Projeto de Lei pretende trazer protocolo espanhol contra assédio para os bares de São Paulo

Depois da denúncia contra o jogador Daniel Alves tomar os noticiários, políticas brasileiras começaram a olhar para além do crime e propor mudanças para lidar com ele por aqui
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O Brasil (e o mundo) foi impactado nas últimas semanas com as notícias envolvendo o jogador Daniel Alves, que está sendo acusado de agredir sexualmente uma mulher em uma balada de classe alta na Espanha. Apesar de ter acontecido há milhares de quilômetros de nós, o caso está fazendo com que muitos coloquem em xeque as leis brasileiras e a forma na qual nós somos protegidas contra agressões como essas aqui no Brasil.

Afinal, o pesadelo que esta garota está alegando ter passado em outro continente já foi realidade para a maioria das mulheres por aqui. De acordo com a pesquisa Bares Sem Assédio, produzida pela marca Johnny Walker em parceria com o Studio Ideias, a cada 10 mulheres maiores de idade que vivem no Brasil hoje, mais de seis já sofreram algum tipo de assédio em bares, restaurantes ou casas noturnas. O número equivale a dois terços de nossa população feminina com mais de 18 anos.

Os dados alarmantes não param por aí. A mesma pesquisa afirmou que 53% das entrevistadas já deixaram de frequentar estes estabelecimentos por medo de ofensivas machistas e 41% só se sentem plenamente confortáveis nesses ambientes na presença de um grupo de amigos.

Noite após noite, os casos singulares se transformam em uma realidade que muitas vezes evitamos encarar. Em números que, se somados, poderiam facilmente resultar em uma única palavra: medo. E a gente sabe, não deveria ser assim.

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Pensando justamente em mudar essa realidade, depois do caso do Daniel Alves vir à tona, políticas brasileiras começaram a olhar com mais cuidado para a forma na qual a Espanha lidava com a situação. Entre essas, está a vereadora de São Paulo, Cris Monteiro (NOVO).

Depois de se deparar com o caso da garota supostamente assediada pelo jogador na Espanha, assim como muitos, Cris Monteiro decidiu pesquisar um pouco mais sobre as leis e protocolos relacionados aos casos de assédio no país europeu. Junto com os noticiários brasileiros, ela logo ficou mais familiarizada com o protocolo criado para essas situações em bares, baladas e casas noturnas por lá, chamado “No Callem”.

Em linhas gerais, a ideia do projeto espanhol é preparar os funcionários de bares, restaurantes, casas noturnas, entre outros locais para lidar com casos de assédio. Por lá, garçons, gerentes, cozinheiros e outros recebem um treinamento de tempos em tempos para conseguir agir quando situações como a descrita pela mulher – cujo nome não foi revelado – acontecem. Com seu novo projeto de lei, a vereadora do NOVO pretende trazer o modelo deste protocolo para a realidade paulistana.

Caso aprovado, bares, restaurantes e casas noturnas da cidade de São Paulo poderão se voluntariar para que os funcionários recebam os treinamentos necessários. Vale ressaltar que, na ideia enviada por ela, nenhum estabelecimento será obrigado a entrar no protocolo, cada local deverá tomar essa decisão por vontade própria.

Para ela, o incentivo para que os estabelecimentos busquem participar do protocolo está justamente na concorrência. Os locais que optarem por receber o treinamento da prefeitura ganharão um selo oficial que prova que, naquele local, os funcionários estão treinados contra o assédio. “Então vamos supor que você vá sair com suas amigas em uma sexta-feira à noite. Você olha no Instagram para escolher onde vão e estão em dúvida entre dois lugares. Um tem ali nas redes o selo que recebeu o treinamento e outro não. Qual você vai escolher? No fim, todos nós queremos estar em um lugar onde sabemos que nossa integridade física e moral está mais protegida. Esse é o incentivo”, pontua.

Além disso, ela considera que a não-obrigação vai ajudar a selecionar aqueles que realmente acreditam no protocolo e querem fazer parte do projeto por boa vontade. “(Nesse caso) eu não acredito na multa. Porque muitos vão só fazer por medo de uma multa, podendo não fazer o treinamento de modo adequado. Já os que querem fazer por livre e espontânea vontade escolhem porque acreditam que aquilo é importante”.

Na prática

Para Julia Spinardi, advogada associada do Cescon Barrieu Advogados nas áreas de Direito de Família, Sucessões e Planejamento sucessório e patrimonial, um projeto de lei como esse pode ajudar – e muito – os processos de denúncias contra assédio no Brasil.

“Acredito que o protocolo previsto nesta lei poderá ajudar em termos de elevação no número de denúncias, inclusive porque colaborará para a conscientização popular acerca da seriedade em que tais situações devem ser encaradas”.

A advogada aponta também que o projeto poderá ajudar a tornar o processo mais rápido, facilitando algumas etapas, uma vez que, na proposta enviada por Cris Monteiro, o estabelecimento deverá colaborar na identificação do agressor. “Isso poderá ter um efeito positivo em termos de celeridade do processo”.

Além do ponto relacionado à ajuda na identificação do agressor, o projeto prevê uma série de medidas que ficam sob os cuidados dos funcionários do bar, restaurante ou casa noturna. Todas elas são feitas com base no protocolo europeu.

Cabe ao estabelecimento, por exemplo, ter uma área reservada e segura dentro do próprio local para encaminhar as vítimas. Os funcionários deverão levar essa mulher para esse ambiente assim que procurados com uma denúncia. Depois disso, eles deverão, com o treinamento, saber como identificar – a partir da agressão sofrida e da vontade da vítima – o momento de acionar a polícia ou médicos.

Todos esses passos serão ensinados no treinamento, que deverá ser fornecido pela prefeitura de São Paulo, seja por meio de serviços terceirizados ou por funcionários habilitados da própria prefeitura.

‘Tudo, em todo lugar, ao mesmo tempo’

Depois do ocorrido na Espanha abrir os olhos do Brasil para a forma na qual lidamos com assédio, projetos de lei parecidos com o de Cris Monteiro começaram a pipocar pelo país. 

Em âmbito federal, por exemplo, deputadas como Sâmia Bonfim (PSOL), Maria do Rosário (PT/RS), Dandara Tonantzin (PT/MG), entre outras, também estão protocolando projetos de leis parecidos, cada qual com suas particularidades. Um dos principais pontos que diferem entre os projetos é a questão da obrigatoriedade ou não da participação dos estabelecimentos no protocolo e a aplicação ou não de multa àqueles que não os seguirem.

Na entrevista cedida à Elas Que Lucrem, Cris Monteiro explicou que, até o momento, ainda não teve uma conversa de fato com as outras mulheres que estão com propostas parecidas, mas não descarta a possibilidade.

“Eu acho que o que ocorreu deixou todas nós impactadas e com esse desejo de fazer imediatamente alguma coisa, seja na cidade, estado ou país. E fomos cada uma de nós trabalhando para fazer isso. Então existe um link entre nós, mesmo que não tenhamos de fato conversado. No fundo, acho que todas nós ganhamos com projetos de leis tão semelhantes em locais diferentes”, aponta a vereadora.

Para ela, o fato de mulheres com ideologias teoricamente diferentes, de partidos diferentes, estarem olhando para o mesmo tema e propondo coisas parecidas escancara ainda mais uma necessidade coletiva. “Isso demonstra que toda a sociedade está mobilizada em torno do assunto. E que eu talvez seja a novidade nele. Porque esses temas normalmente estão mais no DNA da esquerda. Mas também existem muitas pessoas da direita olhando para isso, como eu”.

“Acho que a mensagem é justamente essa. Estamos todas trabalhando para ter uma cidade, um país, melhor, com um entretenimento mais seguro para todas nós. E acho que o projeto vai de encontro a isso”, completa.

Foto: Premiação dos vencedores da partida da Supercopa da UEFA de 2015 em Tbilisi, Geórgia. Олег Дубина, site Кирилл Крыжановский

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