos oncológicos. 

O foco é ensinar a elas diversas técnicas para criar geladinhos, sorvetes de máquina e picolés, como forma de gerar uma nova fonte de renda. Além disso, as futuras empreendedoras também terão aulas sobre planejamento estratégico, cultura organizacional, funcionamento de empresas e startups e outros assuntos ligados à capacitação administrativa. A Petit Potê, que já fez um coquetel de divulgação da iniciativa – 5% do valor total das vendas realizadas no evento foram doados à Associação Fernanda Bianchini, escola de ballet clássico para pessoas com deficiência visual -, será a primeira cliente oficial dessas mulheres. 

Durante todo o mês de fevereiro, o sorvete de coco do estabelecimento está sendo produzido pelas alunas do workshop. “Desejamos que elas aprendam uma profissão, tenham uma nova fonte de renda, conquistem independência financeira e sejam donas de suas vidas”, diz Amanda, que conseguiu unir o mundo do sorvete com a atuação social. Uma dúvida que pode ter surgido durante essa matéria, no entanto, é sobre o momento em que o sorvete entrou em sua vida. Formada em arquitetura e fazendo voluntariado no Peru, de onde veio a ideia de criar uma sorveteria? 

A ORIGEM DA PETIT POTÊ 

“Sempre tive uma veia empreendedora. Na infância, eu montava um mercadinho chamado ‘Estação Pão e Limão’ na frente de casa, onde eu vendia produtos diversos. O pessoal realmente comprava, porque era mais barato do que no mercado. Era empreendedora, mas não sabia fazer conta. E meus pais perdiam dinheiro com as minhas empreitadas”, conta, rindo. Após a graduação, como já vimos, ela foi para o Peru. “Além de trabalhar com mulheres, eu cuidei de crianças e aprendi muito sobre nutrição. Eu sempre comi de maneira saudável, mas ali ganhei um conhecimento extra.” 

Quando voltou para o Brasil, ainda sem muita definição de carreira, Amanda fez um vídeo para o Instagram ensinando a receita de um ovo de páscoa saudável. “As pessoas gostaram muito do conteúdo e eu enxerguei um potencial mercado ali. Junto a uma funcionária, comecei a vender os recheios dos ovos de colher em potes. Foi daí que veio o nome ‘Petit Potê’, uma brincadeira com a famosa expressão ‘guardar em um potinho’.” Para que o negócio tomasse forma, no entanto, faltava conhecimento administrativo e dinheiro para um investimento inicial. 

“Na época, eu conheci uma pessoa que fazia sorvete artesanal e que me disse que era possível fazer versões saudáveis. Eu já havia provado algumas opções zero açúcar no mercado e elas eram horríveis. Então eu coloquei na cabeça que ia criar uma receita saudável e gostosa”, recorda. Naquele momento, a Petit foi deixada de lado para que Amanda pudesse viajar para São Paulo e começar a estudar gelateria na Escola Sorvete, onde conheceu Francisco Sant’Ana, referência no setor. “Ele me acolheu e me deu muito apoio. Quando me chamou para estagiar na Escola durante o processo, eu precisei parar o carro que estava dirigindo para chorar. Era uma emoção muito grande estar encontrando o meu caminho.” 

Como o especialista sabia do desejo de Amanda de seguir carreira no empreendedorismo, também ajudou no contato com uma startup que tinha a mesma ideia da mato-grossense: criar uma marca de sorvetes saudáveis. “Eu entrei nesse negócio e me mudei para São Paulo em 2017. Foquei 100% da minha energia no sucesso dessa empresa, mas acabou dando tudo errado. Eles colocaram outra pessoa no meu lugar e eu acabei não assinando o contrato. Aquilo foi um luto para mim, porque eu tinha trabalhado 10 meses incansavelmente naquele projeto.” Mas, segundo o escritor Napoleon Hill – como cita Amanda -, cada adversidade carrega consigo a semente de um benefício igual ou maior. “Eu percebi que, se eu havia feito um bom trabalho naquela startup, também conseguiria ter o mesmo desempenho em uma empresa minha.” 

Com confiança e uma nova experiência na bagagem, Amanda ressuscitou a Petit Potê no mesmo ano – mas com foco no sorvete. A inauguração do primeiro pop up de vendas, no entanto, foi só em 2020. “Na época, minha família começou a insistir para que eu fizesse medicina, de maneira que tivesse uma carreira mais estável. Eu prometi que, se naquele ano a empresa não fosse pra frente, eu faria a vontade deles. Assim que eu disse isso, veio a pandemia de Covid-19. Eu não acreditei”, conta, agora com bom humor. “Eu trabalhava pensando que não queria fazer medicina, então aquilo precisava dar certo. Em setembro de 2020, quando o mercado iniciou a retomada das atividades, a empreendedora alugou um espaço e abriu a primeira loja Petit Potê, na rua Oscar Freire, no sofisticado bairro dos Jardins, em São Paulo. 

LEIA TAMBÉM: Carol Paiffer: “As mulheres são o agente de transformação que mudará o país”

“O primeiro mês foi bom, mas depois tivemos outras ondas de pandemia, o que deixava tudo muito instável”, revela. “Na época, eu conheci a Carol Paiffer por conta de uma amiga que a maquiava, e comecei a enviar os nossos sorvetes para ela, que gostou muito e perguntou se já tínhamos nos inscrito para participar do ‘Shark Tank’.” Amanda nunca tinha pensado nessa possibilidade, mas decidiu colocar a cara a tapa e arriscar. 

“Estudei muito, montei a minha apresentação e enviei a inscrição. No primeiro dia de gravação, tive um grande choque: a Carol me ligou pedindo para que eu mandasse os sorvetes para o camarim dos jurados, mas eu não estava lá. Ninguém tinha me chamado para a gravação porque a minha inscrição não havia chegado às mãos dos produtores”, lembra. “Mesmo assim, eu mandei o sorvete para que todos conhecessem. Pelo que fiquei sabendo dos bastidores, todos amaram.” Em 2021, a jurada do reality show de empreendedorismo decidiu investir na Petit Potê e virar sócia-investidora do negócio. “Era o que eu precisava para decolar.” 

Para alegria dos amantes de sorvete, Amanda escapou da medicina. Aos 29 anos, ela encontrou a sua vocação em meio a um turbilhão de sentimentos e acontecimentos que juntou empreendedorismo, sorvetes e direito das mulheres. Uma combinação inusitada, mas que, para ela, tem sabor de vida – o seu preferido.

Fique por dentro de todas as novidades da EQL

Assine a EQL News e tenha acesso à newsletter da mulher independente emocional e financeiramente

Baixe gratuitamente a Planilha de Gastos Conscientes

Compartilhar a matéria:

×